“No contexto da Constituição da liberdade, cem caminhos conduzem ao progresso…A chave para o progresso, por conseguinte, não é uma concepção alternativa completa, um detalhado plano director da liberdade. Esses planos são, em si mesmos, contraditórios e é mais provável que conduzam ao regresso à sociedade fechada. A chave para o progresso é a mudança estratégica. Consiste em identificar um pequeno número de decisões, aparentemente menores, que provavelmente produzirão efeitos e ramificações a longo prazo.” – Ralf Dahrendorf
Num comovente exercício de propaganda política, ao velho estilo da Desinformatzia russa, JMN organizou o seu II fórum de “transformação”, mobilizando, para o efeito, um impressionante séquito de aduladores, especialistas, assessores, funcionários públicos, técnicos pronto-a-servir, repórteres deslumbrados, keynesianos de boa consciência, cortesãs com provas dadas e yuppies ávidos de privilégios e destaque. Estavam lá todos.
A coisa prometia! E a patota estremeceu de emoção…
A palavra de ordem era, ab initio, clara e penetrante: maldizer qualquer política alternativa e declarar, no Olimpo das certezas inatacáveis, a infalibilidade da linha de rumo do Governo.
Nunca se viu, nos anais da história universal, tamanha loucura por metro quadrado.
Foi a consagração pós-moderna do partido “força, luz e guia”.
2030 não é, bem visto o assunto, uma mera data do calendário nem uma referência de planificação económica: é, com a força da verdade inconveniente, o símbolo de quem possui as “chaves do futuro” e nunca erra no prognóstico. Quem diria!
Claro que é tudo um disparate, suave e narcotizante, mas faz todo o sentido para a clique dirigente do PAICV, que é, no corpo e mais ainda na alma, um partido revolucionário, esse quid esquisito e violento que, tingido pelo fel marxista, mal aceita a “democracia burguesa”, os valores constitucionais e os avatares da lotaria democrática.
A realidade é claríssima, excepto para os néscios por opção: na mesma semana em que se promovia o dito fórum, com alarde mediático, PP e tutti quanti promoviam por sua vez, sem qualquer pudor, e com a ajuda de uns quantos idiotas úteis (no sentido leninista da expressão), a maior operação de branqueamento da ditadura (1974-1990) dos últimos anos, diminuindo, aos olhos do mundo, o significado da transição política e do governo representativo, baseado, naquela tradição que remonta a John Locke, no livre consentimento e no ideal da justiça.
Quereis mais um exemplo eloquente e definitivo?
Basta ver a ansiedade miudinha com que o sr. José Maria Neves e a malta do fórum falam, com aquele ar fingido de superioridade, do MpD e das ideias políticas em Cabo Verde.
O MpD, dizem eles, “não tem” ideias. Não tem políticas alternativas. Logo, não merece governar! E tudo o vento levou…
A coisa é de um cinismo tão grande que chega sinceramente a arrepiar.
Mas é uma acusação leviana e inconsistente. E esconde algo perverso, capcioso, que a oposição, apanhada constantemente na armadilha, não tem sabido, aliás, desmontar. A patranha ganha terreno.
Trata-se, tão-somente, da velha técnica da inversão revolucionária, recorrente e decisiva nos partidos desse perfil ideológico (ver http://www.olavodecarvalho.org/semana/071029dc.html).
Como explica Olavo de Carvalho, citando Brecht, trata-se de “Mentir em prol da verdade”. É o que faz José Maria Neves.
O único partido sem alternativa neste país é precisamente o Paicv, que, desde 1991, foi obrigado a seguir, bem que com certos desvios, a política económica e social gizada pelo MpD.
Da política constitucional à grande viragem estratégica e diplomática, em direcção às democracias ocidentais e ao seu ideário fundamental, liberal e humanista, o PAICV foi, pois, obrigado a aceitar aquilo que nunca quisera durante o partido único, e que aliás combatia com extremado vigor!
A conclusão impõe-se inelutável: a malta do fórum está há 23 anos sem alternativa. 23 anos num deserto de ideias!
Para além disso, o fórum é uma recriação, ainda que desastrada, da “democracia inorgânica”, com o seu lado basista e demagógico, em que uma plêiade de ventríloquos, pagos pelo erário público, se entretêm, na ausência de resultados palpáveis da governação, a traçar cenários do futuro, iludindo, assim, o presente pontuado pelo desemprego, pela insegurança, injustiça e descontrolo das contas públicas, atestado em vários relatórios do FMI, do GAO e do próprio BCV.
Eis a marca da estrela negra: rent-seeking e baixo crescimento económico.
A sua predilecção pela burocracia, a nova “gaiola da servidão”, como notou Weber, deita tudo a perder.
Ergue-se, então, um poder fervoroso e ciclotímico, que tiraniza ao encarnar o mito da “salvação nacional”.
É a crueldade de uma “liderança” que se acha acima do povo e das pessoas comuns, e por isso não presta contas nem se responsabiliza pelas metas não cumpridas nestes 13 anos de (des)governo.
O povo vive dias de incerteza? Pior para o povo!
O sr. José Maria Neves está eufórico, é inimputável e tem uma ministra das finanças especialista em atacar o contribuinte, sempre com os seus “projectos” que só aumentam a dívida pública e fortalecem o Leviathan, esse monstro de mil cabeças e apetites.
O consumo de bens básicos (água, electricidade, telefone, etc.) é onerado com taxas crescentes do IVA.
Na cabeça do revolucionário, que por definição é um ser alucinado, o presente e o sofrimento dos homens não contam. Escutai!
O que interessa é o futuro, em nome do qual se apagam os compromissos, as leis, a palavra dada e o procedimento democrático normal.
O futuro é tudo. E é nada. A cabeça dessa gente é dominada pela tola ditadura da vontade.
Essa malta julga que o mundo gira ao sabor das suas doces palavras, como Humpty Dumpty no romance de Lewis Carroll: “Quando eu uso uma palavra, ela significa o que eu quiser que ela signifique”.
Nos céus deste Atlântico médio tilinta, vigorosa, a chantagem de um partido enredado nas suas próprias contradições.
Tristes trópicos!
P.S.: Não deixem de ler, no Expresso online, o instrutivo artigo da sra. Dulce Lush Ferreira Lima, acerca da perigosa experimentação, levada a cabo pelo Ministério da Educação, do bilinguismo no ensino básico pátrio, forçando, à revelia do Parlamento e da lei, e sem critérios rigorosos de avaliação, a concretização de um “projecto” sociolinguístico cujas consequências ninguém conhece ao certo. L’État, c’est moi!