No próximo mês de Julho comemora-se os quarenta anos da República e o país vai, ver e ouvir o último estado da nação da VIII Legislatura 2011 - 2016. É bom informar o país com factos sobre o verdadeiro estado da nação. Mas, este último debate da VIII legislatura só será útil, se abordar, numa perspectiva analítica global, as causas dos desequilíbrios que a economia cabo-verdiana enfrenta no momento presente que implicam custos sociais e riscos muito significativos. Mais ainda, a análise deveria passar por uma leitura mais completa das variáveis em jogo e suscitar uma reflexão sobre a capacidade do governo incumbente, não de meramente gerir a ajuda externa e sobreendividar o país para financiar o investimento em betão, mas de actuar e impulsionar soluções para esses desequilíbrios.
Quais são esses desequilíbrios?
Há os desequilíbrios macroeconómicos. Os défices excessivos orçamentais e do comércio externo; um endividamento público massivo acompanhado de um crescimento lento. Os indicadores económicos são maus. No final de 2014, a dívida pública directa do SPA (sector público administrativo) situou-se em 115.1 por cento do produto interno bruto (PIB), que compara com um rácio de 100.0 por cento um ano antes (o total do PIB em 2013!). Em particular, a dívida pública externa subiu a um ritmo estonteante, atingindo hoje cerca de 75 por cento da dívida soberana total. A dívida do sector público alargado - SPA e dívida das empresas públicas garantida pelo Estado -, está claramente acima do dobro do valor de referência de Maastricht (isto é, acima de 120 por cento do PIB). O que é grave e acentua a exposição do país a riscos externos importantes. Ou seja, os bancos e credores internacionais vão cobrar juros mais elevados, subindo o custo do financiamento da economia. Adicionalmente, o consequente aumento da incerteza adia o objectivo estratégico do acesso de Cabo Verde aos mercados financeiros internacionais e a criação de um «hub» financeiro.
A gravidade da situação macroeconómica recomenda a monitorização do rumo das políticas orçamental/fiscal e monetária para afastar o espectro da «estagnação secular».
Há os desequilíbrios institucionais. É certo que as instituições determinam os incentivos para a acumulação de factores produtivos, para a atractividade do investimento nacional e internacional, para as trocas entre os agentes económicos e, em geral para uma melhor afectação de recursos na economia. Duas dessas instituições são fontes de dificuldades, devido inter alia, à crónica insuficiência do investimento imaterial: a qualidade do sistema judicial e a qualidade da educação. No que se refere à qualidade do sistema judicial, existe evidência empírica de que a justiça em Cabo Verde apresenta um elevado grau de formalismo processual e de duração dos processos. Adicionalmente, o sistema judicial não garante a eficácia da acção em tempo útil e a sua capacidade em assegurar o cumprimento das relações contratuais bem como de absorver os choques nos momentos difíceis é relativamente baixa. Estas debilidades no funcionamento da justiça cabo-verdiana afectam negativamente a taxa de crescimento da produtividade total dos factores.
Há os desequilíbrios entre o discurso e os actos. No essencial há um grande «décalage» entre os anúncios e os actos. Onde estão os milhares de «casas para todos» prometidos às famílias cabo-verdianas?
No programa do governo para a VIII legislatura 2011- 2016 - que mais parece uma «lista de desejos» - o gap é abissal entre os objectivos estratégicos inscritos no programa e a sua realização. A sete meses para terminar a legislatura, dificilmente se conseguirá realizar sequer metade das promessas eleitorais exageradas lavradas no programa. Esta maneira de conceber o programa governamental – uma marca persistente do governo incumbente - é detestável, porque deixa os problemas sem solução e desvaloriza um documento essencial para o futuro do país. Não basta a narrativa estafada de não fizemos tudo…, e fazer da proclamação o ersatz da acção.
Podemos concluir que o governo deixa estes três desequilíbrios cruciais sem solução. Neste âmbito, importa sublinhar que é preciso atenção aos instrumentos de política económica. O governo incumbente habituou-se ao betão financiado com endividamento e a reclamar ajuda internacional, mas não se mostrou à altura de compreender como funciona a realidade da economia do mercado e não aprendeu a manusear “armas” mais subtis necessárias para criar os factores do sucesso nacional. Adicionalmente, a falta de rigor e a inconsistência nos processos e nas decisões, sem respeito pelos factores tempo, qualidade, análise custo-benefício e criação de valor, não é tolerável nos novos tempos. A dinâmica da economia global, na qual a economia cabo-verdiana se insere, é actualmente bastante exigente.
O estado da nação – os três desequilíbrios, o desemprego jovem massivo e a desigualdade enorme na distribuição do rendimento e da riqueza – coloca desafios económicos complexos aos decisores e à população socialmente activa. O país precisa de um governo com skilful management para desenhar e conduzir uma abordagem integrada da política económica à volta de três pilares fundamentais - uma consolidação orçamental que liberte o crescimento, a implementação de reformas estruturais e a reorientação do investimento do material para o imaterial - que prepare a economia cabo-verdiana para os desafios actuais.