Opinião: Regiões Turísticas de Cabo Verde

PorJosé Almada Dias,8 jul 2015 6:00

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Nos passados dias 6, 7, 8 e 9 de Maio, decorreu na cidade do Mindelo um evento denominado “Mindelo Meeting Point” (MMP). Tratou-se

Um dos objectivos deste evento era lançar oficialmente um novo destino turístico em Cabo Verde, as ilhas do Norte, que compreende o grupo formado pelas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia e ilhéus e ainda São Nicolau.

O turismo é hoje uma realidade em todo o país, mas como é sabido, excetuando as ilhas do Sal e da Boavista, este fenómeno é ainda marginal nas restantes ilhas, incluindo as mencionadas ilhas do Norte (ou Noroeste).

Os dados do INE (Instituto Nacional de Estatísticas de Cabo Verde) sobre entradas de turistas no país referem por exemplo que a ilha de São Vicente recebeu em 2014, 32.110 turistas, correspondentes a 6% do total nacional, como se pode ver no quadro seguinte. A concentração é ainda maior nas duas “ilhas turísticas” no que toca ao nível das dormidas, o que reforça a constatação de um turismo mais consolidado nas mesmas.

Os dados não ajudam nem aos decisores, nem aos utentes, uma vez que se deixam de fora várias ilhas, agrupadas num grupo de “restantes ilhas” que não faz sentido, dada a sua dispersão geográfica.

Os habitantes da ilha de Santo Antão disputam os números em relação à ilha de São Vicente, afirmando que a maioria dos turistas que aterram no aeroporto Cesária Évora, só vêm o Monte Cara e a Baía do Porto Grande de passagem para a majestosa ilha das montanhas.

De todo o modo, fica claro a grande concentração do nosso incipiente turismo em praticamente duas ilhas, ancorado no segmento sol e praia e com uma baixíssima taxa de retorno dos turistas. Traduzindo em miúdos, temos razões para estarmos preocupados com o turismo que temos e que não merecemos.

Por essa razão, temos que nos congratular com a iniciativa de lançamento do destino Norte de Cabo Verde, que visa fazer jus ao lema de “Um País, Dez Destinos”.

Em tempo de pré-campanha eleitoral, não faltaram os olhares desconfiados com a iniciativa, numa ilha e região cansados de fóruns, workshops e quejandos, mas que no entanto continuam a ver o desemprego a aumentar.

A iniciativa partiu do Ministério do Turismo e foi realizada em concertação com o sector privado, designadamente a Câmara de Turismo de Cabo Verde que terá lançado o repto e ainda a Câmara de Comércio de Barlavento. As Câmaras Municipais da região foram igualmente envolvidas.

Uma vez que fiz parte da comissão organizadora, estou em posição privilegiada para dizer o seguinte: a iniciativa peca por muito tardia, mas o facto é que aconteceu e envolveu uma equipa multidisciplinar que tudo fez para que o evento fosse o sucesso que todos constataram.

Não é intenção desta crónica entrar no debate em relação aos putativos resultados do MMP, que sendo positivos do ponto de vista das intenções irão exigir no futuro muito trabalho para que resultados concretos possam vir a ser alcançados.

Iremos ao invés debruçar-nos sobre o conceito de região turística, subjacente a este lançamento da região norte.

O que é então uma região turística?

O pronunciamento da palavra região por estes dias em Cabo Verde leva-nos, quer queiramos ou não, ao vivo debate sobre a regionalização do país. Os dois conceitos podem ou não coexistir, como fiz questão de sublinhar na apresentação que fiz das potencialidades das ilhas do Norte durante o evento. Vejamos o caso de Portugal, que não é um país regionalizado politicamente, mas que está dividido em cinco Regiões Turísticas: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve, a que se juntam as regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

Noutras paragens, as regiões turísticas acabam por estar englobadas em regiões político-administrativas (quando existem), o que faz todo o sentido.

