Seychelles, um exemplo de sucesso crioulo (parte II)

PorExpresso das Ilhas,21 jul 2014 0:00

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Em 1976 chega à independência o mais pequeno país de África; a população vive ao nível da subsistência; o país tem um território exíguo e espalhado por mais de 100 ilhas; tem falta de mão-de-obra e é remoto. O turismo é eleito como o vector estratégico. O rumo é mantido apesar do golpe de estado em 1977 que levou ao poder o ditador France-Albert René, um advogado educado em Inglaterra e formado em Oxford e continua após a transição para a democracia em 1993; e em 1997 conseguem banir a pobreza; hoje possuem um PIB per capita medido pelo paridade de poder de compra (PPC) superior ao de Portugal. O salário mínimo são 410 dólares; o vencimento de um jovem recém-formado nos hotéis é de 700 dólares. O desemprego situa-se nos 1%. Este país africano, crioulo e arquipelágico chama-se Seychelles (SY).

Vamos então actualizar a sabatina que fizemos no ano passado nas crónicas “Crioulos africanos de sucesso”. Visto que quando falo das SY, o pessoal por cá reage sempre com a questão das chuvas abundantes e paisagens verdejantes, irei incluir desta vez os nossos irmãos crioulos de São Tomé e Príncipe que possuem essas mesmas “riquezas naturais” das Seychelles. Comecemos como sempre pela economia.

A primeira constatação é que o fosso entre as SY e CV aumentou: em 2012 os crioulos seychellois eram 6,3 vezes mais ricos (e produtivos) do que nós, mas em 2013 a diferença aumentou para 7,1 vezes. Não admira, as SY estão a crescer a uns saudáveis 3,5% enquanto CV se ficou por uns anémicos 1%. 

Nas SY mais de 90% dos turistas são europeus, a frota de pesca que paga licenças e descarrega pescado no porto da capital é maioritariamente europeia, as exportações de pescado são na maioria para a Europa ou seja, a economia desse país crioulo do Índico está ancorada, façam coro comigo, na Europa! Por cá o discurso oficial, secundado por relatórios do FMI e do BAD, justifica os maus resultados da economia verdiana com a recessão dos nossos parceiros comerciais europeus. Como explicar então o sucesso seychellois?!

Vamos continuar a procurar as explicações para este fenómeno crioulo africano, com base na nossa visita.

Foco no turismo de qualidade em ilhas de 5 estrelas – todos os Pequenos Países Insulares (PPI) que se desenvolveram tiveram no turismo a âncora fundamental. As SY não são excepção e fizeram o raciocínio básico: as ilhas pequenas não têm mercado e são normalmente atractivas e exóticas, por serem isso mesmo, ilhas; o turismo traz-lhes o mercado que não possuem e que lhes permite exportar bens e serviços no próprio país. CV levou quase duas décadas a começar a perceber isso, mas optou por repetir os erros cometidos nas Canárias e outras paragens, abrindo a porta ao turismo de massas em ilhas sem população, resultando em guetos de turistas em regime all inclusive a curta distância de bairros de barracas. As SY fizeram precisamente o contrário há 38 anos – apostaram num inclusivo turismo de luxo onde tudo concorre para que os turistas saiam dos hotéis e contribuam para a economia local.

As SY são o quarto país mais dependente de turismo do mundo, a seguir a Macau, Maldivas e Aruba. Mas vão continuar a apostar no turismo como a principal âncora da economia. Em CV já estamos preocupados com a nossa dependência do turismo, quando devíamos estar sim preocupados com a dependência do tipo de turismo que temos.

“Não chega ter hotéis de 5 estrelas, as ilhas têm que ser 5 estrelas”, disse-nos o ministro do turismo St.Ange. Para isso as SY investiram desde a independência na preservação ambiental –cerca de 47% do território e 228 km2 de oceano estão sob algum tipo de protecção. É proibido construir nas encostas e a solução tem sido conquistar terrenos ao mar para criar terraplenos industriais e ilhas artificiais para resorts - vejam esta maravilha mesmo à frente da capital com centro comercial e restaurantes abertos ao público e onde almoçamos (www.edenisland.sc). Em CV destruímos praias e vulcões como os do Calhau, um património natural geológico e turístico, tudo porque somos demagogicamente incapazes de fazer cumprir leis. Não vimos populismo nas SY e a palavra coitado tão usada para justificar todos os nossos atropelos, não parece constar do léxico do crioulo seychellois. A lei é para todos e para ser cumprida, à boa maneira britânica. Para manter a ordem num país onde todos são parentes, foram contratar polícias ao Nepal; para quem não sabe, é no Nepal que desde 1813 a coroa britânica vai recrutar os famosos e temíveis Gurkas, que foram usados em guerras na Índia, na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, na Malásia, na Indonésia e mais recentemente numa decisiva participação na guerra das Malvinas onde foram apelidados pelos argentinos de “terríveis selvagens”.

“Uma vez a polícia ligou-me às 6h da manhã porque estavam 2 turistas a dormir na rua; fui lá e estavam as mochilas com câmaras fotográficas intactas” – essa é a forma como St.Ange nos ilustrou a importância que dão à segurança nas Seychelles. Por essas e por outras razões conseguem ter hotéis que cobram 5.000 euros/noite. Quanto cobra o hotel mais caro de CV, um país onde os turistas são assediados por vendedores ambulantes estrangeiros?

Nenhum ser humano precisa de vistos para ir às SY (contrariamente à notícia divulgada em CV, o protocolo assinado visou permitir aos seychellois virem a CV sem vistos); mais uma diferença nas opções estratégicas: CV tem a opção rentista de cobrar vistos aos turistas; as SY preferem deixar os turistas entrar e ganhar através da economia real.

