Rebeldes jihadistas sunitas do ISIS atacaram algumas das principais cidades iraquianas e já quase criaram um país dentro do próprio Iraque. Conflito na Síria permitiu acesso a armamento pesado dando agora origem à revolta no Iraque.
Até 2006 poucos terão ouvido falar do ISIS, acrónimo para o grupo jihadista Estado Islâmico do Iraque e da Síria. Nesse ano, um ataque da Força Aérea dos Estados Unidos, matou o líder de então desse grupo radical islâmico.
Os destinos deste grupo passam então para as mãos de Abu Bakr al-Baghdadi que depressa radicaliza ainda mais o discurso e os comportamentos deste grupo terrorista. De tal forma que, segundo alguns especialistas internacionais, a Al-qaeda, que tinha financiado e suportado a criação deste grupo terrorista, optou por expulsar o ISIS do seu seio por ser um grupo demasiado violento.
A origem
Segundo o jornal online português Observador, o “grupo jihadista do Estado islâmico do Iraque, parte integrante do actual ISIS, era conhecido como a Al-Qaeda no Iraque”, durante a segunda guerra do golfo, em 2003. O seu líder era Abu Musab Al Zarqawi, que em 2004 declarou a sua fidelidade à organização de Bin Laden. “O ISIS chegou a controlar partes significativas do território iraquiano, até que as forças militares americanas e as milícias sunitas os derrotaram em 2006” e num bombardeamento aéreo mataram Al Zarqawi, explica o mesmo jornal.
Porém, o ISIS não foi eliminado totalmente. Em 2011, o grupo renasceu. Explorou a identidade sunita, desafiando a maioria xiita e um governo de Bagdad cada vez mais sectário e que foi quebrando as pontes com população sunita.
Quando os americanos saíram do país em 2011, deixaram para trás uma milícia informal anti-Al-Qaeda conhecida por movimento Sahwa. Contudo Nouri al-Maliki, o primeiro-ministro iraquiano, considerou esse grupo politicamente hostil e promoveu a sua dissolução. Isso abriu caminho ao ISIS, fazendo com que o processo de recruta de novos militantes islamitas se tornasse mais fácil.
Numa gravação áudio publicada na internet, Abu Mohammed al-Adnani, porta voz do ISIS, provoca Maliki. “Perdeste uma oportunidade histórica para as tuas pessoas controlarem o Iraque e os xiitas vão amaldiçoar-te enquanto viveres.” Adani também prometeu que o ISIS iria capturar as cidades do sul de Karbala e Najaf, dois dos principais santuários islâmicos xiitas.
425 milhões de dólares
Agora, com esta revolta militar, que já obrigou mais de meio milhão de pessoas a fugir das suas cidades, há um facto que está a causar uma preocupação ainda maior.
O ISIS, conforme vai conquistando as principais cidades do norte do Iraque, está a ficar cada vez mais rico.
Ao todo, conforme adianta o Washington Post, este grupo terrorista tem vindo a tomar posse de cada vez maiores somas de dinheiro que é deixado ficar para trás pelos fugitivos.
O maior prémio no entanto estava guardado para a entrada do ISIS em Mossul. 425 milhões de dólares estavam abandonados no interior das instalações do banco central iraquiano daquela cidade. Com a captura desta soma, o ISIS passa a ser a organização terrorista mais bem financiada a nível mundial, ultrapassando mesmo a Al-Qaeda.
A perda de controlo de Mosul é de extrema importância. Trata-se da segunda cidade mais populosa do país e está localizada nos arredores os poços de petróleo. O ISIS ter sido capaz de conquistar a cidade num dia quer dizer que o grupo é ainda mais poderoso do que alguns analistas internacionais faziam temer e que está muito coeso ao nível militar.
O que quer o ISIS
O ISIS pretende criar um novo Estado islâmico radical que agrupe as áreas de maioria sunita da Síria e do Iraque. Esse estado estender-se-ia desde não muito longe da costa mediterrânica da Síria até perto de Bagdad e teria no seu interior a maioria dos mais importantes campos petrolíferos do Iraque, explica o Observador.
O papel da Síria
O caos em que a Síria está mergulhada devido ao estado de guerra-civil, fez com que o ISIS conseguisse controlar uma porção do país de forma relativamente segura, explica o Washington Post. É de lá que se suspeita que esteja a vir o armamento dos jihadistas. De forma indirecta, o conflito entre o líder sírio, Bashar Al Assad, e os rebeldes deu acesso a armamento pesado e a fundos que os jihadistas estão agora a utilizar na sua invasão do Iraque.
Mas isso não explica tudo. Segundo o Observador, as “políticas sectárias do governo iraquiano, que descrimina as populações sunitas, criaram um descontentamento que gerou uma ampla base de recrutamento ao ISIS. Se o conflito na Síria permitiu aos extremistas terem acesso a financiamento e a armamento, é no Iraque têm conseguido recrutar militares treinados e muitos jovens descontentes”.
