O Homem é indubitavelmente um ser metafísico, um animal de signos.
Um criador de mundos, que a sua imaginação prodigiosa e a sua sede do infinito não param de sustentar e retroalimentar. Esta é a origem, aliás, da nossa grandeza e da nossa miséria. Simultaneamente.
Mas, apesar de tudo, ele vive numa encruzilhada, limitado pelas forças “cegas” da Natureza, que tenta dominar a todo o custo, aplacando a sua fúria e obtendo, enfim, os seus benefícios.
No princípio, fê-lo através da Magia e de certos rituais bem estudados e dissecados pela Antropologia cultural; depois, e já muito mais tarde, através da Ciência, essa glória matematizante de Descartes e Galileu, cuja pretensão de certeza não acalmou, contudo, o nosso espírito, não obstante os imensos benefícios materiais que nos trouxe, seja na medicina, seja nas telecomunicações ou na agricultura.
A Ciência é apenas a continuação da humana ilusão por outras vias, e tem sido um poderoso mecanismo de opressão nas mãos de déspotas e tiranos de toda a espécie.
Com razão, os Pink Floyd, embalados pela guitarra pensativa de David Gilmour, exigiram o fim da falsa propaganda, do controlo totalitário das consciências: /We don’t need no education/We don’t need no thought control/.
Continuamos inquietos, ignorantes, tristemente desamparados.
Criámos, é certo, Mitos e Artefactos tecnológicos, soluções para tudo, mas fomos incapazes, apesar da afluência, de resolver o nosso problema essencial, que é a procura do Sentido; temos sido criativos, porém fúteis.
Ou seja, ainda estamos, quem diria, no grau zero da existência.
Ricos e pobres ao mesmo tempo. Fomos à Lua, mas ainda não alcançamos o Céu.
Desarmados como no princípio…
Quisemos ser Humanos, reconhecidos e respeitados na nossa dignidade e, por isso, escrevemos Declarações de Direitos e Constituições, por vezes com uma forte carga utópica, recriando, em boa medida, a mítica Cidade Perfeita.
Mas eis que já somos, nesta era da manipulação genética, Pós-Humanos!, como bem salientou Fukuyama, num livro que retrata bem a nossa falta de coerência. O que queremos afinal? A “perfeição” do RoboCop?
O “desejo de consolação”, de que nos fala o filósofo inglês Roger Scruton, permanece tão forte quanto antes, com o seu profundo sentido religioso, mesmo nestes dias de suposta descrença e rituais pós-modernos.
A correria do quotidiano é o sinal do nosso desassossego, feito de velocidade, tatuagens sem fim e cultura light.
Isto é que levou Albert Camus, se bem julgo, a falar no seu tempo do “absurdo”.
O vulcão do Fogo voltou a revelar, no pretérito dia 23 de Novembro, a nossa fraqueza.
A força das lavas, no meio de um espectáculo de luz e sons apocalípticos, tudo arrastou à sua frente. Destruindo casas, hotéis, currais, edifícios públicos, igrejas, sonhos, escolas e campos agrícolas. Nem a sede do parque natural do Fogo, financiada pela cooperação alemã, foi poupada.
O impacto socioeconómico do fenómeno eruptivo é tremendo. E tende a agravar-se, com o passar dos dias.
Nada será como dantes nessa altiva povoação de Chã das Caldeiras, onde se produzia o melhor vinho de Cabo Verde e se podia repousar, fugindo do caos urbano, numa atmosfera pitoresca e incrivelmente bela.
A “villa” de Portela parece agora um vasto cemitério, cujo casario, rodeado por um material negro e espesso, será apenas, dentro de poucos anos, procurado por curiosos e nostálgicos em busca de respostas, recordando, inconformados, esse como que miltoniano “paraíso perdido”.
O Governo de Cabo Verde também não saiu ileso dos acontecimentos, dando mostras de uma impreparação que toca a esfera do ridículo.
No fim das contas, vimos que a famosa “agenda de transformação”, tão repetida pelos asseclas e amigos do rei, não passa afinal de uma simples fantochada, um truque político de algibeira, de um Governo que gastou milhões de contos dos contribuintes cabo-verdianos e só soube apresentar, no “deve e haver” do sagrado balanço público, resultados pífios e miseráveis.
O rei vai nu. E todos já o viram. O país vive numa situação de dependência e não consegue socorrer o seu próprio povo em momentos de aflição. Foi um Deus nos acuda.
A malta, diga o que disser, está avacalhada! Descarrilada no eterno vai-e-vem entre os interesses da clientela e a propaganda circular.
O sr. José Maria Neves, por momentos, esqueceu que é o Primeiro-Ministro deste país. Ao menos institucionalmente…
Falava como um “soba” qualquer, pensando, dir-se-ia, que isto aqui é a casa da Joana, onde o Estado e os princípios foram substituídos pelo querer de um reizinho incontestável.
Numa das entrevistas, transmitida pela TCV, quase mandou calar a jornalista, que se submeteu, docemente, aos comandos do Chefe! O subdesenvolvimento tem dessas coisas. Mas não é tudo.
As autoridades “competentes” não escutaram os avisos. Desde Março de 2014 que já se previa o pior; havia relatórios técnicos nesse sentido.
O geólogo Mota Gomes foi muito claro: “…é preciso ter cautela e fazer um seguimento contínuo da erupção vulcânica. Já alertei para isso. Há cerca de dois, três meses que já se falava disso, mas toda a gente tinha medo de dizer ‘vem aí uma erupção’”.
A nossa dita Protecção Civil só actua a posteriori, perante o facto consumado. Que coisa mais triste.
A população, apanhada de surpresa, fugia desesperada. Vimo-lo nos media.
Não havia máscaras de protecção, planos de evacuação, nada.
Cada um fazia o melhor possível, com a ajuda dos amigos e segundo o irrevogável instinto de sobrevivência. O espectáculo foi degradante.
Depois, foi enviada, à pressa, uma equipa de militares à ilha, demorando horas, que nessas circunstâncias é uma eternidade, para lá chegar!
A culpa não é deles, já que não passam, evidentemente, de simples subordinados.
A romaria governamental veio logo a seguir, com pedidos de ajuda internacional pelo meio e agressões físicas típicas de um ambiente de desordem e ineficácia. A liderança não existia.
A ilha do Fogo percebeu, então, que o “amor” de José Neves não lhe mitigou o isolamento nem as fragilidades.
Actos de pilhagem e vandalismo completaram a paisagem, já de si desoladora. Era o retrato perfeito do nosso atraso político. Aquilo parecia o Haiti.
Sidónio Monteiro e Júlio Correia disseram uma ou outra banalidade, e alguns filantropos de última hora aproveitaram o momento para expor a pobreza alheia em prol de benefícios políticos do grupo ou de familiares mais próximos.
Como se a verdadeira caridade não fosse algo nobre, que nunca humilha aquele que recebe.
É impossível impedir uma erupção vulcânica, mas os seus efeitos podem ser mitigados. Há mais de 500 vulcões activos no mundo.
Nos países mais vigilantes, são construídos, por ex., canais artificiais de escoamento das lavas.
Aposta-se no correcto ordenamento do território, tendo em conta a história eruptiva do vulcão e a opinião dos técnicos da área.
Nós, pelo contrário, andámos a dormir à sombra da bananeira. Agora, o preço a pagar é muito alto.
Vamos continuar a ouvir as estórias da carochinha, e o nosso dr. Pangloss continuará a dissertar sobre as virtudes da sua “agenda de transformação”.
Aposto que irá abrir o próximo ano lectivo com uma aula magna na Uni-CV sobre vulcanologia!