Martin Walsh, Mayor de Boston: “Os EUA precisam da imigração para continuar a crescer”

PorAndre Amaral,3 mar 2019 2:59

Martin Walsh, Mayor de Boston
Martin Walsh, Mayor de Boston

​Martin Walsh é Mayor de Boston há seis anos e meio. De visita a Cabo Verde garante que as relações entre a Praia e a sua cidade estão “muito próximas” e que a comunidade cabo-verdiana ali residente está bem integrada. Para continuarem a crescer, garante o Mayor de Boston nesta entrevista exclusiva ao Expresso das Ilhas, os EUA precisam de continuar de braços abertos à imigração.

Como estão as relações entre Boston e Praia?

Muito próximas. Tanto com a Praia, como com o Fogo e outras ilhas. Na nossa cidade temos muitas pessoas originárias de Cabo Verde e temos muitas pessoas que são descendentes de cabo-verdianos. Por isso, temos relações muito fortes com este país.

Como avalia a integração da comunidade cabo-verdiana em Boston?

Em Boston há muitas empresas que são de cabo-verdianos, na administração pública há muitos cabo-verdianos, por exemplo o Chefe do Departamento de Desenvolvimento Económico na Câmara Municipal de Boston, na minha equipa, é o John Barros, que está comigo desde o início, temos o Deinilson Tavares, que dirige o Gabinete de Diversidade e há outros. Por isso, podemos dizer que estão muito bem integrados.

Há uma longa tradição de emigração de Cabo Verde para os EUA e Boston é uma cidade-chave nesse processo. Mas as políticas de imigração mudaram. Ficou mais difícil emigrar para os EUA?

Não posso falar muito sobre imigração e a passagem pelas nossas fronteiras. Mas no que toca às relações da nossa comunidade com imigrantes, talvez seja mais forte agora. Somos uma cidade de quase 700 mil habitantes e, desses, 28% são imigrantes que vieram de todo o mundo. 48% dos nossos habitantes são filhos de imigrantes – como eu, os meus pais imigraram da Irlanda. Muitas pessoas dizem que agora há um sentimento anti-imigração nos EUA, mas na verdade acho que não. Os EUA precisam da imigração para conseguir ter mão-de-obra, para conseguir continuar a crescer. Fomos fundados por imigrantes, crescemos com os imigrantes e se queremos continuar a ser bem sucedidos como país temos de continuar a trabalhar com a imigração e com os imigrantes.

Mas as leis da imigração ficaram agora mais duras?

Não sei. Na verdade acho que não houve grandes mudanças, o Presidente [Trump] provocou muito medo nas pessoas. Os números de deportações aumentaram, mas isso não aconteceu de uma forma generalizada em todos os Estados. Aconteceu em alguns. Em Boston não vimos um grande aumento de deportações.

Cabo Verde tem vindo a receber um número crescente de deportados. Há algo que esteja a ser feito nos EUA para mudar isso, para evitar esse aumento?

Esse tema não é algo com que lidemos a nível local. É um assunto federal. E tudo depende de quem dirige os diferentes departamentos. Houve alturas, nos últimos vinte anos, em que o número de deportações aumentou e noutras em que diminuiu. O que tentamos fazer, na nossa cidade, é que os imigrantes que ali chegam se sintam seguros, se sintam bem vindos. Mas temos muito pouca influência no que respeita à legislação e regras sobre a deportação. Isso é tratado ao nível do Governo Federal e também pelos nossos Procuradores do Estado de Massachusetts.

Nos EUA, especialmente nos estados do Sul, tem havido muitos conflitos raciais. Como é que que Boston tem conseguido evitar estes problemas?

Parcialmente pelo policiamento comunitário que temos vindo a fazer, já fomos apontados como um exemplo a nível nacional, e isso constrói relações de confiança com as pessoas. Trabalhando com as pessoas evitando prisões e tentando inseri-las em programas sociais temos conseguido fazer diminuir a criminalidade em Boston nos últimos cinco anos. Por exemplo, as detenções, nestes últimos cinco anos, diminuíram 25%. Essas são algumas das formas. Outra é o diálogo. Conversarmos com as pessoas é outra forma. Temos muitas vezes conversas dolorosas sobre raça e racismo, ignorar só adia um problema com que mais tarde vai ter de se lidar. Ao abordarmos temas como esse encontramos uma forma de seguir em frente. Mas não há uma resposta isolada, passa também pela educação, pela habitação digna, assegurar que não há desigualdades, há uma série de motivos e respostas.

A cooperação entre Boston e Praia, disse, está mais forte do que nunca...

