Depois de ouvir na semana passada, na última sessão da VIII legislatura, o chefe de Governo José Maria Neves repetir o seu mantra da «agenda de transformação», confortei a convicção que já tinha manifestado nestas colunas: vive em auto-ilusão permanente. O chefe de Governo cultiva um estado de negação sobre as evidências mais singelas, nomeadamente o falhanço da sua estratégia e dos objectivos de política, a saber: uma taxa de crescimento suficientemente elevada do produto interno (ou uma taxa de desemprego mínima), contas externas equilibradas e solvabilidade das contas públicas. A realidade dos números apresentados para estes objectivos é dura e dá hoje em dia uma visão simplificada mas significativa da situação extraordinariamente difícil da economia cabo-verdiana.
É esta realidade que o governo recusa confrontar – e que existe contra si - insistindo no seu mantra da «agenda de transformação». A mensagem implícita deste mero slogan é: sabemos que o governo não fez tudo… mas queremos continuar no poder. Porém, numa democracia, num sistema de avaliação periódica, são os resultados dos objectivos de curto prazo e médio/longo prazo – reformas estruturais, diversificação da economia, competitividade e bem-estar dos vários segmentos da população – que normalmente levam os eleitores a escolher o que pretendem: a continuação do partido incumbente ou a mudança. Não se fique, contudo, com a ideia de que este mecanismo das eleições está isento de dificuldades e …
Neste contexto das estratégias para resolver os nossos problemas estruturais, há que falar da política monetária e da política orçamental/fiscal. Os instrumentos tradicionais de política monetária, como compreendido por muitos e hoje sentido por todos, não funcionam em Cabo Verde. As medidas convencionais, designadamente a queda das taxas directoras do Banco de Cabo Verde (BCV) e do coeficiente das reservas obrigatórias, destinada a revitalizar a economia cabo-verdiana, não teve o seu efeito esperado quer no bolso das pessoas que pedem empréstimos dos bancos, quer nas empresas não financeiras. Tal como no caso das famílias, as empresas privadas continuam a não sentir um alívio das suas condições de financiamento bancário, porque a avaliação do risco é cada vez mais rigorosa, devido, entre outros factores, a percentagem elevada dos incumprimentos no balanço das instituições de crédito cabo-verdianas (NPL). A política monetária, deste modo, falhou o seu objectivo e, para mantermos a credibilidade do BCV, devemos ter sinais de que há uma estratégia alternativa para a política monetária actual.
Com o seu forte apetite de intervenção na economia, o governo fez uma utilização exagerada do instrumento das despesas públicas, com custo efectivo intolerável do sector público cabo-verdiano para o conjunto da economia – total do endividamento do conjunto do Sector Público Administrativo (SPA) e empresas públicas. O crescimento, a competitividade e a coesão da economia cabo-verdiana foram muito pouco influenciados pela sangria despesista do governo, tendo os cabo-verdianos como consolação níveis alarmantes de desemprego e sub- emprego, perda do poder de compra, asfixia das empresas do sector privado e...horizontes indefinidos do rácio da dívida pública excessivo. Note-se que a dívida pública externa, a assumida mais a disfarçada, deve estar próxima dos 100 por cento do produto interno bruto (PIB), a qual continuará a constituir uma restrição nas decisões dos agentes económicos. Adicionalmente, refira-se que a subida brutal do nível de endividamento soberano ao longo dos últimos sete anos, exige a manutenção de excedentes nas contas corrente e de capital da balança de pagamentos no médio/longo prazo.
O que se joga nos próximos anos é a reestruturação do elevado nível de endividamento público e o reposicionamento do país numa rota de crescimento robusto e sustentável. Para equacionar e implementar boas respostas a estes desafios, Cabo Verde precisa de um novo Governo com uma boa estratégia de entrada em funções, distinguindo os objectivos de curto prazo dos de médio (em geral interpretado como dois a três anos) e longo prazo.
O termo estratégia tem uma forte conotação militar e aparece muitas vezes associado com o exemplo que se dá dos americanos querendo ganhar a 2ª guerra mundial. Que estratégia escolher? O estado-maior está perplexo e muito dividido. Por conseguinte, encarrega uma pessoa para lhe preparar um relatório sobre as estratégias, ou seja, sobre os termos de escolha. Na posse dele, o estado-maior escolherá.
O relatório parte, como é sabido, da descrição da situação. Em seguida, interessa analisar a prioridade sugerida dos objectivos a atingir: por exemplo, no nosso caso concreto, crescimento do emprego e redução do défice externo.
Consideremos em especial uma primeira estratégia. Ela passa por: um peg fixo bilateral ao euro e comporta dois volets:
1. Uma redução das contribuições patronais para a segurança social (INPS).
2. O financiamento desta redução através de uma subida do IVA e de um aumento dos impostos directos.
Estas medidas alteram os preços relativos no sentido desejado. A redução das contribuições sociais patronais melhora a competitividade e o aumento do IVA faz aumentar o preço dos bens importados. Porém, é essencial criar as condições para que o efeito se materialize pela via da criação de capacidade produtiva em sectores sujeitos à concorrência internacional.
A alteração dos preços relativos reorientará a médio prazo a procura estrangeira e nacional no sentido desejado O efeito final deve, contudo, ter em conta os efeitos induzidos sobre os rendimentos reais e a procura. O efeito sobre o emprego poderá ser estimado com um modelo econométrico.
O sucesso da economia cabo-verdiana a curto, a médio e a longo prazo dependerá essencialmente de um governo capaz de implementar uma exigente agenda de reformas estruturais, de fazer boas escolhas estratégicas, muito trabalho e boa sorte.