Uma nova análise e contribuição para o debate sobre a Taxa da RTC

PorExpresso das Ilhas,16 nov 2014 0:00

Desde que foi instituída a Taxa da Radio em 1988, transformada mais tarde (1997) em Taxa RTC (radio+tv) ela tem sido motivo de controvérsia. Ciclicamente a problemática volta à actualidade, mas nunca se abordou até hoje os efeitos colaterais que se têm gerado sobretudo a partir de 1999 quando teve início o aparecimento das chamadas rádios privadas. Até agora não se debateu como são utilizados os elevados montantes arrecadados, ou então como deverá ser encarada a utilização daqueles recursos como instrumento de política para o sector da CS no seu todo… a problemática da Inforpress é neste momento um exemplo, porque com a «fusão» vai, mesmo que indirectamente, beneficiar da «taxa»! Para começar uma análise desta complexa questão propomos uma visão de como surgiu a taxa, os seus efeitos em Cabo Verde, o que tem sido feito em outras paragens… e os efeitos colaterais que transformaram as rádios em simples «figuras decorativas da democracia». A festejada «liberdade de imprensa» é uma máscara que esconde uma realidade bem diferente… 

A história da Taxa da Radio é tão velha como a própria radio! No Reino Unido, foi criada em 1922 e a Taxa da Televisão data de 1946! Em França foi instituída pela lei de 31 de Maio de 1933, em Portugal desde cedo o regime de Salazar instituiu o Imposto sobre os possuidores de aparelhos receptores de telefonia, cuja receita cobrada pelos CTT (Correios Telégrafos e Telefones) na Metrópole e no Ultramar revertia para a Emissora Nacional. O Decreto n.º 41.486, de 30 de Setembro de 1957, que estabelecia o montante a ser pago, só foi actualizado em 1975 pelo DL 87/75 de 27 de Fevereiro. Como justificação para o aumento este decreto considera “ (…) a exiguidade de uma taxa anual de 100$00, pagável de uma só vez ou semestralmente, a qual vigora desde há trinta anos (…).” E assim, foi aumentado o valor daquela taxa para 150$00, para “fazer face ao desequilíbrio da situação financeira da Emissora Nacional. Note-se que se pagava pela posse do aparelho receptor! Em Cabo Verde também se pagou essa taxa até 1974 o que era motivo de crítica pois não revertia para as rádios instaladas no arquipélago, mas, atenção, o Governo da Província, dava nos anos 1960 um subsídio, cito de memória, de 75 contos à Radio Barlavento, um pouco mais à Radio Clube de Cabo Verde e cerca de 30 contos à Radio Clube Mindelo.

Com a tomada da Radio Barlavento em Dezembro de 1975 finalizou a bela aventura da radio privada em Cabo Verde, as rádios passaram a ser dirigidas pelo PAIGC e a funcionar à base de «militância». A publicidade foi suspensa (porque contrariava os princípios da revolução), as (magras) receitas advinham da prestação de alguns serviços e o «Partido» suportava as exigências/despesas mais prementes. O conceito que a partir de então se enraíza no seio da sociedade é que a rádio (CS em geral) é uma obrigação do Estado!

Logo depois da Independência Nacional, em Setembro de 1975 o Estado de Cabo Verde assumiu as despesas da então criada Emissora Oficial de Cabo Verde (salários e funcionamento) e o pessoal passa a integrar o Quadro da Função Publica. Em 1984 foi criada a RNCV e são integradas no seu seio a RVSV e Retransmissora do Sal. Note-se que a filosofia do financiamento da rádio naquela época é a logica de um Orçamento do Estado: pagam-se os salários, despesas a conta-gotas e os investimentos contam apenas com a boa vontade da cooperação internacional. A partir de 1978 a publicidade é «absolvida» com a publicação de uma Portaria. Mas, administrativamente a publicidade foi circunscrita a uma hora de programa matinal e o seu peso no orçamento é diminuto, porque num quadro de economia centralizada a publicidade passou a ser apenas de imagem das empresas públicas! É neste quadro que a Taxa da Radio é ressuscitada em 1988 (através de Portaria) tendo como justificativa a experiencia de vários países, a França em particular que tinha introduzido a inovação de o pagamento da «taxa» não ser pela posse do aparelho receptor, mas sim por todos aqueles que tenham um contador de electricidade! Quanto à televisão, foi também instituída na mesma época uma taxa, muito mais cara do que a da rádio mas no velho sistema, ou seja, por posse de um receptor TV, a cobrança era feita directamente pela TNCV.

