Antigo secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger morre aos 100 anos

PorExpresso das Ilhas, Lusa,30 nov 2023 8:20

O lendário e controverso diplomata manteve-se activo até ao fim da vida, apesar da idade avançada.

O ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, figura incontornável da diplomacia mundial durante a Guerra Fria, morreu esta quarta-feira aos 100 anos, informou a sua organização em comunicado.

Kissinger, que dominou a política externa dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, "morreu hoje em sua casa em Connecticut", adiantou a empresa de consultoria Kissinger Associates.

O lendário e controverso diplomata manteve-se activo até ao fim da vida, apesar da idade avançada. Em Julho, já com 100 anos, visitou a China, onde se encontrou com o Presidente do país, Xi Jinping.

As opiniões do antigo diplomata sobre assuntos da actualidade, como a invasão da Ucrânia pela Rússia e os riscos da inteligência artificial, também têm sido frequentemente citados nos meios de comunicação social.

Kissinger nasceu em 27 de Maio de 1923, em Fürth, na Alemanha, no seio de uma família judia que se mudou para Nova Iorque, fugida do nazismo.

Recebeu o Prémio Nobel da Paz juntamente com o homólogo vietnamita Le Duc Thuo pelas negociações secretas para pôr fim à guerra do Vietname e normalizou as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a China durante a presidência de Richard Nixon (1969-1974).

No entanto, Kissinger será também recordado pelo apoio dado a ditaduras como as da Argentina, entre 1976 e 1983, aos últimos anos do regime de Francisco Franco, em Espanha, e ao golpe de Estado contra Salvador Allende, no Chile, em 1973.

É, até à data, a única pessoa na história dos Estados Unidos que ocupou simultaneamente os cargos de secretário de Estado e de conselheiro de Segurança Nacional.

Reacções

O país perdeu "uma das vozes mais fiáveis e mais ouvidas na política externa", lamentou o ex-presidente norte-americano George W. Bush em comunicado.

O facto de um homem como Kissinger, refugiado da Alemanha nazi, ter chegado a chefe da diplomacia norte-americana "demonstra a sua grandeza e a grandeza da América", acrescentou.

Na mensagem, o ex-governante agradeceu ao antigo chefe da diplomacia dos Estados Unidos os seus conselhos e a amizade.

O líder da Câmara dos Representantes no Congresso norte-americano, Mike Johnson, também elogiou o legado de Kissinger numa mensagem na rede social X (antigo Twitter), na qual se referiu ao ex-diplomata como "um estadista que dedicou a vida ao serviço dos Estados Unidos".

O embaixador da China nos Estados Unidos, Xie Feng, qualificou hoje de "enorme perda" a morte do antigo secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, arquitecto da aproximação entre Pequim e Washington nos anos 70.

"Estou profundamente chocado e triste por saber da morte do dr. Kissinger aos 100 anos", escreveu o embaixador Xie Feng na rede social X (antigo Twitter), bloqueada na China, naquela que é a primeira reacção oficial de Pequim sobre o assunto.

"Esta é uma enorme perda para os nossos dois países e para o mundo", acrescentou o diplomata chinês, acrescentando que "a história recordará o que (...) trouxe às relações entre a China e os Estados Unidos".

Kissinger, o controverso secretário de Estado dos EUA na Guerra Fria

Peça-chave da diplomacia mundial durante a Guerra Fria, Henry Kissinger aproximou Moscovo e Pequim, mas o ex-secretário de Estado norte-americano também permanece ligado a episódios controversos, como o golpe militar de 1973 no Chile.

Sinal da aura e da influência do ex-governante que dirigiu a política externa dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, este pequeno homem de voz grave e forte sotaque alemão era, apesar da idade avançada, ainda recentemente consultado por toda a classe política e recebido em todo o mundo por chefes de Estado ou convidado para conferências.

O exemplo mais recente foi a visita a Pequim, em Julho, para se encontrar com o Presidente chinês, Xi Jinping, que o saudou como um "diplomata lendário", por ter sido o responsável pela aproximação entre a China e os Estados Unidos na década de 1970.

Ninguém deixou uma marca maior na política externa norte-americana da segunda metade do século XX, sendo elogiado pelas suas capacidades de negociação, conseguindo ser tanto sensível como autoritário.

Ao mesmo tempo pragmático e iniciador da "Realpolitik" norte-americana, descrito como um verdadeiro "falcão", Henry Kissinger é uma dessas personagens complexas que atraem a admiração ou o ódio.

O nazismo teve um efeito profundo no jovem judeu alemão Heinz Alfred Kissinger, nascido a 27 de Maio de 1923 em Fürth, na Baviera, sul da Alemanha. Acabou por se refugiar nos Estados Unidos com a família aos 15 anos. Naturalizado cidadão norte-americano aos 20 anos, este filho de um professor entrou para o serviço militar de contra-espionagem e para o exército norte-americano, e seguiu para a Europa como intérprete alemão.

Após a Segunda Guerra Mundial, desejoso de regressar aos estudos, inscreveu-se em Harvard, licenciando-se em relações internacionais, antes de aí leccionar e de se tornar um dos seus directores. Foi nessa altura que os presidentes democratas John Kennedy e Lyndon Johnson começaram a aconselhar-se regularmente com este professor, brilhante e ambicioso.

Mas o homem dos óculos de armação grossa impôs-se como o rosto da diplomacia mundial quando o republicano Richard Nixon o chamou para a Casa Branca, em 1969, como conselheiro de Segurança Nacional, depois como secretário de Estado - ocupou os dois cargos de 1973 a 1975 e permaneceu nos Negócios Estrangeiros sob a direcção de Gerald Ford até 1977.

Foi então que deu início à "Realpolitik" norte-americana, começando o desanuviar das tensões com a União Soviética e o descongelamento das relações com a China de Mao Tsé-Tung, durante viagens secretas para organizar a visita histórica de Nixon a Pequim em 1972.

Kissinger liderou também as negociações com Le Duc Tho para pôr fim à guerra do Vietname, também no maior secretismo. A assinatura de um cessar-fogo valeu-lhe mesmo o Prémio Nobel da Paz, juntamente com o norte-vietnamita, em 1973. Mas Le Duc Tho recusou o prémio, um dos mais polémicos da história do Nobel.

Os detractores de Kissinger há muito que pediam que fosse julgado por crimes de guerra, denunciando o seu envolvimento em casos como os bombardeamentos maciços no Camboja e o apoio ao ex-Presidente indonésio Suharto, cuja invasão pelas forças indonésias a Timor-Leste causou 200 mil mortos em 1975.

Mas foi sobretudo o papel da CIA na América Latina, muitas vezes por sua instigação directa, que manchou a sua imagem, a começar pelo golpe de Estado de 1973 no Chile, que levou Augusto Pinochet ao poder após a morte de Salvador Allende.

Ao longo dos anos, os arquivos revelaram os contornos e a extensão do "Plano Condor" para a eliminação dos opositores das ditaduras sul-americanas dos anos 70 e 80.

Apesar destes episódios, o autor de "A Ordem do Mundo", de 2014, pai de dois filhos e casado com a filantropa Nancy Maginnes, manteve-se sempre influente.

Em Janeiro de 2023, apelou à continuação do apoio à Ucrânia, que, na sua opinião, deveria aderir à NATO.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Lusa,30 nov 2023 8:20

Editado porAndre Amaral  em  30 nov 2023 15:26

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