Naufrágio de “Vicente” deixa o país de luto

PorExpresso das Ilhas,19 jan 2015 18:22

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O país está sem dúvida de luto, embora o Governo de José Maria Neves continue, teimosamente, a ignorar este facto. As rádios e as televisões continuam a passar músicas de género como funaná e outro, como se este arquipélago estivesse em festa. A bandeira nacional encontra-se hasteada, normalmente, quando devia-se estar a meia-haste, em sinal de luto, solidariedade e pesar para com as famílias das vítimas, pela hecatombe que assombrou o arquipélago. 

Acabo de assistir este domingo, 11, pela televisão pública a “Grande Reportagem” que narra o acontecimento fatídico da última quinta-feira. Como é do conhecimento público, o navio Vicente da companhia da marinha mercante “Tuninha” afundou-se quinta-feira, 8, à noite, a quatro milhas do cais do Vale dos Cavaleiros na ilha do Fogo, com 26 pessoas a bordo.

Até este momento os resultados deste naufrágio apontam para o resgate de 11 sobreviventes, entre passageiros e tripulantes, três vítimas mortais entre elas uma criança de seis anos, que perdeu a vida nos braços do pai impotente.

Entretanto, à hora do jornal deste domingo, na TCV, e da emissão da “Grande Reportagem”, as buscas para encontrar as 12 pessoas desaparecidas tinham sido suspensas.

É uma situação verdadeiramente dramática, do ponto de vista emocional que, infelizmente, veio pôr a nu a nossa débil capacidade de sistema de segurança marítima, por um lado, mas por outro coloca uma questão, que importa ser esclarecida, o mais breve possível, aos cabo-verdianos e que tem que ver, com a fiscalização do quadro operacional dos nossos navios mercantes, nos portos de Cabo Verde.

Porque senão vejamos: como é possível que um navio saia de um porto, naquelas condições em que o navio “Vicente” zarpou do Porto da Praia para a ilha do Fogo? Tudo indica, a avaliar pelas escassas informações públicas e publicadas, o navio terá deixado o Porto da Praia, com fortes indícios de carga e passageiros que ultrapassavam a sua arqueação. As autoridades marítimas, estas provavelmente ou terão “fechado os olhos” ao capitão do navio “Vicente” ou terão sido ludibriadas. Porque rezam as normas marítimas e aduaneiras que qualquer navio mercante, antes de deixar o porto deve ser, meticulosamente, inspeccionado pelas autoridades marítimas e aduaneiras. O que, decerto, não terá sido feito!

Ora bem, em que consiste este procedimento? Esta é a questão que se coloca, desde logo? Consiste, justamente, em aquilatar se, por um lado, as mercadorias declaradas no Manifesto de Carga correspondem àquelas que se encontram na embarcação; mas também se elas estão conforme a capacidade de carga do navio.

O mesmo acontece com os passageiros, que devem constar de uma lista emitida pela agência do navio, com a fiscalização prévia e rigorosa da autoridade marítima. Neste caso, diz a lei, qualquer passageiro que não conste da lista, está perante uma situação ilegal e quando transportado, nestas condições, e, com a anuência do capitão (a maior autoridade a bordo), este é, sem dúvida, o único responsável.

Os serviços aduaneiros são também chamados a intervir, no processo de desembaraço de navios mercantes. É que, para fins estatísticos e de fiscalização cabem às alfândegas fazerem, internamente, o controlo de circulação das mercadorias através da chamada Guia de Circulação Interna. Ou seja, normalmente, essas mercadorias são livres de direitos aduaneiros, mas precisam de transitar para outras ilhas e, como é óbvio, estão sujeitas ao controlo até ao destino. Mas atenção! É que às vezes, juntamente com as chamadas cargas livres, os navios também transportam cargas cativas. Ou seja, mercadorias sujeitas ao pagamento de impostos alfandegários, na estância aduaneiro do destino.  

Deste modo, uma vez cumpridas as formalidades legais, muito dificilmente se depara com situações do género das que aconteceram com o “Vicente”, no passado dia 8 de Janeiro.

Embora não se conheça os resultados do relatório de inquérito mandado fazer pelo Governo, e, a acreditar nos testemunhos virulentos e chocantes dos sobreviventes, do ponto de vista emocional, terá havido, seguramente, a incúria humana.

Na Grande Reportagem da TCV, que referia há pouco, emitida, logo depois do Jornal de Domingo, 11, com Marco Rocha, um dos náufragos resgatados que, por sinal, é também tripulante do navio Vicente fez o relato comovente de como tudo aconteceu. Uma narrativa, de resto, corroborada pelos restantes colegas que partilharam connosco os momentos dolorosos e angustiados do naufrágio. Uma história que me faz lembrar o fatídico dia 15 de Abril de 1912 – o afundamento do majestoso transatlântico Titanic- nas águas gélidas do Atlântico.  

O narrador-sobrevivente conta que, ainda, no Porto da Praia chamou a atenção quer do armador, quer do capitão para o excesso de carga e passageiros no navio “Vicente”. Mas estes, pura e simplesmente, o ignoram e acharam-no, igualmente, idiota porque com o alerta que fez, estava a pôr em causa os interesses económico-financeiros da Companhia Tuninha.

Portanto, este acidente convoca-nos a reflectir sobre o sistema de segurança marítima em Cabo Verde; o sistema de regulação dos transportes marítimos; que quadro legal para o sector; mas acima de tudo uma questão que se impõe: estará o nosso sistema de fiscalização à altura de responder os níveis de exigência que requer o sector da marinha mercante, numa altura em que tanto se fala de Cluster do Mar? Não estaremos a colocar, neste particular, a caroça a frente dos bois?

Ficam, para já, estas questões sendo certo que o Governo e as autoridades competentes, quer marítimas, quer judiciais saberão tomar conta deste triste e lamentável acidente que, neste início do ano, deixa o país sem dúvida enlutado.

Às famílias que perderam os seus entes queridos, as minhas mais sentidas condolências!

Aos sobreviventes espero que, neste momento, estejam a receber do Governo, o necessário apoio psicológico, para que a imagem dramática da fatídica noite de 8 de Janeiro de 2015 possa desvanecer das suas mentes. O que não vai ser fácil!

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Autoria:Expresso das Ilhas,19 jan 2015 18:22

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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