Os desafios da política económica cabo-verdiana

PorPaulo Monteiro Jr.,22 jun 2016 6:00

1

Enquanto o país continua a viver num clima de campanha eleitoral, a elaboração do Orçamento do Estado (OE) para o ano corrente converteu-se num exercício de gesticulação em volta da pesada herança do governo cessante. Por um lado, o partido que apoia o governo cessante insiste em ficcionar uma herança em termos de «redução» da taxa de desemprego e da infra-estruturação material deixada. Por outro lado, a maioria dos indicadores económicos – designadamente, a estagnação do crescimento do produto e o nível muito elevado do stock da dívida pública, sobretudo do endividamento em divisas do Tesouro – apontam para uma situação económica trágica. Para o novo governo, é imperativo estabelecer claramente um «inventário» da herança antes de falar de remédios.

O contexto económico internacional está actualmente repleto de incertezas e riscos. O ritmo de crescimento da economia mundial foi revisto em baixa por todas as instituições internacionais. De acordo com a OCDE, o crescimento mundial situar-se-á em 3 por cento em 2016, observando-se uma desaceleração nas economias avançadas e nas economias de mercado emergentes, com excepção da Índia. Uma nova recessão perfila-se outra vez no horizonte de alguns BRICs – Brasil e Rússia. Os cálculos recentes (Junho 2016) da OCDE apontam, para o conjunto dos 34 países - membros da Área, para uma taxa de crescimento de 1.8% em 2016 e de 2,1% em 2017. 

O referendo de 23 de Junho no Reino Unido sobre a continuação ou a saída da União Europeia, bem como uma possível vitória do candidato Republicano Donald Trump na eleição de 8 de Novembro nos Estados Unidos reforçam, ainda mais, as incertezas. Estas incertezas afectam de uma forma significativa as decisões de longo prazo, especialmente em matéria de investimento, o que limita os ganhos de produtividade futuros. Assim, será de esperar efeitos económicos (e não só) negativos de uma votação favorável à saída da UK da EU (Brexit) – associados a uma desvalorização significativa da libra e da bolsa de valores – nas economias britânica, da união europeia e do resto do mundo. Do mesmo modo, a eleição presidencial de Donald Trump – com o seu nacionalismo económico serôdio e perigoso - fará dos Estados Unidos o epicentro de uma profunda recessão global.

No que diz respeito a Cabo Verde, na degradação rápida da nossa situação económica e financeira há, sem dúvida, um elemento conjuntural global e temporário. A crise financeira e económica global de 2008 surpreendeu o governo cessante como também ela apanhou a maior parte dos governos desprevenidos. Só que, além desse factor, havia outros, internos – muitos dos quais radicam em problemas estruturais - fazendo com que o recuo conjuntural internacional atingisse em Cabo Verde uma economia estruturalmente débil e na qual coexistem níveis de desemprego alarmantes, particularmente dos jovens, uma situação de grande fragilidade das finanças públicas e um desequilíbrio persistente e profundo da balança de pagamentos correntes. A iniciativa do Governo cessante de tentar inverter as consequências severas da crise pelo anúncio e lançamento de grandes obras financiadas, essencialmente, com crédito externo – «casas para todos», barragens, estradas asfaltadas, etc. – traduziram-se num peso muito oneroso para o grosso da nossa economia – em particular, tornando a vida mais difícil para as pequenas e médias empresas privadas, onde está o grande potencial de crescimento de dinamismo da nossa economia. 

Nesse contexto, um dos grandes desafios com que o novo governo se confronta é reanimar a confiança do sector privado. Refira-se que a consolidação das finanças públicas cabo-verdianas constitui o desafio crucial e deve ser a prioridade central do governo. No entanto, subsistem outros desafios importantes – designadamente, o financiamento eficiente da economia, o aumento substancial da competitividade e uma taxa de crescimento do produto próximo do potencial.  

O Orçamento do Estado para 2017 não deve ser apenas um documento feito à medida e sujeito aos critérios exclusivos do governo incumbente. O OE-2017, nesta fase tão crítica da economia cabo-verdiana, deve incluir as medidas e propostas de um processo de consolidação orçamental negociado, no quadro de um Programa de Assistência Financeira, com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A consolidação orçamental tem por fim reduzir o défice público para níveis próximos de 3 por cento do produto interno bruto (PIB) e colocar a dívida pública numa trajectória descendente a médio prazo. 

A política económica de contração da despesa pública é mais complicada do que a política económica de expansão. Essas complexidades impõem não só a discussão dessas medidas e metas com os partidos políticos da oposição parlamentar mas também uma composição correcta na implementação da consolidação entre os lados das receitas e das despesas. Será inteiramente demagógico pretender que é possível poupar todos aqueles que não deveriam sofrer com elas. Contudo, as escolhas das medidas devem ser definidas com uma preocupação de verdadeira equidade, onde sejam sustentáveis uma redistribuição dos recursos disponíveis a favor das empresas privadas não financeiras – em particular das start-ups da economia digital - e de uma redução da desigualdade do rendimento, relevante para a coesão social no país.

Finalmente, o Programa deve ser abrangente em termos de metas e de medidas a implementar, com a condicionalidade a abranger não só objectivos relacionados com a consolidação orçamental, mas também reformas estruturais – em especial, reestruturação e privatização de empresas públicas. Para algumas destas empresas do sector empresarial do Estado (SEE) – com os seus custos implícitos e explícitos intoleráveis para as finanças públicas cabo-verdianas – hélas!, já não se pode esperar para amanhã: é hoje que devemos agir.

 

 

*Mestre em ECONOMETRIA, ULB; antigo Economista Sénior do Banco de Portugal.  

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 759 de 15 de Junho de 2016.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Paulo Monteiro Jr.,22 jun 2016 6:00

Editado porRendy Santos  em  17 jun 2016 17:05

1

pub.

Rotating GIF Banner

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.