No debate do último estado da nação desta VIII legislatura haveria vantagem em discutir os principais indicadores económicos reais numa perspectiva de longo prazo a fim de avaliar os quinze anos dos mandatos governativos de JMN. Ainda que central, a avaliação crítica e a relativização desses indicadores, não deveriam abstrair-se da diferença tão marcada entre as propostas de política económica e o sistema de valores do partido que sustenta o governo e do MpD. Parece ir de par com uma relativização do valor trabalho e da sua instituição maior: o pólo da produção.
A diferença é, em todos os planos, indisfarçável. Desde logo, na vertente económica, como se constata na questão da intervenção desenfreada do governo incumbente na economia, bem como na concentração de empresas (entre outras, TACV, ENAPOR, ELECTRA) sob a tutela promíscua do Estado. Depois, na esfera social, em virtude do sistema de valores e da deriva assistencialista do governo (e da actual líder do partido que o sustenta) através da constelação de ONGs. Por último, na concepção da liberdade e a autodeterminação individual, bem como na atitude em relação a iniciativa privada em Cabo Verde. O Governo JMN/JHA tudo faz para a asfixiar.
Comecemos pela esfera económica. Os indicadores económicos reais mostram que a economia cabo-verdiana insere-se, desde 2009, num cenário de reduzido crescimento e de estagnação do PIB (produto interno bruto) per capita. O país instalou-se num crescimento económico anémico e de redução do ritmo da convergência real para os níveis médios de rendimento per capita dos três arquipélagos vizinhos da Macaronésia e dos países de rendimento médio/médio.
Uma outra consequência grave do crescimento lento da economia cabo-verdiana é a evolução da taxa de desemprego dos jovens. Ela insere-se numa tendência de aumento visível desde 2009, com um em cada dois jovens no desemprego/subemprego).
A incapacidade do Governo JMN/JHA da reabsorção do desemprego elevado existente na economia cabo-verdiana revela-se também na marcada subida do desemprego de longa duração (mais de 12 meses).
A plausibilidade destes indicadores reais repousa sobre três considerações. A primeira é de ordem factual: a experiência sugere que a política orçamental/fiscal de forte investimento público em infra-estruturas físicas (no betão) tem uma fraca capacidade de influenciar o andamento da economia cabo-verdiana. Há uma opinião largamente partilhada que o seu financiamento através do endividamento externo crescente conduz ao aumento da carga fiscal das famílias e das empresas privadas, reduzindo assim o consumo e o investimento privado nacional e anulando os efeitos expansionistas da despesa pública. Análises econométricas parecem indicar que o crescimento galopante da dívida pública externa, bem como do stock da dívida pública total – o seu rácio em relação ao PIB está claramente acima de 120 por cento, o dobro do valor de referência de Maastricht – tem uma forte correlação negativa com o crescimento do produto interno bruto. Uma segunda consideração deriva daí: atingindo a dívida pública externa – denominada exclusivamente em moeda estrangeira, (euro e US dollar) – um valor acima de 60 por cento do PIB, a taxa de crescimento anual diminui de forma significativa.
Adicionalmente, um terceiro indicador real, constituído pela integração económico e pela importância das exportações no PIB, revela alguns sinais que apontam para o não crescimento real das exportações de bens e serviços ou mesmo a sua redução relativa, nomeadamente para o mercado da CEDEAO. O sector dos bens transaccionáveis internacionalmente está minado pela sistemática perda de competitividade da economia e atrofiado, como nos indica a parte das exportações de bens no PIB. No que diz respeito as exportações de bens para a CEDEAO, a sua parte no total das exportações cabo-verdianas passou de 0,93 em 2004 para 0,10 por cento em 2014.
As negociações na Organização Mundial do Comércio e a integração económica efectiva em curso na CEDEAO – instituição de uma união aduaneira e de um mercado comum – poderão conduzir a um quadro geral que cria um contexto de concorrência substancialmente diferente para uma pequena economia insular como a cabo-verdiana, caracterizada por baixos níveis médios de produtividade. As opções quanto ao padrão de especialização a privilegiar e à criação das condições de sucesso das iniciativas empresariais, sobretudo das orientadas para os mercados externos, tornam-se inadiáveis. De facto, o aumento da capacidade exportadora é crucial para o sucesso do processo de integração regional da economia, exigindo uma abordagem de política económica assente na promoção da capacidade competitiva e no crescimento das empresas privadas, sobretudo no sector transaccionável.
Neste contexto, a construção da narrativa e a estafada repetição do slogan agenda de transformação económica revelam uma resistência quase psicótica às leis elementares do comércio internacional e da integração económica. O país de 1990 e o país de 2015 assemelham-se como duas gotas de água em termos de incapacidade congénita de explorar as oportunidades de exportação de bens e serviços (vd. AGOA).
Os dois grandes partidos de governo em Cabo Verde são claramente diferentes em termos de intervenção na economia, modelo de crescimento económico, projectos governativos, abordagem de política económica e sistema de valores. O PAICV só confia nas iniciativas do governo e na sua estratégia de intervenção insaciável na economia. O problema é que é precisamente essa estratégia que conduziu aos indicadores económicos reais não satisfatórios e insuficientes (em 15 anos no poder!) e que asfixia a iniciativa privada em Cabo Verde.
Poderá o sistema político cabo-verdiano gerar um novo governo com expertise e capacidade de fazer e explicar reformas e, desta forma, colocar o país numa trajectória de crescimento económico robusto e sustentável?
Creio que os eleitores cabo-verdianos saberão escolher o partido que pretendem que governe e sufragam as suas propostas governativas e o candidato a chefe de governo que estejam à altura dos novos desafios.
*Prof. de Economia do ISCJS