Sim. Na verdade, começou em 2014 quando tivemos negociações, lideradas pe­lo John Barros, sobre a possibilidade de estabele­cermos um acordo de geminação entre Boston e Praia. Em 2015 o acordo foi assinado. Mas nós temos outros acordos do género, mas apenas no papel. Agora quisemos fazer algo diferente por causa da grande população cabo-verdiana que reside em Boston – fizemos o mesmo com Belfast na Irlanda do Norte – e criamos alguns objectivos que queremos alcançar, porque isto não deve ser uma relação de um sentido apenas. Não é só Boston a ajudar a Praia, é as duas cidades a ajudarem-se mutuamente. Estamos a falar de agricultura, de desenvolvimento económico. Esteve cá uma delegação da Polícia [de Boston] a trabalhar com a Polícia na Praia e a explicar que o que fazemos em Boston é policiamento comunitário. Nesta viagem trouxemos um médico e duas enfermeiras que nasceram em Cabo Verde. Estou feliz por ter vindo, porque fazer um acordo destes e não sentir pessoalmente a experiência a cidade ou o país com que nos relacionamos dificulta a percepção dos impactos do acordo de geminação. Ao estar cá esta semana permitiu-me perceber que o acordo pode ter um impacto muito grande na Praia, mas também em Boston.

Quais são os investimentos que os EUA podem fazer em Cabo Verde?

Actualmente há os investi­mentos dos cabo-verdianos que residem nos EUA e daqueles que já regressaram e construíram as suas casas. Estivemos num hotel no Fogo cujo dono foi funcionário da Câmara de Boston. Há muitas oportunidades dessas. Uma coisa que temos de ver é como podemos fazer as grandes empresas verem Cabo Verde como uma oportunidade de investimentos. Penso que devíamos procurar essas oportunidades, não só para ajudar as empresas como também para ajudar as pessoas que vivem cá.

Cabo Verde tem investido no desenvolvimento do turismo e na atracção de turistas, mas os EUA não são um dos clientes...

Penso que tudo se relaciona com o desenvolvimento de capacidades e com a expansão da base de clientes. Veja o exemplo da Irlanda que era um ponto de partida de emigrantes e hoje é completamente diferente. Penso que há cerca de 100 mil americanos, hoje, a viver na Irlanda. Em Cabo Verde há a oportunidade de se tornar atraente. Ter pessoas como eu, Mayor de Boston, pessoas como o Chefe do Departamento de Desenvolvimento Económico de Boston, temos duas universidades connosco, a Berkley School of Music e a U-Mass de Boston, temos o Hospital de Bethesda. Só o facto de levarmos a informação connosco pode ser importante para Cabo Verde. Quando eu voltar e falar das praias de areia negra, das belas paisagens do interior, do vulcão do Fogo, a Cidade Velha... nós vivemos um pouco da história mundial nestes dias aqui.

Como está Boston actualmente?

Boston está bem. Muito bem. Estamos a atravessar um grande boom na construção, temos cerca de 12 mil milhões de dólares em investimentos a decorrer actualmente. Esta­mos a construir mais casas, especialmente habitação so­cial, do que em qualquer outra altura da nossa história. A população da cidade está a crescer, a criação de empregos também, estamos a trabalhar para melhorar as nossas escolas públicas. Boston está a posicionar-se de uma forma muito forte para o futuro.

Boston fez uma aposta na economia digital. Porquê?

Temos 250 mil estudantes a chegar à nossa cidade todos os anos, as empresas reparam nisso e vêem que há talento em Boston. Não apenas inovação. Uma das coisas em que nos focamos depois de eu ganhar as eleições foi em apostar na economia da inovação. Grandes companhias mudaram-se para a nossa cidade, a General Electric tem lá a sua sede. A Amazon, quando comecei o mandato, não tinha qualquer presença em Boston e nos próximos anos vai lá criar cerca de 3 mil postos de trabalho. Há outras companhias que estão a investir.

Sendo Boston uma cidade de tradição académica, não seria natural uma aposta em empresas ligadas a essa área?

Sim. Antigamente Boston era vista como uma cidade onde as pessoas instalavam os seus escritórios mas os as suas sedes iam para Nova Iorque, Los Angeles ou Chicago. Agora estamos a mudar essa dinâmica. Estamos a fazer uma política ‘agressiva’ para convencer as empresas a sediarem-se lá. Não só grandes empresas como start-ups. Quero garantir que continuaremos a atrair start-ups. Há uma boa história sobre isso. Quando o Facebook foi criado pelo Mark Zuckerberg não teve a atenção que esperava tanto por parte de Boston como da Universidade de Cambridge e foi para a Califórnia instalar a sede da empresa. Não se pode perder uma oportunidade destas, uma companhia que dá emprego a centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. Não podemos deixar isso acontecer outra vez em Boston.

Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 900 de 27 de Fevereiro de 2019.

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Autoria:Andre Amaral,3 mar 2019 2:59

Editado porSara Almeida  em  22 nov 2019 23:21

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