A economia cabo-verdiana registou no segundo trimestre de 20015 uma quase estagnação da actividade, num quadro marcado por sete crises simultâneas. De facto, as estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE) sugerem um crescimento do produto interno bruto (PIB) no 2º trimestre, comparado com o trimestre homólogo do ano anterior, de apenas 0,1 por cento, em linha com a taxa de crescimento média do PIB nos últimos três anos: 0,9 por cento. Assim, a actividade económica anémica em Cabo Verde traduziu-se numa crise do emprego. É de sublinhar que esta crise combinada com outras seis: crise das finanças públicas - com destaque para a insustentabilidade da dívida pública - crise de competitividade, crise da balança comercial, crise da política económica, crise de financiamento dos agentes económicos em geral e crise financeira global culminaram num aumento abrupto da aversão ao risco e da incerteza que condicionam de forma decisiva a evolução da economia cabo-verdiana.
Neste contexto, há que falar da publicação recente pelo World Economic Forum (WEF) do seu Global Competitiveness Report. De notar que a competitividade de uma economia e das suas empresas é um conceito multidimensional que mede a capacidade de um país utilizar todos os seus recursos e atrair recursos do exterior para atingir o máximo do bem-estar. Os problemas de competitividade não são fáceis de detectar e a sua análise é complexa. A subida de custos e a perda de eficiência relativa não acontecem de repente e de forma facilmente identificável, mas têm um efeito cumulativo, ao fim de um espaço de tempo, devastador.
Os índices publicados pelo WEF são uma combinação de duas centenas de indicadores estatísticos que tentam medir a performance dos recursos combinados com resultados de inquéritos de opinião sobre variáveis institucionais. O documento publicado na semana passada mostra a posição relativa de Cabo Verde entre os 30 piores em termos de competitividade, ou seja, um território económico de crise de competitividade no mundo globalizado. Note-se que há uma elevada correlação entre os indicadores e o PIB per capita medido em paridade de poder de compra. De notar também que uma melhoria substancial da posição relativa em termos de competitividade favorece, ceteris paribus, a balança comercial do país.
A obsessão do Governo de festejar toda e qualquer performance económica ou outra do país, mesmo quando o seu carácter insignificante e inoperante seja mais do que óbvio, ficou mais uma vez patente com a vã glória de Cabo Verde ter passado da posição 114 para 112 do WEF (num total de 140 países)! Que grande consolação para os cabo-verdianos a quem o Governo incumbente (e o partido que o sustenta) legam outras crises.
Entrámos na crise financeira global com as nossas crises. Sabe-se apenas que não estamos condenados a esta sorte e que podemos sair dela com a crise das finanças públicas cabo-verdianas agravada, muito mais endividados – com destaque para o nível intolerável da dívida pública externa por habitante - e com a política económica sob o espectro da inoperacionalidade, da incapacidade de fomentar a competitividade das empresas e gerando desigualdade de rendimento entre as famílias. Neste contexto, há que falar da política monetária – responsabilidade das autoridades monetárias – e da política orçamental – da responsabilidade do Governo.
O Banco de Cabo Verde (BCV) adoptou no começo de 2014 medidas tradicionais de política monetária num contexto de rápida redução das pressões inflacionistas. O objectivo era promover condições de crédito mais favoráveis aos clientes (quer empresas não financeiras quer famílias) do sector privado. O conjunto de medidas convencionais adoptadas pelo BCV incluiu: a redução das taxas de juro oficiais e a diminuição dos coeficientes de reservas obrigatórias. A queda das taxas de juro não teve o seu efeito no bolso das pessoas que pedem empréstimos aos bancos. Refira-se também que as empresas continuam a sentir falta de crédito e os juros a pagar desceram pouco (quando desceram), porque a avaliação do risco é hoje mais rigorosa, dado o valor historicamente elevado do incumprimento no crédito bancário. É evidente a crise da política monetária do BCV: estas descidas das taxas de juro e do coeficiente de reserva obrigatória não se terão transmitido, mesmo com os habituais desfasamentos, às taxas de juro bancárias e tornando menos activas as restrições orçamentais intertemporais dos agentes económicos. Os instrumentos convencionais da política monetária tornaram-se ineficazes para resolver o problema concreto das condições – quantidade e preço – de concessão de crédito por parte dos bancos cabo-verdianos às famílias e às empresas privadas: crise da política monetária.
No que se refere à política orçamental, os estímulos orçamentais, através dos investimentos públicos materiais financiados em grande parte com dívida, traduziram-se numa deterioração acentuada dos principais indicadores orçamentais – défice orçamental e dívida pública excessivos – e num peso muito oneroso para o grosso da nossa economia. De notar que estes investimentos públicos, para além das suas rentabilidades fracas, têm efeitos reduzidos sobre o andamento da nossa economia, como as evidências empíricas sugerem. Adicionalmente, a subida dos impostos directos e sobretudo indirectos (e.g. IVA, taxas) causam a diminuição não só do consumo privado mas também contribuem para o aumento da desigualdade de rendimento regional e entre as famílias. Com o endividamento público crescente reduz o consumo das famílias e o espaço de manobra fiscal e revelam-se as ineficácias dos estímulos orçamentais: consequência, uma crise da política orçamental. Como vem nos livros, lá onde – empresas, sectores, países – as rentabilidades são fracas e houver uma crise das finanças públicas, há crise da criação de emprego. Mas têm sobretudo um efeito arrasador: acentuar a convicção dos investidores e dos bancos internacionais da subida do risco-país e da perda do rating da República aumentando o custo do financiamento da economia. Menos crédito e mais caro… e crise de financiamento externo previsível.
Estas sete crises constituem uma questão muito complexa. Assim, os tempos difíceis que o país atravessa não são causados apenas pela crise económica e financeira global como revela a narrativa construída pelo Governo. Há outras, internas, resultantes de uma política económica profundamente errada e da incapacidade do Governo incumbente de manejar armas mais subtis. Para o governo newcomer, é imperativo pensar uma estratégia de saída e políticas alternativas congruentes com o futuro a fim de colocar o país numa nova rota de desenvolvimento.
*Prof. de Economia do ISCJS, antigo Economista Sénior no Banco de Portugal e Consultor da Comissão Europeia.