"O Governo sírio levou uma semana para permitir a chegada da ajuda humanitária através da fronteira. Tanto o Governo como os rebeldes do Exército Livre da Síria impediram que a ajuda chegasse às comunidades afectadas", declarou a comissão de três especialistas, presidida pelo brasileiro Paulo Pinheiro.
Da mesma forma, o grupo 'jihadista' Hayat Tahrir al-Sham (HTS), o antigo ramo sírio da rede Al-Qaida que opera no noroeste da Síria, região muito afectada pelos terramotos, rejeitou o envio de ajuda de Damasco, disseram os especialistas.
"Houve um grande fracasso por parte do Governo sírio, mas também da comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, em levar ajuda vital aos sírios que estavam numa situação desesperada", concluiu o Pinheiro, numa conferência de imprensa.
"O conflito não só não cessou durante o terramoto, como os ataques continuaram", acrescentou Pinheiro, sublinhando os ataques recentes realizados pelo exército israelita contra o aeroporto internacional de Aleppo e outras zonas próximas.
A missão também censurou todas as partes pela sua falta de vontade de buscar uma pausa imediata nas hostilidades para ajudar as vítimas, levando "a população síria a sentir-se abandonada nos momentos de maior desespero".
O chefe da missão exigiu que essas negligências sejam investigadas e os responsáveis também responsabilizados.
A Missão de Investigação das Nações Unidas para a Síria, além de Paulo Pinheiro, é composta pela egípcia Hanny Megally e pela britânica Lynn Welchmann.
Os especialistas lançaram estas denúncias na apresentação de um novo relatório sobre violações de direitos humanos no conflito sírio, que está prestes a completar 12 anos.
O novo documento, que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 21 de Março, foca-se especialmente nos abusos denunciados nos últimos seis meses.
Nas áreas controladas pelo regime de Bashar al-Assad, o relatório denuncia a continuação de violações de direitos humanos, como detenções arbitrárias, tortura e desaparecimentos forçados.
Vários ataques indiscriminados do Governo contra civis no noroeste do país [área que mais tarde foi afetada pelos sismos de 06 de fevereiro] foram documentados, como o realizado com bombas explosivas que mataram sete pessoas em novembro em Idlib, ou um outro que provocou a morte de 16 pessoas num mercado perto de Aleppo.
Um ataque realizado em julho por um avião militar da Rússia, país aliado de Al-Assad, destruiu a residência de um civil, matando sete pessoas e ferindo outras 13.
O relatório também documentou as violações cometidas no nordeste do país pelas Forças Democráticas Sírias, a aliança liderada por combatentes curdos, que segundo a missão "continua a privar ilegalmente 56.000 pessoas, a maioria mulheres e crianças, da sua liberdade nos campos de Al Hol e Roj".
As condições nestes campos, em que estão detidas pessoas por serem consideradas familiares de militantes do grupo 'jihadista' Estado Islâmico, continuam a deteriorar-se e os maus-tratos que sofrem podem ser considerados um crime de guerra, alertaram os especialistas.
Os especialistas também enfatizaram que o HTS cometeu abusos que vão desde prisões arbitrárias até tortura e execuções por pelotão de fuzilamento, silenciando vozes críticas em áreas sob seu controlo.
O relatório foi elaborado antes dos sismos, com entrevistas realizadas por membros desta comissão a vítimas de abusos.