1. Neste mês de Setembro assinala-se o sétimo aniversário da eclosão da primeira grande crise económica e financeira internacional do século XXI. A lembrança deste episódio, na sequência da falência do banco de investimento americano Lehman Brothers, é útil porque nos permite abordar as circunstâncias e os efeitos da queda do Governo de JMN na armadilha do endividamento público.
A interacção crescente e sucessiva entre diversos choques negativos de natureza económica e financeira culminou num aumento abrupto da aversão ao risco e da incerteza, que implicou uma forte recessão – crescimento negativo do produto interno bruto (PIB) - da economia cabo-verdiana em 2009. Adicionalmente, desde 2009, assiste-se a um aumento do risco soberano na economia cabo-verdiana, motivado por aumentos significativos dos défices gémeos (i.e., orçamental e das contas externas) e da dívida pública, conjugados com a manutenção de um conjunto de fragilidades de natureza estrutural. Neste contexto, o comportamento de algumas variáveis que influenciam o nível de inovação e a capacidade de reagir a choques – como a qualidade do capital produtivo, as qualificações do emprego e a duração do desemprego e a asfixia do sector privado em Cabo Verde – é determinante para que se registe uma diminuição do crescimento potencial da economia cabo-verdiana.
Estes elevados níveis dos défices orçamentais e da dívida pública são um obstáculo maior para uma inevitável política económica de reforma fiscal no sentido de contribuir para uma menor disparidade entre o investimento e a poupança internos.
2.. Ora por que é que o Governo de JMN caiu fragorosamente na armadilha da dívida pública? Por um conjunto de causas, que se encontram bem identificadas e que podem ser enumeradas como segue:
(i) Política económica de despesas públicas expansionista; em particular, a continuada orientação dos investimentos públicos para sectores menos expostos à concorrência internacional, sem o desejável grau de eficiência, tem contribuído para aumentar os elevados défices orçamentais e – ou elevados níveis de dívida pública.
(ii) Custos implícitos e explícitos das empresas públicas cobertos pelo orçamento do Estado (transferências, subsídios, garantias e avales);
(III) Descredibilização do quadro institucional vigente, a começar pelo sistema judicial (tribunal de contas,…) que não promove a necessária transparência e rigor nas contas públicas, em particular das contas das empresas públicas. Note-se também que, embriagado pela abundância do crédito externo, o sacrifício da transparência tem-se manifestado nos investimentos em betão feitos pelo governo incumbente, com o valor dos activos em infraestruturas (aeroportos, casas para «todos», estradas,…) largamente inferior às dívidas (passivo financeiro do sector público alargado).
(IV) Efeitos da crise económica e financeira global. Entre estes efeitos, dois merecem particular destaque. Em primeiro lugar, em termos do peso das exportações de bens no produto interno (PIB), a economia cabo-verdiana continua caracterizada por uma atrofia do sector de exportações de bens, com reflexo da crise internacional no comércio externo cabo-verdiano (balança comercial de bens) desprezível (nulo!), reforçando a convicção de que a mantra da Agenda de transformação (ATE) não corresponde a uma alteração estrutural no padrão de especialização. Em segundo lugar, deve sublinhar-se a forte diminuição do investimento directo estrangeiro. Os défices elevados das contas externas, com a diminuição dos fluxos de investimento directo, reflectem-se no aumento descontrolado da dívida externa e na degradação da imagem externa de Cabo Verde. Adicionalmente, é de relevar o papel das reduções das transferências correntes.
A conjugação destas causas tem-se manifestado, ao longo dos últimos sete anos, na persistência de um baixo crescimento médio do PIB, numa subida da taxa de desemprego (principalmente dos jovens), bem como na deterioração acentuada da posição de investimento internacional, num quadro de condições de financiamento internacional globalmente desfavoráveis (menos crédito externo e mais caro).
3. O país vive uma crise grave das finanças públicas. Só não vê quem não quer. O rácio entre a dívida pública e o PIB situa-se claramente acima dos 120 por cento do PIB - uma situação obviamente insustentável seja qual for o standard - o dobro do valor estabelecido pelo Tratado de Maastricht. Há um efeito nível para cima que se explica pela adição ao último valor publicado pelo Banco de Cabo Verde (114,2% do PIB), dos 7% do PIB dos Títulos Consolidados de Mobilização Financeira (TCMF) e, com o alargamento do perímetro orçamental (entrada de empresas de capitais exclusivamente públicos), as dívidas contingentes (cerca 15% do PIB). É uma situação grave das nossas finanças públicas acompanhado de um longo processo de aumento galopante da dívida externa: de 38.5% do PIB em 2008, ela representa em 2014, um valor sem precedentes nos quarenta anos da República: 81,9 por cento do PIB.
O legado lugente dos quase quinze anos do Governo de JMN (e do partido que o sustenta) é um país submerso numa dívida pública excessiva e fragilizado. O nível calamitoso da dívida pública constitui um problema não apenas pelo contínuo desvio de recursos associado ao serviço da dívida mas também pelo nível de exposição ao risco a que submete a economia. Adicionalmente, constitui um obstáculo maior para uma política económica de reforma fiscal.
A questão que se põe é: como sair da armadilha da dívida pública?
Como é óbvio o Governo incumbente (mesmo reciclado) não é solução. Cabo Verde precisa para enfrentar a maior crise destes últimos vinte e cinco anos de um novo Governo capaz de o libertar da armadilha da dívida pública e prosseguir uma exigente agenda de reformas estruturais, com base em boas escolhas estratégicas e assente em instituições fortes e num sector privado reanimado.