Este sistema de taxas, embora com alguma contestação, ajuda no financiamento da radio e TV nos anos que seguem, passa sem problemas pelo marco que foi 1991… Até que em 1997, (devido a problemas vários que não vale a pena analisar agora) se cria da RTC (fusão da radio e televisão numa só empresa). Cria-se de imediato a Taxa RTC pelo Decreto Regulamentar nº8/97 de 26 de Maio. Note-se esta taxa é grosso modo a junção das antigas taxas da radio e televisão que se pagava até então e que muitos possuidores de receptor TV fugiam ao seu pagamento. Nesta nova realidade como o número de contadores aumentou substancialmente devido à extensão da rede eléctrica verificada desde a década de 1990 os valores arrecadados aumentaram astronomicamente!

Chegados aqui, qual é o busílis da questão? Note-se, nos países onde se paga a taxa da radio (França, Reino Unido, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Portugal, etc.) a lei impede as empresas públicas de radiodifusão que dela beneficiam de emitir publicidade comercial. Ou seja, as empresas de radio financiadas pelo Estado estão limitadas à publicidade de interesse público! A Emissora Nacional nunca emitiu publicidade comercial, a RDP também não emite até hoje publicidade comercial. Em França a RFI, France Inter, France Culture, France Musique etc. que são do Estado, não emitem publicidade comercial. Quem quiser comprovar que ouça a RFI agora mesmo, ou a RDP África. E nas estações públicas de televisão há limites para o tempo de difusão da publicidade comercial. 

Ora, em Cabo Verde, a «taxa da radio» foi criada no tempo do «monopólio», logo, não havia preocupação nenhuma em se regular o mercado, melhor, o mercado pertencia no seu todo à RNCV e TNCV! Mais tarde com a real abertura das ondas a partir de 1999 esta questão nunca foi até hoje, nem acautelada, nem debatida. A título de exemplo e comparação, vejamos o que se passa em França, país que nos tem servido de exemplo: O Estado “na qualidade de accionista do sector público (…) do audiovisual, atribui um Orçamento a cada organismo do sector público. (…) O Estado apoia igualmente as actividades não lucrativas do sector privado (…) ” e existem “apoios públicos destinados e favorecer o pluralismo e a criação audiovisual”. E para que as regras de jogo da democracia e pluralismo não sejam falseadas (manipuladas por força política ou económica) o “Estado apoia igualmente as actividades do sector privado, não lucrativas” leia-se «serviço público»! Estes e outros dados podem ser consultados no site http://www.vie-publique.fr/politiques-publiques/politique-audiovisuel/financement/. No site da RFI (http://www1.rfi.fr/talentplusfr/articles/066/article_260.asp) no capítulo Radio e Serviço Público, pode-se ler “ no que diz respeito a financiamento e despesas, a radio de serviço público é responsável perante os legítimos representantes do público (…). O Orçamento, sua utilização e afectação passam em geral perante o parlamento e suas comissões especializadas.” Quanto à publicidade diz “ (…) são na maior parte das vezes, institucionais, provenientes de instituições públicas, colectividades locais ou grupos de interesse ” e há o princípio: “uma rádio de serviço público não tem que ser rentável. A sua missão não é fazer lucros, portanto fora de questão, uma corrida à publicidade.”. 

