Da génese do centralismo em Cabo Verde ao debate da regionalização

PorJosé Fortes,6 mai 2013 0:00

Última parte: O Debate da Regionalização e a renovação política de Onésimo Silveira

 

JMN tem-se, portanto, des­dobrado em esforços para di­luir ou esvaziar o conteúdo do debate sobre a regionali­zação, após ter prometido a sua realização e a abertura de um Livro Branco. É por estes sinais inquietantes que o leitor comum pode confundir-se com essa insuficiente explicitação do pensamento do Onésimo Silvei­ra, e indo mesmo ao extremo de nelas poder descortinar, quiçá injustamente, uma tentativa de aproximação conciliatória às dúbias intenções do governo, o que, a confirmar-se, voltaria a ser altamente comprometedor da credibilidade daquele políti­co mindelense. Por conseguinte, é de toda a conveniência que o Onésimo Silveira evite esta si­militude expressiva entre ele e o JMN em matéria de regionaliza­ção, ou que afaste as eventuais suspeitas da existência de uma aliança objectiva ou de um acor­do implícito sobre o modelo de regionalização minimalista ou de compromisso, antes de qual­quer debate, o que a ser verdade frustraria as pessoas que deram o corpo a este combate de cida­dania. Todavia, desenganem-se os opositores se pensam que exista alguma divergência de fundo sobre a regionalização entre a maior parte dos regio­nalistas, incluindo Onésimo Silveira. Inclusivamente, até se pode conceber que deter­minados líderes possam vir a concluir que afinal determinado modelo que tinham defendido já não será o mais adaptável ao nosso circunstancialismo, mudando, por isso, de opinião, mas sem abdicar da sua crença na irreversibilidade da reforma. Não devemos ser dogmáticos nem sectários, pois costuma-se dizer que só os burros é que não mudam de opinião, pelo que estaremos abertos ao debate e a eventuais futuros compro­missos, desde que haja hones­tidade intelectual na posição das pessoas.

Na realidade, defender, a priori, uma regionalização minimalista limitada a um formato meramente admi­nistrativo, que sintetizasse a linha dos actuais detractores da reforma, tentando assim de­finir de antemão os contornos do futuro debate, que deveria ser alargado e participativo, constitui uma tentativa de condicioná-lo e de antecipar as conclusões do mesmo, muito ao gosto dos partidos do poder de matriz centralista e autoritária. Esta atitude não facilitará a criação de uma plataforma de entendimento consensual sobre o modelo de descentralização e regionalização mais adequado à realidade cabo-verdiana, para a elaboração de propostas con­cretas sobre o futuro político, administrativo e económico de Cabo Verde. Pois, embora o aval de experiências bem-su­cedidas no Mundo, não existe uma doutrina uniforme sobre a descentralização, nem ver­dades axiomáticas sobre esta matéria, muito menos teorias dogmáticas, comprovado está que o estudo e o planeamento de uma descentralização/regio­nalização envolvem uma série de variáveis, que são pertença da substância complexa e mul­tiforme do problema, e que elas são do âmbito político, geográ­fico, demográfico, económico e histórico-cultural (3).

Sugiro, assim, ao Onésimo que clarifique melhor o seu pensamento, porque, como se costuma dizer, à mulher de César não basta ser séria, tem de parecer ser séria. Isto quer dizer apenas que pode este po­lítico estar a incorrer num risco involuntário e absolutamente desnecessário, que levará ou­tros a murmurar: “Naquele país, falar de regionalização (política e administrativa) é quase um cri­me de lesa-pátria ou um acto de desobediência cívica à doutrina centralista do PAICV, partido que muitas vezes sente-se dono e polí­cia da consciência do país”.

