Mercado financeiro global e o «alto risco» da República

PorPaulo Monteiro Jr.,3 nov 2015 6:00

Terminam no próximo weekend as comemorações dos quarenta anos da República. Haveria vantagem que na evocação desta efeméride se debatesse soluções não só para o elevado nível de dívida pública – a assumida mais as garantias (dívida contingente), está acima dos 130 por cento do PIB - mas também para um conjunto de factores muito específicos para a construção de um sector financeiro eficiente voltado para o mercado financeiro global. 

Ainda que central, a análise sobre o «alto risco» da República – em grande parte associado ao nível do endividamento público externo insustentável (deve estar próximo dos 100 por cento do PIB) e à graduação de Cabo Verde para o grupo dos países de rendimento médio/baixo - não deveria abstrair-se da existência de elevada incerteza no contexto económico internacional. Esta incerteza coloca dificuldades acrescidas ao processo de acesso de Cabo Verde aos mercados financeiros externos.

O relatório Global Financial Development (GFD 2015-2016, do Banco Mundial) revela que estamos nas vésperas de uma mutação marcante com o pós-2015 Sustainable Development Goals. Adicionalmente, veio sobrepor-se ao relatório a iniciativa política do G-20: um processo – envolvendo as Instituições de Bretton Woods, OCDE, - de reformas estruturais. De facto, a regulação e a supervisão no sector financeiro, o desenvolvimento dos mercados das obrigações em moeda local, a criação de mecanismos de partilha de risco e o papel dos investidores institucionais no financiamento do esforço de investimento de longo prazo são cruciais para o sucesso do processo de construção de um sector financeiro eficiente bem como de integração de Cabo Verde nos mercados financeiros regional e global.

Lendo, mais uma vez, o Programa do Governo para a VIII legislatura 2011-2016, aprofundei uma convicção que já tinha manifestado nestas colunas: o falhanço quase total dos objectivos-chave, em particular, os de «assegurar um ambiente macroeconómico estável com cargas fiscais decrescentes» e do «acesso a mercados de capital». Na página 9 do Programa lê-se o seguinte: «Para o período da legislatura, o Governo fixa como meta conseguir um crescimento robusto do PIB, num ambiente de equilíbrio dos fundamentais da economia e de inflação controlada. Suportado num forte crescimento e numa economia dinâmica, e estimulado por políticas activas de emprego, o Governo trabalhará, em parceria com o sector privado, para continuar a reduzir o desemprego, através da criação de milhares de postos de trabalho». Na esfera financeira, o Programa torna-se uma «wish list» do Governo!

A realidade dos números apresentados no Quadro 1 contrasta fortemente com as metas dos objectivos do Programa e levantam receios quanto aos riscos de crise de financiamento externo da economia. Uma implicação importante desta crise é a contracção abrupta da despesa, especialmente em matéria de investimento, o que limita os ganhos de produtividade futuros.

 

O quadro acima sumaria alguns factos económicos estilizados relevantes que mostram a situação crítica da economia cabo-verdiana e os tempos muito difíceis que temos pela frente. Daí o estado de desencanto e de inquietação muito generalizado a que assistimos respeitante ao passivo do balanço dos 15 anos desta governação (e do partido que o sustenta). JMN termina o seu terceiro mandato governativo – dentro de cerca de quatro meses são as eleições legislativas – e deixa uma herança muito onerosa aos contribuintes e para o grosso da nossa economia. Os dados do produto interno bruto (PIB) real per capita mostram a evolução dos padrões de vida (nível de bem-estar). Com a queda da actividade económica constatamos uma redução média do padrão de vida no período de 2012-2014. O quadro indica também a saga do endividamento público, com a dívida pública externa a atingir, em Março de 2015, 88,1 por cento do PIB (isto é 1295,2 milhões de euros). Para além da sua insustentabilidade, pela primeira vez na história da República, o endividamento externo bilateral ultrapassa o valor da dívida multilateral. O principal credor bilateral é Portugal - cujo stock de empréstimos, no final de 2014, atingia 675 milhões de US$.

Na perspectiva da política económica, há que falar das consequências da política de forte intervenção do governo incumbente na economia sobre os instrumentos da política monetária e da restrição orçamental e da margem de manobra deixada a um novo governo. Consideremos, em primeiro lugar, o instrumento da política monetária externa, taxa de câmbio: a restrição decorrente do regime cambial cabo-verdiano de peg fixo unilateral do escudo ao euro não facilita o recurso ao instrumento cambial. Um segundo conjunto de instrumentos de política monetária diz respeito às taxas de juro oficiais e ao coeficiente de reservas obrigatórias – tradicionalmente considerados como instrumentos suficientes na prossecução do objectivo de política de aumentar a concessão de crédito a sociedades não financeiras e às famílias. Como se viu recentemente estes instrumentos tornaram-se completamente ineficazes. Note-se também que, no presente momento, o mercado monetário cabo-verdiano não funciona. Por seu turno, com a forte intervenção na economia – efectuada com uma expansão das despesas públicas - a relevância da restrição orçamental torna-se particularmente grande. Observa-se no quadro 1 que, não obstante o aumento brutal da carga fiscal no país – impostos directos, indirectos, taxas,..- as necessidades de financiamento do sector da Administração Pública atingem cerca do triplo do valor de referência de Maastricht (isto é, cerca de 9% do PIB no período 2012-2015). De notar, a coincidência com o enorme valor médio, para o mesmo período, das necessidades de financiamento externo da economia, ilustrando de forma clara o garrote dos «défices gémeos» na economia nacional. Com a subida concomitante da dívida pública (e do risco da República) este Governo adia cada vez mais o acesso de Cabo Verde aos mercados financeiros internacionais.

Alterar rapidamente este estado de coisas seria, para o Governo newcomer, uma boa estratégia de entrada em funções. Pois, sem a resolução de um conjunto de problemas prementes – o nível de endividamento público excessivo, a qualidade das instituições e um crescimento económico potencial baixo – o próximo Governo não poderá atingir simultaneamente os quatro objectivos principais de uma política económica alternativa.

 

Paulo MONTEIRO Jr

 

*Mestre em ECONOMETRIA, ULB; Antigo Economista   Senior no Banco de Portugal.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Paulo Monteiro Jr.,3 nov 2015 6:00

Editado porRendy Santos  em  30 out 2015 16:17

pub.

Rotating GIF Banner

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.