Integração regional e ancoragem. Livre circulação? No, thanks! As SY, à semelhança das vizinhas Maurícias, nunca permitiram a livre circulação de pessoas com os países vizinhos. Como recompensa, todos os cidadãos crioulos dessas ilhas podem entrar sem vistos no espaço europeu e lá permanecer até 3 meses, apesar de quase não terem diáspora. Fruto das nossas prioridades ideológicas e políticas, os cabo-verdianos têm o contrário: livre circulação nos países da CEDEAO, para onde ninguém quer ir nem de passagem, nem de férias e muito menos enviar os filhos para estudarem, mas somos barrados de entrar livremente numa Europa onde temos dezenas de milhares de parentes que durante gerações ajudaram a construir essa mesma Europa e em cujas universidades a nossa classe política estudou e manda estudar os seus filhos. Opções…

A lei é para os turistas cumprirem também - o pessoal do STB contou-nos que uma vez 2 turistas alemães não compareceram no aeroporto para apanharem o voo. Foi organizada uma autêntica caça ao homem, com as suas fotos exibidas na televisão. Não esqueçamos que a Alemanha é o segundo maior mercado emissor de turistas das SY, a seguir à França. Um elemento da nossa comitiva presidencial contou-me que lhes falaram de um outro incidente do tipo com turistas americanos, que foram levados para o aeroporto para lá esperarem o próximo voo! 

É possível a obtenção da nacionalidade seychellois via casamento com um nacional, mas só após 8 anos a viver sob intenso escrutínio numas ilhas pequenas onde toda a gente sabe o que o outro faz. Ninguém vai à procura de trabalho nas SY. Só entra quem tem contrato. Se precisam de 100 trabalhadores, o 101 não entra. E quando acaba o contrato, os 100 regressam ao país de origem. E são precisos 10 anos de trabalho ininterrupto para uma candidatura a nacionalidade.

Não vimos vendedores ambulantes de nenhum tipo e ninguém a pedir dinheiro. Os crioulos seychellois, que falam inglês e francês, parecem preferir a expressão the rule of law, ao invés do laissez faire laissez passer.

Preservação da identidade cultural - nota-se um esforço enorme na preservação cultural; a gastronomia local é valorizada e denominada de crioula; não são permitidas cadeias de fast-food estrangeiras. Os seychellois vivem nas mesmas casas coloniais dos seus antepassados, cuidadosamente mantidas e restauradas; o prédio mais alto que vimos tem 4 andares e situa-se num terrapleno conquistado ao mar; quando querem ver prédios fazem 4h de avião até o Dubai, as mesmas 4h que nos separam de Fortaleza. A capital Victoria fez-me lembrar a cidade do Funchal na ilha da Madeira e em termos de preservação lembrou-me Angra do Heroísmo nos Açores, só para citar dois excelentes exemplos arquipelágicos que falam português. E eu a recordar-me da minha infância repartida entre as bonitas (na altura) Mindelo, Praia, Assomada e Ribeira Brava, e de como temos sido daninhos com o património que herdamos. Perguntas: qual a identidade cabo-verdiana que existe em Santa Maria, o nosso cartão postal turístico? O que leva um turista a pensar que está em CV quando entra nos grandes hotéis do Sal ou da Boavista?

“Protegemos a nossa população, porque foi ela que nos ajudou quando nos anos 70/80 fizemos esta aposta no turismo” (ministro St.Ange). Em todos os sectores da economia, os pequenos negócios são reservados aos nacionais e a população tem instruções para denunciar caso vejam estrangeiros a exercerem negócios que lhes são vedados (alguém da nossa comitiva comentou que em CV até no comércio informal já há chineses, a juntar aos patrícios da CEDEAO).

Hotéis até 15 quartos são só para investidores nacionais; parcerias com nacionais são permitidas, mas investimento 100% externo só a partir de 25 quartos. Apoios financeiros aos empresários nacionais pelo Development Bank of Seychelles vão desde a bonificação de 50% dos juros até poderem apresentar apenas 10% de autofinanciamento. As pequenas unidades hoteleiras são incentivadas e já constituem a esmagadora maioria. Os nacionais são encorajados a desenvolver o turismo residencial em suas casas, sendo-lhes facultada formação e certificação no âmbito de um programa denominado Seychelles Secrets; o prémio é terem direito a anunciar o seu estabelecimento no site oficial da STB. Tudo isto debaixo de uma estratégia denominada Affordable Seychelles, que visa democratizar mais o destino e permitir maiores ganhos para a população, sem deixar de apostar na qualidade.

Para nós até um pescador artesanal é um agente do turismo”, mais uma extraordinária e inesquecível frase do ministro seychellois. A população retribui defendendo o turismo, até porque cada agregado familiar tem 3-4 pessoas que trabalham no sector. Devo dizer que nunca estive num país em que os empregados dos hotéis sorriem de forma tão natural, espontânea e amiga aos turistas. Nada do plástico sorriso comercial dos hotéis europeus, nem da ausência de sorriso nos nossos hotéis.

Actualizemos mais um quadro da nossa sabatina, importante para os descrentes no desenvolvimento humano via turismo. (dados do PNUD 2012)

Como já tinha referido no ano passado, as Seychelles são o único país africano que figura na lista dos very high human development, salvando a honra de um continente cheio de potencialidades, mas continuamente adiado.

Continuaremos a nossa sabatina na próxima crónica, onde abordaremos as opções de investimento externo versus ajuda externa, os mitos da viabilidade das ilhas, das paisagens, das infra-estruturas, da agricultura, etc., que este pequeno país tomba-mitos deita por terra.

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Autoria:Expresso das Ilhas,21 jul 2014 0:00

Editado porRendy Santos  em  21 jul 2014 10:17

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