Poluição sonora é hoje uma designação chique para o incómodo que provoca o «som» em níveis elevados (acima dos 60 Decibéis) e que prejudica seja uma pessoa, seja os habitantes de um prédio ou de um bairro. Barulho, é a designação popular deste tipo de incómodo, um conceito «popular» que abarca os sons de todas as origens, por exemplo de obras ou de oficinas, de bares esplanadas e discotecas, de ajuntamentos de pessoas, música no geral em alto volume, ruídos de qualquer origem etc. etc. O «barulho» no âmbito desta definição popular entre nós, tem especial impacto à noite, no chamado período de vigília entre as 22 horas e as 7 horas da manhã do dia seguinte. É neste período que se registam os maiores conflitos entre os produtores de «barulho» e os que querem descansar. E neste ponto tem especial realce, o «barulho» produzido por festas, convívios, música em bares discotecas e até espectáculos. Convém frisar que as festas e convívios em geral em casa de aniversariantes ou organizados por algum motivo especial, são eventos ocasionais e o «barulho» cessa, a partir de uma certa hora geralmente o mais tardar à meia-noite. Já os bares, pubs, discotecas (e similares) constituem um problema grave porque permanente ao longo da semana e que se prolonga noite adentro muitas vezes até depois das 6 horas e 30 do dia seguinte!
Numa análise mais séria, digamos científica a “poluição sonora refere-se ao efeito danoso provocado por sons em determinado volume que superem os níveis considerados normais para os seres humanos.” Mas podemos apresentar uma outra dimensão da questão: “A poluição sonora ocorre quando num determinado ambiente o som altera a condição normal de audição. Embora ela não se acumule no meio ambiente, como outros tipos de poluição, causa vários danos ao corpo e à qualidade de vida das pessoas.” Quanto aos efeitos, citamos: “A poluição sonora atrapalha diferentes atividades humanas. Independentemente dos altos níveis sonoros serem potencialmente agressores aos ouvidos, a poluição sonora pode, em alguns indivíduos, causar estresse, e com isto, interferir na comunicação oral, base da convivência humana, perturbar o sono, o descanso e o relaxamento, impedir a concentração e aprendizagem, e o que é considerado mais grave, criar estado de cansaço e tensão que podem afetar significativamente o sistema nervoso e cardiovascular.” E mais, a poluição sonora frequente, por exemplo, através de som de elevada potência (acima dos 80 a 100 decibéis) pode causar danos à saúde humana. E o problema não é de hoje, já em 1910 o célebre cientista Robert Koch Premio Nobel da Medicina de 1905 profetizou: “Um dia a humanidade terá que lutar contra a poluição sonora, assim como contra a cólera e a peste”.
O problema do «barulho» sobretudo à noite é uma questão que existe em Cabo Verde, desde há longos anos e tem merecido a atenção das autoridades, mas o acatar ou aceitação de normas reguladoras também ao longo dos tempos tem sido motivo de discórdia. No tempo colonial, por exemplo, para a realização de bailes e convívios, era necessário uma «licença» e para tal, era preciso apresentar uma declaração dos vizinhos, em como aceitavam ser incomodados! Para as serenatas, também era necessário a tal licença, mas, neste caso não só era definido o período (entre tais e tais horas), como era definida uma área ou um limite de percurso. Não há dúvida, muitas destas normas eram vistas naquela época como uma forma de repressão, deliberações e despachos de alguns administradores até ficaram célebres! Mas, verdade seja dita depois do 25 de Abril de 1974 e depois a Independência, muitas das normas que regulavam a sã convivência foram abandonadas com consequências desastrosas e efeitos até hoje!
Com a popularização das discotecas e a utilização de aparelhagens cada vez mais potentes, o problema da poluição sonora ou do barulho à noite (e não só) intensificou-se paulatinamente e tem levado a conflitos e problemas de vária ordem. É que estes e outros estabelecimentos, não têm nenhum isolamento sonoro. Basta dizer que a intensidade de som é tal, que ultrapassa o interior desses estabelecimentos sendo perfeitamente audível na rua! Quando instalados em prédios de habitação, o som propaga-se pela estrutura do edifício incomodando em primeira linha os andares mais perto da fonte sonora. Na Praia e Mindelo a partir dos anos 1980 o problema ganhou cada vez maior proporção originando muita insatisfação. Note-se ainda, nos espectáculos, conferências, comícios etc. o volume de som, ultrapassa de longe os limites aceitáveis ao ouvido e definido pelas normas internacionais.
