Numa sessão pública em Lisboa organizada pelo Bloco de Esquerda, Guilherme Boulos alertou para as intenções do futuro presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, de "criminalizar movimentos sociais" como o que lidera, o dos Sem Terra, e defendeu uma resposta unida.
"A experiência portuguesa ensina-nos que é possível manter a autonomia, respeitar a diversidade e ao mesmo tempo estarmos junto no fundamental para derrotar a direita e a extrema-direita (...) A nossa tarefa no Brasil é criar uma frente ampla de defesa da democracia e da liberdade dos nossos povos", afirmou.
Boulos sublinhou que, antes de ser eleito, Bolsonaro apontou como caminho para os opositores "a cadeia ou o exílio", mas garantiu que a terceira opção será o combate nas ruas, "num processo de resistência legítimo e democrático".
"Temos todas as razões para estar preocupados com o futuro da democracia brasileira", alertou.
Em declarações à Lusa, à margem da sessão, Guilherme Boulos explicou que o objectivo da sua visita a Lisboa e Porto (também esteve em Estrasburgo no Parlamento Europeu) é criar "uma rede de solidariedade" para com o povo brasileiro, que fique atenta à violação de direitos humanas e a ameaças à democracia a partir de 1 de Janeiro, data da posse de Bolsonaro
"Estamos a propor a visita de um conjunto de partidos, intelectuais, organizações sociais europeias ao Brasil no início de Fevereiro para fazer uma mesa com movimentos sociais e lideranças de oposição para que possam, 'in loco', compreender a situação preocupante do Brasil nesse momento", afirmou.
Questionado pela Lusa se a vitória de Bolsonaro poderá prejudicar as relações do Brasil com Portugal e com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Guilherme Boulos disse acreditar que terá um impacto negativo.
"Bolsonaro já anunciou, assim como o seu ministro das Relações Exteriores, que a sua relação prioritária, eu diria de subordinação, será com os Estados Unidos, preterindo os próprios países latino-americanos, o Mercosul, a União Europeia, os países lusófonos", apontou.
Na opinião do activista social, a presidência de Bolsonaro não irá dar prioridade a instrumentos multilaterais como a CPLP, o Mercosul ou mesmo o bloco de mercados emergentes, os Brics, que tem sido uma aposta do Brasil.
"A política externa brasileira vai ser conduzida por alguém que diz que o aquecimento global é uma invenção de marxistas, não está apto para representar os interesses do Brasil no mundo", criticou, referindo-se ao diploma Ernesto Araújo.
"Tememos também que as relações com Portugal não sejam tratadas de maneira adequada por esse governo", acrescentou.
Na sessão pública em Lisboa, a coordenadora do BE, Catarina Martins, considerou que "a democracia está em perigo no Brasil" e prometeu apoio aos movimentos sociais contra a sua criminalização.
Antes, a eurodeputada Marisa Matias fez o paralelismo entre o que se passa no Brasil e na Europa.
"Assistimos à forma como as políticas de austeridade abriram a porta ao medo, ao ódio, como há forças políticas e movimentos que querem aproveitar-se desse medo e da insegurança das pessoas para promover a xenofobia, o racismo e um ataque profundo à democracia", alertou, acusando os governos europeus de "assobiarem para o lado".
A sessão contou ainda com intervenções da deputada do BE Joana Mortágua, da presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Rio, e da activista brasileira Dríade Aguiar, fundadora do movimento Mídia Ninja.
Na assistência, entre várias dezenas de pessoas, marcou presença o antigo coordenador do Bloco Francisco Louçã.