A partir de meados da década de 1990, a discussão em torno da regionalização em Portugal intensificou-se, tendo-se chegado à conclusão que era necessário, e urgente, pôr em marcha o processo. Em 1991, durante o governo de Aníbal Cavaco Silva (PSD), tinha sido aprovada a Lei-quadro das Regiões Administrativas (Lei nº 56/91, de 21 de Agosto, que definia os órgãos de poder a criar em cada região (Juntas Regionais e Assembleias Regionais), as respectivas competências e atribuições, a forma como as Regiões iriam ser instituídas, e o regime eleitoral das futuras regiões, apenas não definindo o número de regiões a criar e a sua delimitação.
Durante os anos seguintes, houve um aceso debate sobre a delimitação de um mapa regional para Portugal Continental. Porém, quando a revisão constitucional de 1997, a instituição em concreto das regiões em Portugal passou a ser obrigatoriamente alvo de referendo. Em 1997, são apresentados dois mapas para a divisão regional. O PS, do então primeiro-ministro António Guterres, apontava para um mapa de 9 regiões. O Partido Comunista e o Partido Ecologista Os Verdes, outros partidos pró-regionalista, apresentaram também uma proposta de 9 regiões, embora com ligeiras diferenças.
Os outros dois partidos então com assento parlamentar, o PSD e o CDS, liderados, na época, por duas personalidades marcadamente anti-regionalistas, Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas, não apresentaram qualquer proposta e bateram-se sempre contra a reforma em si. Ficaram famosos, na altura, os cartazes que o CDS afixou de norte a sul, com a imagem da bandeira portuguesa a ser rasgada, e apelando assim ao ‘não’.
Os defensores da regionalização acreditavam que o modelo iria contribuir paraaumentar a massa crítica devido ao ganho de escala; reforçar a coerência das políticas públicas; cumprir o princípio da subsidiariedade porque há decisões que devem ser tomadas não pela administração central ou por organismos dela dependentes mas por órgãos mais próximos das populações; aprofundar a democracia representativa, diminuindo o peso excessivo do Estado e o centralismo; contribuir para reforçar o peso das organizações da sociedade civil que actuam em benefício do desenvolvimento local e regional; atenuar as desigualdades e as assimetrias locais e regionais; difundir mais e melhor informação em nome do princípio da transparência; reforçar a capacidade de desenvolvimento auto-sustentável; melhorar as vias de comunicação nos domínios rodoviário, ferroviário e aéreo; distribuir de forma mais justa, equitativa e racional a riqueza gerada, evitando a excessiva concentração de investimento na zona envolvente de Lisboa; facilitar a fixação de quadros superiores, entre outras.
Já os argumentos dos que rejeitavam a regionalização, defendiam que em Portugal não existem acentuadas diferenças naturais, linguísticas, culturais ou étnicas e, como tal, a regionalização poderia ser uma ficção criada para reforçar o poder dos políticos locais e o caciquismo local com todo o seu rol de influências e jogos de poder; que seria preferível reforçar os poderes, as atribuições e as competências dos municípios; que era praticamente impossível encontrar um modelo ideal para as regiões administrativas; ou que a regionalização poderia pôr em causa a coesão nacional e a integridade do país.
As duas propostas geraram uma ampla discussão. A Lei da Criação das Regiões Administrativas acabou por ser oficializada e levada a referendo no dia 8 de Novembro de 1998. Nesse dia, 51,71% dos eleitores portugueses ficaram em casa e não foram votar. O referendo acabou por não ser vinculativo, já que era necessário que pelo menos 50% dos eleitores se expressassem num determinado sentido. E os que foram às urnas votaram contra a regionalização e o modelo de divisão escolhido.
Durante o governo de Durão Barroso, de coligação PSD/CDS, tentou-se novamente reformular as divisões administrativas do país, com a criação de um mapa regional constituído por unidades territoriais relativamente pequenas, de três tipos: Grandes Áreas Metropolitanas, Comunidades Urbanas e Comunidades Intermunicipais. Com a chegada de José Sócrates ao poder, em 2005, todas estas reformas foram abandonadas.
Actualmente, o governo de António Costa prefere falar em descentralização, na desconcentração dos serviços e competência da administração central do Estado para a esfera local. Na reforma em preparação, alguns serviços do Estado serão entregues às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, às Comissões Intermunicipais e às autarquias. Os partidos mais à esquerda que têm sustentado o governo socialista – Partido Comunista e Bloco de Esquerda – preferem que se retome o tema regionalização. E o PCP até já apontou o primeiro trimestre do próximo ano como o limite para se voltar a referendar a questão.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 842 de 17 de Janeiro de 2017.