Que futuro para Cabo Verde?

PorPaulo Monteiro Jr.,24 jul 2015 0:06

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Este segundo semestre de 2015 vai ser ocupado pelas comemorações dos quarenta anos da República e pela pré-campanha (campanha!) eleitoral. É bom reavivar a memória colectiva mas a comemoração da efeméride não deveria abstrair-se do contexto em que o país se encontra e dos desafios à governação que coloca. E é perante esses desafios que os discursos e as proclamações laudatórios de estilo serôdio e paroquiano dos representantes do partido no governo se mostram completamente desajustados.

Assim, ao comparar, mais uma vez, o Programa do Governo para a legislatura 2011-2016 com os resultados – em especial, a persistência de um crescimento tão baixo, bem como um elevado rácio de endividamento público externo – aprofundei uma convicção: com as deambulações frequentes do primeiro-ministro em campanha de comemoração da efeméride … e de promoção de candidaturas, o país vive há muito em pilotagem automática quando precisava de um chefe de governo para enfrentar a maior crise destas quase duas décadas e meia de democracia. Talvez haja quem argumente que foi o primeiro governo de José Maria Neves que fez um esforço enorme para pôr as contas públicas em ordem. Importa assinalar que, neste quadro, Cabo Verde foi um dos primeiros beneficiários da nova facilidade do FMI – Poverty Reduction and Growth Facility – que funciona como uma ESAF com uma componente explícita (técnica e financeira) de promoção de crescimento e redução da pobreza. Dirão o governo e o partido que o sustenta que esses eram também tempos difíceis e que, como gostam de repetir, resgataram o país. Mas a lição desses tempos de pouco serviu para levar o governo a prevenir outros tempos bem piores, como são aqueles que temos pela frente.

Ora por que é que Cabo Verde vive a sua maior crise de financiamento externo nestes vinte e cinco anos de democracia? Por causa da crise económica e financeira internacional e da crise da dívida soberana na área do euro que apanharam o governo incumbente desprevenido e às quais se considerava «blindado»? Sim, sem dúvida. Só que, além desse choque externo, havia um conjunto de outros factores e razões internos importantes, que permaneceram como se nada fosse. Que factores/razões persistem evidenciando alguns focos de vulnerabilidade fundamental do país?

Em primeiro lugar, é destacada a importância da inclusão, desde 1977, de Cabo Verde na lista dos Países Menos Avançados (PMA). Refira-se que a participação na categoria dos PMA foi fundamental para, entre outras vantagens daí retiradas, a configuração do processo de investimento público numa pequena economia insular aberta como a cabo-verdiana.

À luz dos três critérios utilizados para a saída da categoria dos PMA – (i) produto nacional bruto per capita (ii) índice de capital humano (iii) índice de vulnerabilidade económica – foi decidido, em Dezembro de 2004, a graduação de Cabo Verde da categoria dos PMA, tendo a saída efectiva dos PMA começado em 2008, após um período de transição de três anos.  Contudo, a evidência empírica sugere que o país estava longe de satisfazer o terceiro critério no momento da graduação efectiva. Como consequência, Cabo Verde deixará de beneficiar das vantagens da pertença aos PMA, em especial dos donativos e empréstimos concessionais destinados a financiar os investimentos públicos.

Ora, a persistência de um conjunto de fragilidades estruturais no país, com destaque para a acumulação de défices externos elevados bem como a forte queda no investimento directo estrangeiro, fazem com que o país enfrente o desafio crucial de financiamento externo da economia cabo-verdiana. O comportamento das contas externas reflecte a incapacidade, de natureza eminentemente estrutural, de orientar os factores produtivos para o sector exportador de bens e serviços. A título de ilustração da atrofia do sector exportador, temos o fraco benefício que o país retirou da participação no AGOA (African Growth and Opportunity Act), com regras de origem generosas, para a exportação de têxteis e vestuário para os Estados Unidos. De facto, o país não soube aproveitar das benesses trazidas pela participação no AGOA e capitalizar para o futuro. 

Por seu turno, a situação das finanças públicas afigura-se particularmente difícil. Desde 2009, o défice orçamental situa-se em níveis sistematicamente superiores a 6 por cento do PIB (ou seja, acima do dobro do valor de referência). Quanto ao rácio da dívida pública regista uma tendência crescente, num quadro de quase estagnação económica. Sublinhe-se, em particular, que a dívida pública externa em percentagem do PIB aumenta de forma contínua ao longo dos últimos sete anos, de 42.8 por cento do PIB em 2009 para 75.5 por cento do PIB em 2014 (um aumento de 76 por cento do PIB)). De notar que, nestes 40 anos da República nunca o endividamento em moeda estrangeira atingiu uma parte tão elevada da dívida pública total. A perda de confiança dos credores na solvabilidade intertemporal do país pode implicar uma interrupção abrupta no financiamento (sudden stop). É um elemento fundamental da vulnerabilidade económica do país.

A apropriação pelos agentes políticos, económicos e sociais de um conjunto de opções estratégicas para assegurar o financiamento externo e a melhoria das condições de crédito interno ao sector privado da economia cabo-verdiana é o desafio crucial e urgente do processo de desenvolvimento e de reposicionamento internacional de Cabo Verde.

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Autoria:Paulo Monteiro Jr.,24 jul 2015 0:06

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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