Daniel Innerarity diz que subida da extrema-direita expõe fragilidade das conquistas sociais

PorExpresso das Ilhas, Lusa,17 out 2019 8:12

Daniel Innerarity
Daniel Innerarity

​O filósofo basco Daniel Innerarity encara fenómenos como o ‘Brexit’ ou a subida da extrema-direita em vários países europeus como uma lembrança da fragilidade das conquistas sociais que foram alcançadas ao longo de décadas.

Em entrevista com a agência Lusa, a propósito do lançamento em Portugal do livro “Política para Perplexos” (Porto Editora), o professor catedrático da Universidade do País Basco constata que provavelmente se descuidou, na União Europeia, um tipo de discurso que justificava conquistas “que num momento pareciam boas, no âmbito das liberdades, da europeização”.

“Estes fenómenos catastróficos tipo ‘Brexit’, o que está a acontecer nos países de Visegrado [República Checa, Polónia, Hungria e Eslováquia] ou a evolução da extrema-direita tornam-nos mais conscientes da fragilidade das nossas conquistas, e de que não são aquisições inquestionáveis no futuro”, afirmou o filósofo político.

Em Maio, quando foi cabeça de lista às eleições para o Parlamento Europeu pela coligação Geroa Bai, Innerarity afirmou ao El País que as “crises e os diversos anti-europeísmos politizaram a Europa” e colocaram “problemas reais como o de uma Europa que desconfia dos cidadãos, tanto como os cidadãos podem desconfiar da Europa”.

Questionado acerca destas declarações, Innerarity disse que tenta “ver nas crises o que há de oportunidades” e, no caso específico dos países da Europa de Leste onde têm surgido maiores representações de extrema-direita anti-europeia, pensava-se que o alargamento da União Europeia a esses países significaria a entrada “num clube com regras absolutamente estabelecidas e que iam obedecer”.

“Não nos demos conta de que ampliávamos o perímetro da nossa própria identidade com sociedades muito diferentes, que, por exemplo, vinham de sistemas com uma cultura política muito diferente da nossa, que tinham uma relação com os Estados Unidos muito diferente da nossa. Parece-me que, sendo uma grande conquista porque havia que fazer o alargamento, provavelmente isso não foi acompanhado pelas medidas, pelos discursos, pela europeização que devia ter havido”, afirmou o filósofo basco, que salientou tratar-se de uma batalha política como outras, antes de recordar que casos como Portugal e Espanha também saíram de longas ditaduras.

Sobre o livro, Daniel Innerarity explicou que o que o levou a escrever foi o facto de, na sequência dos anos da crise financeira, se ter começado a deparar com pessoas que, em vez de estarem zangadas com o panorama político, estavam “perplexas”.

“[Nos anos da crise] sabia-se bem quem eram os maus, quem eram os bons, o que havia que fazer, o que era intolerável. E no espaço de uns anos, o que encontro é gente que está desconcertada porque não sabe propriamente quem é responsável pelo quê, porque é que as categorias básicas de orientação no mundo, binárias, tipo direita/esquerda, elite/povo, já não são operativas”, disse o professor universitário.

Innerarity vê hoje as democracias como não estando a “produzir o tipo de cidadãos de que necessitam”, por três razões principais: “Complexidade objectiva, más práticas políticas e incompetência dos cidadãos”.

A primeira traduz-se pela desadequação à actualidade dos sistemas políticos, cujos conceitos basilares, diz Innerarity, surgiram na maioria há cerca de 300 anos.

O segundo ponto prende-se com a falta de capacidade de comunicação e de explicação dos agentes políticos, enquanto o último tem que ver com a falta de competências políticas adquiridas pelos próprios cidadãos, mesmo que sejam altamente educados em termos formais.

Ainda assim, Innerarity conclui “Política para Perplexos” com a seguinte afirmação: “Um pessimista é, na melhor das hipóteses, um desmemoriado que se esqueceu de que o passado quase nunca foi melhor; na pior das hipóteses, é um reaccionário que não se recorda dos males do passado e idealiza um tempo anterior incontestavelmente melhor do que o nosso presente. Um pessimista é em geral mais dogmático do que um optimista, e eu, como duvido muito, costumo ser essencialmente optimista. Nós, os optimistas, costumamos sê-lo por defeito, mais do que por virtude”.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Lusa,17 out 2019 8:12

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  4 jul 2020 23:20

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