Opinião: Agenda de sobrevivência

PorPaulo Monteiro Jr.,12 dez 2012 23:00


O mercado global e a revolução tec­nológica colocam, neste século XXI, aos decisores de muitos países em desenvolvimento, o grande desafio da viabilização das suas economias.

A crise económica e finan­ceira global ainda não digerida, com efeitos actuais e diferidos profundos sobre o jogo das vantagens comparativas e a reorganização das relações de força entre US, UE, Países emergentes (BRIC's) e os Países em desenvolvimento no quadro da Organização Mundial do Comércio, criam, em particular para os pequenos países com características comuns com Cabo Verde, um contexto con­correncial substancialmente diferente. Os países pobres sem minérios e petróleo estão numa concorrência desenfreada com os países emergentes e da Euro­pa de leste para a atractividade de investimentos estrangeiros e conquista de mercados ex­ternos.

 

No caso cabo-verdiano, os desequilíbrios macroeconó­micos persistentes e profundos - orçamental e da balança de pagamentos (balança comercial & conta corrente) -, o peso da dívida pública total (a assumida mais a disfarçada está acima dos 100 por cento do PIB), de­semprego massivo (principal­mente dos jovens),bem como os crescentes "gaps" de energia e água tornaram inadiável uma agenda de sobrevivência.

Do ponto de vista da agenda de sobrevivência e da necessi­dade de ultrapassar bloqueios ao modelo de crescimento (de­senvolvimento), a questão cen­tral que se jogará nos próximos tempos é a de que factores de­cisivos de atractividade para o investimento estrangeiro fazer emergir. Vantagens comparati­vas indiferenciadas como cus­tos de mão-de-obra "unskilled" tornaram-se, com a revolução tecnológica, anacrónicas. Só uma combinação de vantagens estratégica e específica tem um impacto duradouro num mun­do globalizado.

Ora, como o Império Ro­mano criou "limes" (ou "buffer zones") para conter as tribos bárbaras, muitos países ou regi­ões ricos (US, União Europeia) tentarão no século XXI conter os novos "bárbaros" estabili­zando os seus vizinhos pobres com créditos e investimentos de modo a torná-los Estados-tam­pão (buffer states). Sendo Cabo Verde um Estado pobre na vizinhança de uma região prós­pera (Macaronésia da União Europeia) adquire este tipo de vantagem estratégica dado que a não viabilidade económica dos países do Sahel e africanos em geral cria um número cada vez maior de imigrantes ilegais e de refugiados. Os países do Maghreb estão actualmente a beneficiar desta vantagem es­tratégica como vizinhos pobres da Europa Mediterrânica. O México adquiriu também uma vantagem estratégica como um "buffer state". Os Estados Unidos (US) escolheram este país como parceiro, a fim da sua estabilização e evitar de ser afectado pela emigração quer do México quer da América Central e do Sul. A vantagem estratégica que o México be­neficia como vizinho pobre e "buffer-state" foi confirmada com a criação da Zona de co­mércio livre (NAFTA) e com o envelope financeiro colossal que salvou o México em 1998 da bancarrota.

Cabo Verde encontra-se hoje numa encruzilhada par­ticularmente complexa. E o que está em causa não se compadece com meros exer­cícios de retórica política. Para dar alguns exemplos: queremos ter um modelo de crescimento para o século XXI ou queremos continuar a uti­lizar a nossa diplomacia como um instrumento para obter ajuda alimentar para aliviar a malnutrição da população?

Queremos um turismo e lazer de qualidade ou queremos ser uma versão menor do turismo sol & praia? Queremos desen­volver um "cluster" do mar com um perfil tecnológico adequado ou não? Os inves­timentos para cobrir os dese­quilíbrios físico e institucional existentes nos sectores-chave da energia, água, transportes, educação e formação, sistema de justiça para sermos uma ou outra coisa são substan­cialmente diferentes. Ora, o grande desafio actual do país é o financiamento destes investimentos. Sintomas alar­mantes são aparentes.

É urgente debater e fixar um Pacto para sobrevivência do país. O Pacto é estabelecido através de diálogo e consulta democrática entre os partidos políticos, associações empre­sariais, sindicatos, comunidade académica e com a sociedade civil em geral. Por seu turno, este Pacto tem de ser articu­lado com a negociação com a União Europeia com base na vantagem estratégica como um "buffer state". Trata-se de uma negociação extremamente complexa, em que o sucesso nacional dependerá da nossa capacidade, não meramen­te de fazer reformas, mas de compreender que a vantagem estratégica aumenta o poder negocial internacional e de ac­tuação sobre o quadro negocial bilateral e comunitário.

Penso que o Presidente da República JCF poderia ter uma influência decisiva nesta matéria.

Paulo MONTEIRO Jr.
Economista, Prof. Universitário.

 

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Autoria:Paulo Monteiro Jr.,12 dez 2012 23:00

Editado porAlexis Cardoso  em  15 jan 2013 22:59

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