O mercado global e a revolução tecnológica colocam, neste século XXI, aos decisores de muitos países em desenvolvimento, o grande desafio da viabilização das suas economias.
A crise económica e financeira global ainda não digerida, com efeitos actuais e diferidos profundos sobre o jogo das vantagens comparativas e a reorganização das relações de força entre US, UE, Países emergentes (BRIC's) e os Países em desenvolvimento no quadro da Organização Mundial do Comércio, criam, em particular para os pequenos países com características comuns com Cabo Verde, um contexto concorrencial substancialmente diferente. Os países pobres sem minérios e petróleo estão numa concorrência desenfreada com os países emergentes e da Europa de leste para a atractividade de investimentos estrangeiros e conquista de mercados externos.
No caso cabo-verdiano, os desequilíbrios macroeconómicos persistentes e profundos - orçamental e da balança de pagamentos (balança comercial & conta corrente) -, o peso da dívida pública total (a assumida mais a disfarçada está acima dos 100 por cento do PIB), desemprego massivo (principalmente dos jovens),bem como os crescentes "gaps" de energia e água tornaram inadiável uma agenda de sobrevivência.
Do ponto de vista da agenda de sobrevivência e da necessidade de ultrapassar bloqueios ao modelo de crescimento (desenvolvimento), a questão central que se jogará nos próximos tempos é a de que factores decisivos de atractividade para o investimento estrangeiro fazer emergir. Vantagens comparativas indiferenciadas como custos de mão-de-obra "unskilled" tornaram-se, com a revolução tecnológica, anacrónicas. Só uma combinação de vantagens estratégica e específica tem um impacto duradouro num mundo globalizado.
Ora, como o Império Romano criou "limes" (ou "buffer zones") para conter as tribos bárbaras, muitos países ou regiões ricos (US, União Europeia) tentarão no século XXI conter os novos "bárbaros" estabilizando os seus vizinhos pobres com créditos e investimentos de modo a torná-los Estados-tampão (buffer states). Sendo Cabo Verde um Estado pobre na vizinhança de uma região próspera (Macaronésia da União Europeia) adquire este tipo de vantagem estratégica dado que a não viabilidade económica dos países do Sahel e africanos em geral cria um número cada vez maior de imigrantes ilegais e de refugiados. Os países do Maghreb estão actualmente a beneficiar desta vantagem estratégica como vizinhos pobres da Europa Mediterrânica. O México adquiriu também uma vantagem estratégica como um "buffer state". Os Estados Unidos (US) escolheram este país como parceiro, a fim da sua estabilização e evitar de ser afectado pela emigração quer do México quer da América Central e do Sul. A vantagem estratégica que o México beneficia como vizinho pobre e "buffer-state" foi confirmada com a criação da Zona de comércio livre (NAFTA) e com o envelope financeiro colossal que salvou o México em 1998 da bancarrota.
Cabo Verde encontra-se hoje numa encruzilhada particularmente complexa. E o que está em causa não se compadece com meros exercícios de retórica política. Para dar alguns exemplos: queremos ter um modelo de crescimento para o século XXI ou queremos continuar a utilizar a nossa diplomacia como um instrumento para obter ajuda alimentar para aliviar a malnutrição da população?
Queremos um turismo e lazer de qualidade ou queremos ser uma versão menor do turismo sol & praia? Queremos desenvolver um "cluster" do mar com um perfil tecnológico adequado ou não? Os investimentos para cobrir os desequilíbrios físico e institucional existentes nos sectores-chave da energia, água, transportes, educação e formação, sistema de justiça para sermos uma ou outra coisa são substancialmente diferentes. Ora, o grande desafio actual do país é o financiamento destes investimentos. Sintomas alarmantes são aparentes.
É urgente debater e fixar um Pacto para sobrevivência do país. O Pacto é estabelecido através de diálogo e consulta democrática entre os partidos políticos, associações empresariais, sindicatos, comunidade académica e com a sociedade civil em geral. Por seu turno, este Pacto tem de ser articulado com a negociação com a União Europeia com base na vantagem estratégica como um "buffer state". Trata-se de uma negociação extremamente complexa, em que o sucesso nacional dependerá da nossa capacidade, não meramente de fazer reformas, mas de compreender que a vantagem estratégica aumenta o poder negocial internacional e de actuação sobre o quadro negocial bilateral e comunitário.
Penso que o Presidente da República JCF poderia ter uma influência decisiva nesta matéria.
Paulo MONTEIRO Jr.
Economista, Prof. Universitário.