Um dos papéis fundamentais das regiões é a promoção turística, um calcanhar de Aquiles por cá; a sua criação fomenta o aumento da competitividade através de uma competição saudável entre diferentes áreas de um mesmo país.

A pergunta que se segue: faz sentido dividir um pequeno país arquipelágico como Cabo Verde em regiões turísticas? Eu sou dos que estará do lado de um claro SIM. Desde logo para combater a nossa tradição administrativa excessivamente burocrática e centralizadora, que tem quartado e de que maneira o desenvolvimento deste país. Exemplo disso são os inúmeros projectos turísticos previstos para esta região durante a década passada e que continuam adiados, tendo-se perdido uma oportunidade histórica de desenvolvimento, criação de riqueza e de combate à pobreza nunca antes vista neste país – e que muito provavelmente não voltará a acontecer nessa dimensão.

Em que consiste então a Região Turística do Norte?

A região compreende: 4 ilhas, 3 ilhéus, 7 cidades, 6 parques naturais, 3 das 7 Maravilhas de Cabo Verde, inúmeras praias, vales e montanhas, 134 mil habitantes, o maior porto do país enquadrado numa das baías mais bonitas do mundo e um aeroporto internacional com o nome da marca nacional mais conhecida a nível internacional: Cesária Évora, a “Diva dos Pés Nús”, uma verdadeira “mninha” de São Vicente, cuja mãe era de Santo Antão e que cantou “Sodade de nha terra São Nicolau”. Ou seja, uma mindelense de gema, com ligações fortes a toda a região.

No estudo “Inventário dos Recursos Turísticos” da região, que foi encomendado pela Direcção-Geral do Turismo ao ISCEE (Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais), foram inventariados os seguintes produtos turísticos.

Sol e Mar – o conceito é aqui alargado ao mar ao invés de praia, visando extrair mais vantagens e não ficar preso ao restritivo conceito usado nas ilhas do Sal e da Boavista; de todo o modo a região é rica em praias, tendo por exemplo a ilha de São Vicente maior número de praias do que a ilha do Sal, com a vantagem das praias da região possuírem uma maior variedade de enquadramento paisagístico, muitas vezes no prolongamento de vales, permitindo criar resorts exclusivos com uma combinação de praia e montanha; a Baía das Gatas é também a praia mais segura do país, ideal para um investimento no turismo familiar e de reformados;

Turismo de Natureza – as caminhadas pelos caminhos vicinais das ilhas de Santo Antão e de São Nicolau já são um cartaz turístico que precisa ser mais promovido; a existência de 6 parques naturais, com várias espécies endémicas pode cativar um turismo com cariz científico; a deserta ilha de Santa Luzia mais os ilheús são reservas naturais que oferecem um produto único;

Saúde e bem-estar – existem condições muito boas para a prática de talassoterapia (que significa “o mar tudo cura”) em toda a região, com especial ênfase para o Tarrafal de São Nicolau, cujas areias negras são conhecidas pelas suas propriedades curativas; os hotéis deverão privilegiar a construção de spas e o turismo médico poderá ser desenvolvido nesta região que possui um bom hospital central e as melhores clínicas privadas do país;

Cultural e urbano – Mindelo é a capital dos eventos culturais do país, com um conjunto que forma um cartaz turístico ao longo do ano; as restantes cidades da região possuem também um bom leque de festividades tradicionais, nomeadamente sincréticas que misturam o religioso e o pagão, como as festas juninas, a juntar ao Carnaval e festivais de música e teatro; a região é ainda rica em música e danças tradicionais, em história, a que se junta um património arquitetónico construído e bem preservado, com cidades que são autênticos museus, como Mindelo, Ribeira Brava e Ponta de Sol e ainda aldeias muito bem preservadas como Formiguinas, Corvo, Tarrafal e Monte Trigo;

Cultural e paisagístico – as povoações que semeiam os vales e ribeiras das ilhas desta região, possuem uma história e estórias infindáveis; o povoamento ligado a sucessivas vagas de emigrantes europeus, judeus e os seus escravos africanos, a miscigenação daí resultante, encerram um enorme potencial turístico para os turistas, sobretudo europeus; as danças populares que sempre se dançaram no meio rural de Santo Antão e São Nicolau, são nada mais, nada menos do que danças de salão europeias – mazurca, contradança e polska – hoje desparecidas no seu continente de origem. Porque não ensinar aos europeus a dançar as suas danças ancestrais aqui nos trópicos, onde não estriam à espera de as encontrar?