Em todo o caso, e dando-lhe o benefício da dúvida, quero crer que, contrariamente ao JNM, aquilo que Onésimo propugna para Cabo Verde, em geral, e a ilha de S. Vicente, em particular, é a regionalização no seu signi­ficado conceptual mais amplo e mais completo: eleição de órgãos representativos e gover­nativos próprios e certo grau de autonomia financeira e de deci­são política. De resto, tem sido por demais evidente em todos os artigos já publicados sobre regionalização (Arsénio de Pina, Adriano Miranda Lima, Antó­nio Pascoal Santos, Luiz Silva, da minha própria pessoa, e vá­rios outros jovens autores como Aldirley Gomes) e da posição já expressa por vários políticos locais e nacionais, que o conceito envolve um carácter político e si­multaneamente administrativo bem como uma autonomia que, citando Adriano Miranda Lima (1), “corresponderá à amplitude que for conferida à transferência de autoridade político-administrativa, que quanto maior é, mais efectiva torna a autonomia. Uma autono­mia configura responsabilidades político-administrativas próprias no espaço jurisdicional de um poder local e circunscrita a certas áreas de governação, que excluem normalmente as que têm uma re­lação directa com a soberania e são da estrita dependência do governo central.”

Voltando ao princípio desta narrativa (1ª parte), vimos que a antiga administração colonial, já na sua fase final, pensou num figurino administrativo diferente para o arquipélago de Cabo Verde e chegou a indigitar um governador para o Grupo Barlavento, o que re­vela já na altura uma correcta percepção das consequências político-administrativas da descontinuidade territorial da colónia e da necessidade de uma resposta adequada e mais próxima dos interesses daquelas ilhas. O companheiro e conterrâneo Adriano Miran­da Lima, que foi vizinho em Tomar do governador então digitado, Dr. Jerónimo Graça (falecido em 2011), confirma que ouviu directamente da sua boca o facto aqui referido.

É verdade que tal solução não corresponderia propria­mente ao que hoje defendemos actualmente para o país – a regionalização – mas constituía certamente o primeiro lance de um olhar realista para os problemas do arquipélago. Na realidade, a iniciativa do governo do MPD nos anos 90 seguiu, em certa medida, a ló­gica subjacente ao projecto da administração colonial, e se não fosse abortada por questões de ordem ideológica, estaríamos hoje a desfrutar em todo o arquipélago do seu impacto so­cioeconómico e quiçá político. Todavia, na presente conjun­tura, essa regionalização mini­malista já está fora do contexto, ultrapassada no seu “timing”, na medida em que como referi precedentemente, a sua concre­tização actual só serviria para matar a ideia e o conteúdo da regionalização, servindo exclu­sivamente os interesses de uma oligarquia política e económica bem instalada no conforto do poder, que tudo fará para aba­far qualquer “radiografia”do país, debate e tratamento dos problemas candentes da socie­dade cabo-verdiana contem­porânea. Ontem como hoje, a solução dos problemas de Cabo Verde requer o equilíbrio entre o factor geoeconómico e o político “tout court”, o pri­mado da racionalidade sobre a obtusidade mental. Nenhuma decisão sobre a regionalização deverá ser tomada sem uma ampla discussão envolvendo os principais actores e a sociedade civil. Tão pouco será possível introduzir esta reforma e as que vêm anexadas, sem as preceder de um debate sobre o acervo de mudanças profundas e neces­sárias que o país reclama. Pois a regionalização, mormente a minimalista, sendo parte da solução, não será de certeza a panaceia para os muitos pro­blemas graves e crónicos que já assolam o país. (FIM)

PS: A experiência de regiona­lização em curso em Marrocos (5), da iniciativa e impulsionada pelo próprio rei (que não pode ser acusado de querer dividir o seu país), e já em fase avançada de implementação, prova ser uma re­forma natural e que merece a nossa atenção, desmonta as inverdades e fantasmas que, infelizmente, alguns querem construir em torno da problemática. Esta reforma é já prova de maturidade política de um país como o Marrocos.  

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Autoria:José Fortes,6 mai 2013 0:00

Editado porSara Almeida  em  10 mai 2013 22:08

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