Nos anos 1990 foi feito um esforço para controlar e impor normas às discotecas e similares, com a publicação do DL 22/98 de 25 de Maio, BO nº 19, Iª Série, que exige no Art.3º a Obrigatoriedade de insonorização e de criação de condições de segurança, no Art. 4º, consagra o Princípio de interdição de construção e instalação em zonas residenciais e no Art. 5º define-se a Interdição de construção ou instalação junto de residências oficiais, serviços de saúde e unidades e serviços das Forças Armadas e Forças Policiais. Há ainda o Art. 7.º sobre a “Proibição da concentração de pessoas” na parte exterior desses estabelecimentos, diga-se uma medida acertada, pois para além do barulho produzido no interior, o falatório na rua em altos berros, muitas vezes sob o efeito bebidas alcoólicas, é outra fonte importante de poluição e também de desordens.
Na capital do país foi feito então um esforço para o cumprimento desta lei, com o que poderemos considerar um «empurrar» das discotecas para fora das zonas residenciais. Mas foi sol de pouco dura, porque se tem contornado aquela lei, com a concessão de licenças para «pubs» e outros estabelecimentos similares, em zonas residenciais e o flagelo da poluição sonora persiste. E assim surgiram outros poluidores, tanto de noite como de dia, como por exemplo bares, restaurantes, esplanadas e ultimamente ginásios, cuja música em alto volume incomoda a vizinhança.
Face à contínua gravidade do problema, foi aprovada a Lei nº 34/VIII/2013 de 24 de Julho, BO Iª Série nº 37, que cito “estabelece o regime de poluição sonora, visando salvaguarda do repouso, da tranquilidade e bem-estar das populações”. Na verdade letra morta até hoje, porque remete para um “Planeamento Municipal” e a realização de “mapas de ruído” o que até hoje não foi feito. “Cientificamente” esta lei estabelece a “Regulação da produção de ruído” cujos valores são medidos em decibéis, estabelece níveis para o período diurno e nocturno e até estabelece limites de ruído para motos e alarmes de carros! Ora, para se aplicar esta lei, são necessários sonómetros, formação de agentes na sua utilização, e quanto a mim, me parece, falta um regulamento! Será? Mas continuemos.
A tudo isto há ainda que chamar a atenção para a Deliberação n.º 47/2014 da Assembleia Municipal da Praia, BO n.º 69 II Série, 31 de Dezembro que aprova o “Código de Posturas do Municipio” da Praia. A questão do «barulho» ou «poluição sonora» é tratada no Capítulo VI do referido Código com o título “Repouso e tranquilidade dos munícipes”. O Art.º 81 enumera várias proibições relacionadas com a produção de ruídos e barulho nomeadamente, e citamos os mais importantes: “usar instrumentos musicais, aparelhagem ou instalações sonoras de qualquer tipo, para além das 20 horas com uma intensidade susceptível de perturbar o repouso dos munícipes, sem que tenha a competente licença.” O Art.º 83 diz que carece de licença “o funcionamento de qualquer espécie de emissor ou amplificador que projecte sons para a via pública”. Enfim o Art.º 84 proíbe expressamente “a utilização de aparelhagem sonora em viatura de qualquer natureza, em circulação, parado ou estacionado, com uma intensidade de som susceptível de perturbar (…) o repouso das pessoas, qualquer que seja a hora, do dia ou da noite.” Finalmente convém dizer que o incumprimento desta legislação leva à aplicação de multas, coimas e outras sanções, algumas elevadíssimas (mais de mil contos). Se conjugados os artigos de toda esta legislação a punição seria muito dura para os infractores, e com certeza serviria de exemplo! No entanto, até hoje ninguém foi punido, o problema persiste e não se leva a sério esta questão…
Medidas necessitam pois ser tomadas não só quanto à fiscalização (firme e rigorosa!), mas sobretudo na prevenção, ou seja a exigência prévia do cumprimento das normas estabelecidas na lei como condição para a concessão de licenças de funcionamento. Assim sendo, a insonorização é uma das condições a ser preenchida logo à partida, bem como a não instalação em zonas residenciais. Evitar-se-á assim, o círculo vicioso que se instalou e que têm origem num comportamento das pessoas, cuja resposta é dada por este proverbio muito antigo: o incomodado que se retire! Será mesmo assim? E se os incomodados resolverem responder com o olho por olho, dente por dente?… Ops! Som por som, barulho com barulho…
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 755 de 18 de Maio de 2016.