Gastronomia e grogue – a rica gastronomia da região é um natural atrativo turístico, desde o diversificado cardápio de peixes aos mariscos saborosos, onde pontua a lagosta rosa, uma espécie endémica; o grogue é um característico ativo da região, onde existe no Paúl um trapiche da família Benrós que opera há mais de 400 anos, um verdadeiro Museu do Grogue; falta-nos trabalhar a marca Grogue a nível internacional;

Golfe – o golfe é um desporto popular na ilha de São Vicente, ligado à rica história da presença inglesa no Porto Grande; o campo de golfe do Mindelo, para além de estar situado numa Baía membro do Clube das Baías Mais Bonitas do Mundo, tem mais de 100 anos de história de prática em terra batida e é um deleite para este exigente (mas altamente rentável) segmento do turismo de golfe mundial, podendo oferecer uma experiência diferente aos turistas e mesmo golfistas profissionais;

Turismo náutico – a região é considerada uma das melhores áreas mundiais para o turismo náutico, com especial ênfase para a pesca desportiva de atuns, espadartes e marlins, praticada pelos milionários deste mundo que já se deslocam cá para esse efeito – um turismo de altíssimo valor acrescentado; para além disso existem condições excelentes (das melhores no Atlântico) para desportos como wind-surf e kite-surf, entre outros;

Negócios – o turismo de negócios (MICE – meetings, incentives, congress and events) constitui mais um segmento de alto valor acrescentado, normalmente associado a cidades com rico património arquitetónico, histórico e cultural, ligada a uma boa localização geográfica; Mindelo possui todas essas características, às quais junta a de ser uma cidade-porto cujas gentes gostam de receber; possui ainda um activo interessante que é ter uma praia na cidade; faltam os investimentos em salas de conferências, associadas ao desenvolvimento hoteleiro;

Resorts residenciais – a Europa possui mais de 80 milhões de pessoas com idades acima dos 65 anos, um mercado a explorar por este país tropical, cristão e seguro mais perto desse continente; em Marrocos vivem mais de 100 mil reformados franceses à procura de localizações mais confiáveis; a juntar a tudo isso, temos o mercado étnico de descendentes de cabo-verdianos na Europa, Estados Unidos e de outras geografias, que possuem redobradas razões para adquirir uma segunda residência em Cabo Verde. 

A riqueza existente nesta região turística permite que se possa apostar num turismo de alto valor acrescentado, dirigido às classes média-alta e alta dos principais mercados emissores, com especial relevo para a Europa, o nosso mercado emissor natural. Um empresário nigeriano que esteve presente no MMP, mostrou-se entusiasmado e está a organizar uma viagem para trazer meia centena de empresários nigerianos para o Festival da Baía das Gatas em Agosto. As potencialidades da região foram louvadas por investidores e profissionais do turismo de vários quadrantes.

A região tem contudo um grande problema: faltam hotéis em quantidade e sobretudo com qualidade para que o destino atinja a escala necessária para interessar aos operadores turísticos, marcas hoteleiras e companhias aéreas.

É tempo de recuperar os projectos da década passada e atrair novos projectos, o que já está a acontecer.

Pelo caminho falta melhorar a nossa burocracia e a nossa tradicional atitude hostil aos empresários e aos negócios.

As outras regiões turísticas de Cabo Verde têm também que começar a trabalhar, a bem do desenvolvimento do país.

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Autoria:José Almada Dias,8 jul 2015 6:00

Editado porAndré Amaral  em  6 jul 2015 16:21

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