Em Cabo Verde, todo o problema da «taxa» só se coloca efectivamente a partir de 1999, depois da publicação da Lei da Radiodifusão (1998) e a Lei da TV. É que nestas leis, ninguém se lembrou do «mercado» e da nova realidade que emergia desde 1991, nem das regras de jogo neste sector. Gerou-se então, um sistema que virá a ter consequências no financiamento /funcionamento da CS no seu todo pois a concorrência não regulada acabou por descambar, na venda de publicidade e outros produtos abaixo do custo de produção/emissão, concorrência desleal da parte das empresas do Estado, dumping e outros quejandos. Sem recursos as rádios privadas ou definham e entram em colapso financeiro, ou então recorrem a outras fontes de financiamento ligadas a outras actividades nas quais a venda de publicidade é apenas um complemento! E muitas vezes essas outras actividades advêm do contorno à lei que proíbe a posse de órgãos de CS pelos partidos, confissões religiosas, autarquias etc. etc. mesmo que por pessoa interposta. Chegou-se à situação caricata de haver de entidades que compram em regime exclusivo, horas e horas de antena numa estação privada e beneficiam da emissão gratuita na rádio pública no quadro dos princípios de uma Lei que foi concebida em 1990 quando vigorava o monopólio! A realidade audiovisual fora da radio publica é confrangedora, com o predomínio da baixa qualidade (e até mau gosto) em termos de produção/programação (conteúdos) porque não se pode contratar pessoal qualificado e em numero minimamente suficiente porque faltam recursos. A utilização plena do crioulo, animações vazias de conteúdo, e a transmissão de música e mais música, deu uma sensação de progresso que na verdade não existe… Está à vista de todos, aos ouvidos de todos.  

A situação que temos vindo a descrever é referida no Plano Estratégico da CS publicado no BO nº 41, I Série, 12 de Agosto de 2013 que diz, pág. 1042 “a ausência de receitas e financiamentos/custos tem condicionado o desenvolvimento das rádios comerciais bem como algumas rádios comunitárias. O mercado publicitário e de anúncios é actualmente a principal fonte de todas as rádios. Contudo devido à oferta de outros canais de publicidade, essas receitas quando existem, não são suficientes para suportarem os custos de funcionamento.” No entanto dos 8 objectivos (estratégicos) propostos para concretizar dentro da legislatura (pág. 1050) apenas dois dizem respeito directamente ao sector privado. Um é o apoio às PME “através da cooperação internacional”. Outro objectivo a Capacitação de Recursos Humanos é um ciclo vicioso face à situação reinante: capacitam-se os profissionais, mas não se tem dinheiro para os pagar! Logo persiste e vai persistir a má qualidade! Outras medidas agendadas como “incentivos ao sector privado”, ou então “monitorizar as variações de preços nos meios de comunicação social do Estado face aos privados tendo em conta a subsidiação da RTC pelo Estado” e muitas outras medidas, ainda esperam para ser implementadas. Aliás, na página 1033 do referido documento fala-se em “possibilidade de um quadro de incentivos à comunicação social privada.” Note-se: «possibilidade»!

Deste quadro descrito depreende-se que durante muito e muitos anos não houve uma análise clara e objectiva da realidade audiovisual. Temos sido traídos pelo sistema legal instaurado em 1990 que se apoiou sobre a realidade de «monopólio» que viria a cair pouco depois, mas cuja sombra (conceitos arreigados) continua presente e tem impedido uma visão mais clara e objectiva em face da realidade: democracia e pluralismo. Esta sombra paira a vários níveis em muita legislação, muitas entretanto revistas, mas que lá no fundo padecem deste mal. E assim há anos que se esperam de tomadas de decisões e mudanças. Que poderá fazer a tão falada regulação neste quadro? Até lá, a realidade continua a ser de uma empresa gigante, segundo dados de 2010, com um orçamento anual que ascende a mais de 267 mil contos (taxa + subsídio do Estado) sem contar as receitas… e empresas anãs e raquíticas (sem expressão) com orçamentos anuais, que no melhor dos casos, não ultrapassam os 8 mil contos anuais!  

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Autoria:Expresso das Ilhas,16 nov 2014 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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