Foi assim que o ISIS se tornou capaz de conquistar Mosul depois de, num ataque relâmpago em Dezembro do ano passado, ter obtido o controlo das cidades de Fallujah e Ramadi, as duas maiores fortalezas da população sunita na província de Anbar, no Iraque.
Que capacidade tem o exército iraquiano
O exército iraquiano não é muito “temível”, escreve Zack Beauchamp de forma irónica na página de jornalismo explicativo americano VOX. À chegada do grupo jihadista a Mosul, os militares de serviço fugiram da cidade em massa, deixando para trás tanques, helicópteros e armas. No passado, o exército iraquiano já utilizou ataques aéreos contra o ISIS, mas esse tipo de ataques causa muitas baixas civis em ambientes urbanos.
Devido à velocidade que o ISIS está a conquistar cidades no Iraque, as dúvidas quando à capacidade do exército treinado pelas forças militares americanas, aumenta os medos do governo.
A origem dos conflitos no Médio Oriente
A República do Iraque é filha de mais uma das divisões salomónica em que foi pródigo o século XX, onde as fronteiras eram traçadas a régua e esquadro em função das conveniências geopolíticas. Mas a sua história é muito mais antiga.
Em traços largos, o Iraque moderno situa-se na região onde em tempos floresceu a Mesopotâmia, terra entre os rios, pedaço fértil de civilização desde há oito milénios. Foi lá que se fundaram quatro impérios notáveis: acadiano, sumério, assírio e babilónio; foi lá que nasceu a escrita e muitos dos elementos constituintes da civilização.
Até ao final da I Guerra Mundial o Iraque estava integrado no império Otomano, que entrou em colapso com a derrota da coligação alemã e austro-húngara. A divisão dos despojos foi realizada por ingleses e franceses e teve por base um acordo celebrado em 1916 no qual se traçou uma “linha na areia” que ficou conhecida como linha Sykes-Picot, o nome dos diplomatas que o negociaram. A França ficou com a zona hoje ocupada pela Síria e pelo Líbano, o Reino Unido com a região da Palestina, da Jordânia e do Iraque.
Esta divisão não teve em consideração as províncias otomanas pré-existentes, distribuindo povos por vários países (os curdos acabaram divididos entre a Turquia, o Iraque, o Irão e a Síria). A divisão das províncias otomanas também não se preocupava muito com as realidades nacionais subjacentes.
Os ingleses tomaram conta do território em 1920 com base num mandato da Liga das Nações (antecessora da ONU), mandato esse que durou uma dúzia de anos em que se criou uma monarquia artificial apoiada na elite sunita ensinada nas boas universidades britânicas. Fartos do deserto e das querelas étnicas, os britânicos entregaram o território ao Rei Faisal, que se manteve no poder até 1958.
Nessa altura, com a Europa ocupada a largar possessões ultramarinas e a fundar a Comunidade Económica Europeia, a agitação no Médio Oriente levou à sua recomposição em função de alinhamentos geoestratégicos. Foi a época em que nasceu a efémera República Árabe que pretendia unir o Egito e a Síria, enquanto no Iraque os golpes de estado se sucederam durante vinte anos, até que Saddam Hussein tomou o poder. Apoiado inicialmente pelos franceses e também pelos americanos, que temiam os xiitas recém-chegados ao poder no vizinho Irão, Saddam organizou um regime sangrento que perpetuou o poder dos sunitas à custa do esmagamento das outras etnias.
Sobreviveria até 2003, altura em que uma coligação liderada pelos Estados Unidos invadiu o país, derrubou o regime e desmantelou o Estado iraquiano. O vazio de poder então criado e a dificuldade de criar novas estruturas legitimadas pelo voto permitiu a emergência de poderes regionais e de grupos terroristas, que obrigaram os Estados Unidos a manter uma força de combate no país até 2011.
Hoje o Iraque continua a falhar os requisitos de um estado-nação: o governo central não tem controlo sobre o território, não existe um sistema económico coeso, nem língua ou religião comum às três parcelas territoriais – o sul predominantemente xiita, o norte de maioria curda e as regiões centrais onde a maioria é sunita.
Obama envia tropas
O Presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou que vai enviar 275 militares para o Iraque, para ajudar a proteger cidadãos norte-americanos e proteger a embaixada em Bagdade, em carta dirigida aos líderes congressistas.
Segundo o Jornal de Notícias, de Portugal, “a força, que começou a ser deslocada no domingo, foi criada com o propósito de proteger cidadãos e propriedade dos EUA e está equipada para combater”, escreveu Obama no texto enviado aos membros do Congresso.
“Esta força vai continuar no Iraque até que a situação de segurança deixe de a requerer”, especificou.
A decisão ocorre numa altura em que os militantes do ISIS derrotaram as forças iraquianas no combate pelo controlo de uma cidade estratégica no norte do país e Washington pondera a utilização de aviões não tripulados contra estes combatentes.
A Casa Branca avançou, em comunicado, que os militares norte-americanos vão ajudar o Departamento de Estado a realojar alguns funcionários da embaixada em Bagdade para consulados em Arbil e Bassorá, bem como para Amã, na Jordânia.