Por via de regra, os cemitérios são espaços de prática religiosa onde se enterram ou se sepultam os cadáveres das pessoas falecidas e, por isso mesmo, convertem-se em autênticos (não) lugares de comportamentos ritualizados, na expressão antropológica de Marc Augé, que adquirem relevo especial e significado juntamente com várias peças de arte de diferentes épocas históricas e demais objetos simbólicos que povoam o mundo dos mortos. Construídos pelos vivos, à intenção dos mortos, os cemitérios espelham, de facto, a dinâmica das comunidades aos quais pertencem, tanto é verdade que a própria organização da "cidade dos mortos" se pauta por critérios idênticos aos da "cidade dos vivos", relativamente à estrutura urbana, na acepção lata do conceito, às ruas e avenidas, à tipologia de habitação, às relações de vizinhança e à hierarquização espacial (António Coelho).
Mais do que um mero repositório de finados, ou um lugar sagrado de repouso onde se enterram e se choram os mortos, o cemitério (do latim coemeterium) é, igualmente, pela sua transversalidade, um campo fértil de preservação da memória coletiva e de saudade, um espaço estratificado de relações de sociabilidade, também ele marcado pela presença de tradições culturais materiais (tangíveis) e imateriais (intangíveis), que valorizam e reforçam o património histórico e identitário da sociedade de pertença. É, pois, nesse espaço de veneração, de culto dos mortos, de ritualização, de nostalgia e de construção social, de resto rodeado de simbolismo e misticismo, que se insere o Cemitério da Várzea, localizado precisamente num dos bairros da periferia urbana da Praia que lhe deu o nome. Sabe-se, igualmente, através de fontes históricas, que o primeiro cemitério da Praia se localizou no Plateau, na antiga Praça de Baixo, que corresponde à zona onde se encontra a estátua Diogo Gomes, mais precisamente nas imediações do Palácio da Presidência da República, tendo sido transferido, mais tarde, entre 1830 e 1835, para Várzea, "fora dos muros da cidade", por se revelar exíguo face ao número de mortos que então se incrementava.
Estruturado em 37 quarteirões, o Cemitério da Várzea alberga, atualmente, 4172 covas e divide-se em dois grandes sectores: o primeiro, que se situa na parte baixa e antiga do Cemitério, abrange 31 quarteirões, e o segundo, construído em 2007 e popularmente co-nhecido por "Cidadela", corresponde à parte nova desse espaço emblemático e congrega 6 quarteirões. As covas, conhecidas, também, por covatos, alinham por quarteirão, podendo o número mínimo e máximo variar entre 50 e 300. À semelhança daquilo que ocorre nas cidades dos vivos, os covatos dos mortos identificam-se em função do número atribuído e, em qualquer circunstância, referem-se ao quarteirão correspondente. De acordo com exigências sanitárias, cada covato tem um comprimento de 2,20 metros, uma largura de 80 cm, aproximadamente, e uma profundidade de 1,20 metros. As espécies ornamentais mais usadas no embelezamento das covas são a cebola, o lírio e o amor de rapaz.
Do ponto de vista da estrutura urbana propriamente dita, o Cemitério, para além dos quarteirões que o integram, divide-se em entradas principais e secundárias, avenida principal, algumas ruas ou passeios e conta ainda com uma capela para missa e uma secretaria de apoio, esta última encarregue da gestão corrente do espaço, bem como da solução dos assuntos ligados a atos fúnebres e a outras questões similares. Não obstante a ampliação do Cemitério, que agora se confina com a encosta do Quartel da Escola da Polícia, a sua estrutura física encontra-se degradada, porquanto nem todas as sepulturas estão alinhadas e, como se isso não bastasse, faltam calcetamento, iluminação e água canalizada.
Para lá da faceta sacra e contemplativa do espaço, o Cemitério da Várzea é, também, um lugar de violência. Sabe-se, por exemplo, que, no passado, se encontravam ali instalados mais de 70 postos de luz de ferro fundido de 2,5 a 3 metros de altura cada e que, entre 2005 e 2006, foram todos pilhados, deixando-o às escuras. Aliás, a violência urbana, que, nos últimos anos, passou a fazer parte da vida quotidiana da cidade da Praia, prolongou-se, em parte, para o Cemitério da Várzea, através dos autodenominados "thugs", que o invadem pontualmente para vandalizar as covas que dizem pertencer aos seus rivais, ou para ajuste de contas. Por outro lado, registam-se ainda atos perpetrados por criminosos, que quebram as sepulturas de mármores e vandalizam covas e cruzes. Para além de se constituir em arena de confrontos violentos entre grupos de jovens delinquentes da capital, o Cemitério tem servido de esconderijo de alguns criminosos a monte, que são procurados pela polícia, precisamente à noite, por falta de iluminação pública, na linha da célebre teoria dos "vidros partidos" desenvolvida por Wilson e Kelling, segundo a qual existe uma relação entre a aparência de desordem e o surgimento da delinquência.
Tratando-se de um espaço público, o Cemitério constitui, igualmente, um campo de desigualdades e estratificação social, que se traduz, em primeiro lugar, pela forma como são enterrados os mortos, em razão do preço e da qualidade do caixão/urna que transporta o corpo até a última morada. Nesta lógica de desigualdades sociais profundas, alguns são enterrados em urnas e outros em caixões construídos de madeira simples. Por outro lado, outro indicador essencial de desigualdade social a ter em linha de conta são os diferentes tipos de covas utilizados diferentemente por uns e por outros, que oscilam entre a campa de mármore e covas simples com cruzes e plantas. Em última análise, a opção pelo tipo de velório, pelo preço do caixão/urna, ou ainda pelo tipo de cova depende, em grande medida, da origem, condição e prestígio sociais dos familiares do morto, mas também do controlo social exercido, aliás, típico das sociedades de inter-conhecimento.