A política económica cabo-verdiana

PorPaulo Monteiro Jr.,21 dez 2015 6:00

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1. Para uma avaliação válida da política económica prosseguida nos últimos quinze anos em Cabo Verde, é preciso, como é evidente, ter claramente no espírito os graves problemas que o país enfrenta. Adicionalmente, é preciso estabelecer claramente o diagnóstico da doença antes de falar de remédios para uma reinvenção da economia cabo-verdiana. Fá-la-ei em três etapas e, em primeira lugar, farei algumas considerações sobre a intensificação e globalização da crise financeira no final de 2008, antes de me debruçar mais especificamente sobre os desequilíbrios macroeconómicos fundamentais da economia cabo-verdiana – com destaque para o défice externo profundo e persistente e para o elevado e crescente endividamento externo – e a incapacidade do governo incumbente de fazer reformas estruturais.

O ano de 2008 divide ao meio os quinze anos desta governação e designa-se por ano mediano. No período 2009-2015, o crescimento económico anémico, foi, em média, cerca de um quinto da taxa média de crescimento do produto interno bruto (PIB) dos primeiros sete anos. Neste final de 2015, pelo menos um terço da população activa cabo-verdiana está ou no desemprego ou no sub-emprego, ou excluído do mercado do trabalho e, simplesmente, na pobreza – sem contar com os working poors.

 

2. A globalização da crise financeira no final de 2008 - sem dúvida com o epicentro nos Estados Unidos, na sequência da falência do banco de investimento Lehman Brothers – ocorreu num quadro que apanhou quase todos os governos desprevenidos e à qual só mais tarde se começa efectivamente a reagir. O mecanismo através do qual este género de choque provoca uma crise mundial e europeia é bem conhecido. Não cabe aqui aprofundar esta questão, interessando apenas lembrá-lo. A crise começa no sector dos empréstimos hipotecários americanos. Ela é o resultado de uma técnica bancária nova que consiste em conceder empréstimos suficientes para se tornar proprietário da sua habitação a toda uma população com rendimentos médios ou mesmo baixos, sem se preocupar com as possibilidades de reembolso. A esperança de ganho para os credores já não se baseava no pagamento dos alugueres, mas sobre o valor das casas que se expropriará e revender-se-á. Mais ainda, os detentores desses créditos de cobrança duvidosa sabem perfeitamente que os títulos de que se apropriaram estavam adulterados. Em vez de os analisar, fazer provisões e de os submeter à avaliação das autoridades de regulação ou às agências de rating, optaram por misturá-los com outros menos incertos e depois vendidos a um novo conjunto de investidores no mercado global - a mistura com os créditos derivados assegura a opacidade total. Desse modo, todos os grandes bancos do mundo viram os seus balanços contaminados com créditos incertos de valor incalculável, gerando uma crise de confiança entre os bancos que rapidamente se transmitiu ao sistema financeiro global, conduzindo a uma liquidação de activos em larga escala, que afectou todos os segmentos do mercado financeiro e, de forma particularmente acentuada, o mercado monetário. É de destacar que os bancos começaram a desconfiar uns dos outros e as taxas das operações sem garantia no mercado monetário foram significativamente afectadas por prémios de risco de liquidez e de crédito, o que determinou o surgimento de diferenciais positivos e significativos face às taxas de juro oficiais. De notar que isso condiciona a transmissão das alterações das taxas de juro oficiais às taxas de juro bancárias. A conjugação destes factores constitui o mecanismo de agravamento da crise financeira e, ao mesmo tempo, a sua transmissão à economia real. Este facto é particularmente relevante para a economia cabo-verdiana, tendo em conta a prevalência de uma estrutura de mercado bancário doméstico de quasi-monopólio.

Caminhou-se assim para a primeira grande recessão do século XXI, com os accionistas fortemente organizados em fundos de pensões, fundos de investimentos e hedge funds (fundos de arbitragem). Os accionistas tomaram muitas vezes o poder e sempre com fortes minorias em quase todas as grandes empresas do mundo. Basta ver a parte dos rendimentos directos e indirectos do trabalho e do lucro (e dos impostos?) na partilha do PIB.

 

3. No que diz respeito a Cabo Verde, os diferentes indicadores económicos são muito claros e levantam os maiores receios: as necessidades de financiamento do sector público administrativo alargado bem como as necessidades de financiamento externo da economia atingiram, durante um número significativo de anos, valores intoleráveis. Como os dados do último Relatório da Política Monetária do Banco de Cabo Verde (BCV) nos revelam, neste final de 2015, a situação económica e financeira do país é crítica. Há certamente um elemento conjuntural resultante da crise europeia e mundial. Só que, além desse factor, há os problemas económicos internos e estruturais, agravados com a política económica insustentável do actual governo. A iniciativa governamental de tentar inverter as consequências da crise financeira global com investimentos em capital físico não reprodutível - infra-estrutura material em estradas asfaltadas, casas «para todos», barragens,.. – financiados essencialmente através do endividamento externo, foi profundamente errada e traduzir-se-á num peso muito oneroso para a nossa economia. Mais ainda, o actual governo teve de recorrer ao empréstimo externo para fazer face às suas necessidades de financiamento, internas e externas e, no final de 2015 a dívida em divisas do Tesouro estará à volta de 2 mil milhões de US dólares. Acresce que a incapacidade de fazer e explicar reformas estruturais – algumas das quais não eram fáceis mas incontornáveis – e.g., a reestruturação das empresas públicas – revela também a incompreensão (ou bloqueio ideológico ou mitos… companhia de bandeira!) e a inacção sobre os factores internos já que elas são inevitáveis e cruciais para um novo ciclo da política económica.

O esforço de reinvenção da economia cabo-verdiana para construir um futuro para o País será longo e difícil, porque como tentei mostrar, ela implica um certo número de reformas estruturais, bem como a correcção dos desequilíbrios que se agravaram com os erros dos últimos sete anos até atingir um ponto crítico.

No imediato vai-se colocar, e coloca-se já, um problema de financiamento dos défices, quer interno quer externo. A capacidade de poupança doméstica continua fraca e devemos encontrar as fórmulas que nos permitam mobilizar de maneira mais intensiva a poupança no mercado global, quer para o reembolso parcial da nossa dívida externa, quer para o financiamento da política económica do governo newcomer – política macroeconómica, política industrial e política do emprego.

 

*Mestre em ECONOMETRIA, ULB; antigo Economista Sénior no Banco de Portugal.

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Autoria:Paulo Monteiro Jr.,21 dez 2015 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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