A investigadora do Institute For Security Studies (ISS), Shewit Woldemichael, defende que a resposta da União Africana às crises de 2020 no continente "foi marginal" por causa das limitações impostas pelos princípios de soberania nacional e não ingerência.
"A resposta do Conselho de Paz e Segurança da União Africana (CPS) às crises emergentes em 2020 foi marginal", defendeu a investigadora do Africa Peace and Security Governance Programme do ISS numa análise sobre a "realidade da resposta da União Africana às crises" no continente.
Isto, apesar do princípio de não-indiferença, previsto nos estatutos da organização, notou.
A análise da investigadora surge numa altura em que são cada vez mais as vozes críticas da alegada passividade da União Africana perante crises como a de Cabo Delgado, em Moçambique, ou o conflito na região de Tigray, na Etiópia, país onde está a sede da organização.
Em 2020, o CPS, responsável pela coordenação e supervisão na implementação das decisões relacionadas com a paz e segurança, discutiu a situação na República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Gâmbia, Somália, Sudão, Sul do Sudão e Líbia.
Também discutiu os problemas no Mali e na Guiné-Bissau, mas atribuiu o papel de liderança à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) na procura de soluções para as "crises políticas e institucionais".
O Mali esteve duas vezes na agenda do CPS antes do golpe militar em Agosto de 2020 ter afastado o presidente Ibrahim Boubacar Keïta do poder, o que levou à suspensão do Mali até Outubro, quando um governo de transição liderado por civis assumiu o poder.
No caso de Moçambique, o conselho ainda não se pronunciou sobre a ameaça que o país enfrenta devido ao terrorismo e ao extremismo violento, "apesar de decisões e declarações anteriores que salientam a urgência de responder ao terrorismo em África", assinalou a investigadora
O conselho "não discutiu qualquer crise que não tivesse assinalado em anos anteriores. Por conseguinte, é difícil dizer que cumpriu o seu papel crítico na prevenção de conflitos e na resposta precoce", considerou Shewit Woldemichael.
A investigadora ressalvou, contudo, que quer o presidente em exercício da UA, o chefe de Estado sul-africano Cyril Ramaphosa, quer o presidente da comissão da UA, Faki Mahamat, "desempenharam um papel mais activo", alertando para potenciais crises em 2020.
Apontou, nomeadamente, o "papel fundamental" de Ramaphosa para facilitar as negociações entre o Egipto, a Etiópia e o Sudão sobre a Grande Barragem Etíope do Renascimento.
"O envolvimento da UA tem ajudado a desanuviar as tensões que se agravaram após uma tentativa falhada de mediação por parte dos Estados Unidos", apontou.
Ramaphosa também nomeou três ex-presidentes, incluindo o moçambicano Joaquim Chissano, como enviados especiais da UA para a Etiópia, depois de Faki Mahamat ter manifestado preocupação com a escalada do confronto militar entre o governo etíope e a administração regional de Tigray.
"O governo etíope invocou o princípio da não-ingerência, mas, ainda assim, foi uma resposta excepcional da UA", considerou Shewit Woldemichael.
A investigadora assinalou que, neste caso, as declarações do presidente da comissão "conseguiram chamar à atenção para uma crise potencial", levando a um envolvimento de alto nível do presidente da UA.
"Na maioria dos casos o alerta precoce da comissão é ignorado pelos órgãos políticos da UA, incluindo Conselho de Paz e Segurança", sublinhou, explicando que embora o CPS possa colocar qualquer tema na sua agenda tal não se traduz necessariamente numa intervenção da UA.
A União Africana reune 55 países e territórios africanos, tem sede em Adis Abeba, na Etiópia, e é presidida rotativamente por cada país durante um ano.
A organização possui também uma comissão escolhida para mandatos de três anos.