O médico ginecologista, que se tornou conhecido quando fundou o Hospital Panzi, na República Democrática do Congo (RDCongo), onde já foram tratadas milhares de vítimas de crimes sexuais, criticou a “regressão” das novas formas de organização social e afirmou que África está “à beira de sofrer a terceira colonização”.
“Depois dos tempos da escravatura e da colonização dos países ocidentais, hoje em dia as empresas asiáticas estão em vias de tudo monopolizar, no quadro de uma globalização inclusiva que não respeita nem mesmo o ambiente”, disse Denis Mukwege, durante a abertura da Bienal de Luanda-Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz.
A crítica foi estendida aos próprios africanos, mais interessados em zelar pelos interesses pessoais do que pelos do povo, questionando: “Onde está a nossa solidariedade? Onde está a nossa fraternidade? Onde está a nossa dignidade?”
Para Denis Mukwege, a cultura da paz “deve estar no centro das preocupações” individuais e colectivas e cabe aos africanos encontrar soluções para o caminho da paz e da prosperidade, com base nas suas culturas e tradições.
“O grande problema de África é não ter sabido capitalizar a cultura para desenvolver a sua identidade”, considerou, referindo que “a adopção de uma cultura importada” levou a uma incapacidade de dominar as próprias tradições africanas e apontou a instabilidade permanente como o maior impedimento à construção de uma paz duradoura.
Cabo Verde na 1ª Edição da Bienal de Luanda "Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz"
Cabo Verde marca presença na 1ª Edição da Bienal de Luanda, "Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz", a decorrer em Luanda, Angola, de 18 a 22 de Setembro de 2019, com 12 artistas, com o apoio do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas (MCIC).
O médico lamentou que a distribuição da riqueza não seja feita de forma equitativa e que as mulheres sejam relegadas para segundo plano, salientando que só será possível transformar África numa potência mundial desenvolvendo “uma identidade africana autêntica” e o respeito pelos direitos humanos e pela diversidade cultural.
“Estamos longe de satisfazer necessidades básicas da nossa população e de satisfazer as suas aspirações legítimas”, o que explica que muitos jovens procurem outras alternativas de sobrevivência, juntando-se a milícias e à ‘jihad’, como no Sahel, ou busquem o exílio arriscando as vidas no Mediterrâneo, declarou.
Segundo Denis Mukwege, África tem os meios materiais para trilhar um caminho de prosperidade, “tudo é uma questão de vontade política” e “boa governação dos recursos”.
O médico falou ainda sobre o seu próprio país, cujo ciclo de violência se mantém desde os anos de 1990 e já provocou mais de seis milhões de mortos, quatro milhões de deslocados e milhares de violações de mulheres e raparigas, incluindo bebés, apelando aos chefes de Estado, União Africana, Nações Unidas e sociedade civil para que se mobilizem em torno da justiça para punir os responsáveis pelos crimes.