Não me peçam para calar se o meu povo é injuriado, enquanto quem tem responsabilidades e devia intervir prefere refugiar-se no comodismo do silêncio.
Até esta, não tinha opinado sobre a intervenção policial ocorrida no bairro da Cova da Moura, no passado dia 5 de Fevereiro, porque nos dias subsequentes ao acontecido estava fora de Lisboa o que impediu de me inteirar dos factos de forma directa e poder opinar com toda a propriedade.
Durante esses dias, tomado por uma grande angústia por não poder estar perto da minha comunidade numa hora de aflição, vi-me forçado a acompanhar o caso pela comunicação social e por alguns contactos que fui fazendo à distância.
Contudo, ontem pude estar no bairro da Cova da Moura e recolher relatos de pessoas que considero idóneas. Os dados recolhidos, cruzados com outros que já detinha, permitiram-me concluir que, uma vez mais, a nossa comunidade foi vítima das vicissitudes de morar num bairro rotulado de “problemático” em que, por regra, todos os seus moradores são tomados por “fora da lei” e agentes do mundo do crime o que, em boa verdade, está muito distante da realidade.
Basta estar nos acessos a este bairro para se ver o fluxo de homens e mulheres que, logo pela manhãzinha, saem do bairro em direcção ao trabalho para ganharem o seu sustento e não poucas vezes sob a exploração por parte de um patronato sem escrúpulos. Estou em crer que seria suficiente para deitar abaixo esta percepção preconceituosa que vem tomando uma parte pelo todo.
Mas, retomando a questão da intervenção policial, sem entrar em grandes detalhes, devo dizer que é minha convicção que houve uso excessivo e abusivo da força por parte da PSP que descambou em outros erros subsequentes na tentativa de remediar o primeiro.
É bom que se note que esta não é a primeira vez que tal acontece. Desta vez a PSP teve o azar de tocar em jovens que são referências em Cova da Moura e monitores da Associação Moinho da Juventude que vem desenvolvendo um meritório trabalho neste bairro, tirando espaço à PSP de qualquer tentativa de colagem destes jovens ao mundo da delinquência como álibi para a sustentação da sua desastrosa intervenção.
Perante estes factos, a pergunta que se impõe é a seguinte: qual é a posição das autoridades cabo-verdianas, nomeadamente da Sra. Ministra das Comunidades, do Sr. Ministro das Relações Exteriores, da nossa embaixada em Portugal e da Sra. Embaixadora Madalena Neves?
Independentemente do lado onde mora a razão, a nossa embaixada perante mais este caso não pode meter a cabeça na areia e fingir que não aconteceu nada, como tem sido o seu hábito.
Aqui chegado, devemos recordar os casos das demolições de casas de cabo-verdianos em Santa Filomena, Amadora e em Vila Maria, Setúbal, em que os nossos conterrâneos foram vilipendiados, humilhados e tratados como se animais fossem e a nossa representação diplomática se pautou pela ausência e silêncio, escudando-se na necessária discrição diplomática que o tratamento destes casos requer.
Este último é um caso de Justiça, sim, mas que a nossa embaixada tem por obrigação de seguir de muito perto, dando um sinal claro à nossa comunidade de que a Nação zela por ela.
O sentimento dos moradores da Cova da Moura é que alguns polícias cometem abusos no bairro todos os dias porque já deram conta que estão perante uma comunidade abandonada à sua sorte, sabendo que podem cometer as atrocidades que quiserem e que ficarão impunes.
As autoridades de uma nação que se preze não podem abandonar o seu povo e permitir que seja destratado gratuitamente. E é bom lembrar que estes emigrantes da Cova da Moura, também, enviam bidões com ajudas para os familiares desempregados em Cabo Verde, que são estes que também contribuem no envio das remessas, por isso o governo de Cabo Verde não pode fechar os olhos a um problema que está a agudizar-se e se tem reflectido negativamente na moral destes emigrantes e na imagem de Cabo Verde.
O problema da Cova da Moura é claro, um problema de integração que se reproduz em vários outros bairros semelhantes de Portugal e por culpa tanto das autoridades portuguesas, como das cabo-verdianas, que até agora não conseguiram sintonizar as ideias para juntas trabalharem nesta problemática.
Uma nota final para referir que nestes bairros a polícia deixou de ser tida como um parceiro e como um defensor e passou a ser vista quase que como um inimigo, e da parte da polícia sente-se que existe um sentimento menos bom para com os moradores destes bairros. Portanto, está quebrado o laço entre os moradores destes bairros e a polícia e estamos perante um ambiente crispado e tenso que merece intervenção de quem de direito para que a situação não resvale para radicalismos.
Amanhã, quinta-feira, pelas 17 horas está prevista uma manifestação à frente do Parlamento português - e espero que seja pacífica -, que sirva de alerta para as autoridades cabo-verdianas e portuguesas.