Um novo Governo para mudar o país

PorPaulo Monteiro Jr.,30 set 2015 6:00

Dentro de seis meses os eleitores cabo-verdianos serão consultados para escolher o partido que pretendem que governe mas também entre projectos governativos alternativos. Num contexto de persistência de crescimento económico anémico e acentuada desigualdade na repartição do rendimento, é cada dia maior a franja social que não está em condições de poder suportar a intensificação da gravidade da austeridade sem descer um novo degrau na escada da pobreza. Para esta situação delicada em que se encontra o país concorreram diversos factores, entre os quais o modelo de crescimento económico e as ineficiências e os custos gerados pelo sector empresarial público para o conjunto da economia cabo-verdiana. O Governo incumbente insiste em confiar no seu modelo de crescimento e na sua intervenção desenfreada na economia, cultivando uma insensibilidade (inconsciência?), nomeadamente em relação à questão estrategicamente vital da atrofia do sector de exportações de bens e a concomitante insustentabilidade dos níveis do défice da balança comercial.

As estatísticas da balança de pagamentos e do endividamento externo estão aí e não podem ser mascaradas pelos anúncios e pela propaganda: a acumulação de um défice externo muito elevado durante um número muito significativo de anos e a subida concomitante e brutal da dívida externa —  que se aproxima da riqueza criada pelo país em cada ano (ou seja, 100 por cento do PIB) —  tornam óbvia e imperiosa a necessidade de promover um modelo de crescimento assente na afectação de recursos para o sector de bens e serviços transaccionáveis bem como a inserção nas cadeias de valor regional e global.

Dados os elevados níveis de endividamento acumulados ao longo dos últimos sete anos, a redução substancial e duradoura do défice nas balanças corrente e de capital exige que o aumento das exportações de bens e serviços seja uma prioridade. Adicionalmente, refira-se que o aumento do peso das exportações de bens no produto permite criar margem para que o aumento das importações decorrente do crescimento da procura interna, especialmente do investimento em bens de capital, não se traduza em desequilíbrios externos. Note-se que o aumento do nível de capital por trabalhador permite a incorporação de novas tecnologias no processo produtivo e contribui, ceteris paribus, para o crescimento das exportações de bens e serviços.

Os saldos das balanças corrente e de capital e a evolução da posição de investimento internacional (PII) da economia cabo-verdiana reflectem principalmente a situação delicada da balança comercial e sinalizam um horizonte de dificuldades de financiamento externo. Por sua vez, a manutenção de um défice abissal da balança de bens (incluindo vendas de combustível e reexportações) contribui de forma determinante para o saldo negativo das contas externas do país. Em 2011, o défice das balanças corrente e de capital atingiu um rácio em relação ao produto sem precedente nos 40 anos da República: - 15,5 por cento do PIB. É um valor muito negativo em termos históricos e internacionais, ainda mais para um país com elevados níveis de endividamento acumulados desde 2008. Em 2013, observou-se uma redução em cerca de — desse valor. Porém, esta forte diminuição do valor do défice fez-se principalmente através da queda acentuada das importações. Ora, como vem nos manuais, correcções dos défices das contas externas que decorrem de reduções das importações não podem ser vistas como a forma desejável. Para este processo deve contribuir um conjunto amplo de reformas estruturais, designadamente para a criação de sectores económicos onde o país se possa tornar exportador líquido significativo e…o aumento da competitividade externa da economia. Em 2014, o saldo conjunto das balanças corrente e de capital foi de -6.8 por cento do PIB, tendo-se aumentado 2.3 p.p. face ao ano anterior. Para o primeiro semestre do corrente ano, as estimativas sugerem um défice conjunto da balança corrente e de capital de cerca 1260 milhões de escudos. É um valor mais razoável e muito menor do que o do semestre homólogo, reflectindo um aumento significativo do saldo conjunto das balanças de rendimento secundário e da balança de capital, em linha com um aumento substancial (excepcional!) das transferências de capital. No entanto, é de realçar que sem uma melhoria substancial da balança comercial pela via do aumento das exportações de bens e serviços, as nossas responsabilidades perante o exterior não poderão ser respeitadas.

A participação da economia cabo-verdiana na CEDEAO e o acentuar do processo de integração económica poderão conduzir em breve a um quadro geral do acordo que reorganizará as relações de força entre os membros, criando um contexto concorrencial substancialmente diferente para países com um sector de exportação de bens e serviços atrofiado como é Cabo Verde. Tornam-se assim inadiáveis as opções quanto ao padrão de especialização e a criação de condições para que a entrada de investimento directo estrangeiro se materialize essencialmente pela via da criação de capacidade produtiva nos sectores orientados para os mercados externos e sujeitos à concorrência internacional. As iniciativas empresariais – nacionais e estrangeiras – orientadas para os sectores de bens e serviços transaccionáveis constituem indiscutivelmente uma necessidade vital para evitar dualismos no processo de integração na nossa sub-região.

Acresce que Cabo Verde não deveria participar na união monetária da CEDEAO mas aprofundar a arquitectura institucional do peg fixo unilateral do escudo ao euro.

Precisamos investir no nosso futuro e mudar o país. Essa mudança passa por uma agenda de reformas estruturais, pela acumulação de capital humano e pelo sucesso das empresas nos mercados internacionais enquanto produtoras de bens e serviços transaccionáveis. Só assim sairemos da crise em que estamos.

 

 

*Prof. de Economia do ISCJS, antigo Economista Sénior no Banco de Portugal e Consultor da Comissão Europeia

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Autoria:Paulo Monteiro Jr.,30 set 2015 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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