O que Onésimo Silveira não disse na sua auto-biografia “falada”

PorExpresso das Ilhas,26 ago 2016 6:00

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“Acho excessiva a sua afirmação contra Aristides Pereira partindo do princípio de que era responsável pela segurança, logo ele é o responsável pela morte de Cabral”, José Vicente Lopes.

 

 

Onésimo Silveira, na sua autobiografia ”falada” teria surpreendido o próprio jornalista, autor do livro-entrevista, ao afirmar reportando-se à morte de Amilcar Cabral: “Havia de facto um problema de segurança e nisso o Aristides era o principal responsável. Ele é que era o responsável pela Segurança”.

“Uma Vida, um mar de histórias”, é mais um trabalho de José Vicente Lopes (JVL), que não dado a histórias de Carochinha, enfrentou momentos de “verdadeiras pegas” com o narrador.

As histórias do O.S. “algumas inacreditáveis de tão espantosas”, dão-nos, também, a dimensão da sua outra face: um “Maradona” em engendrar factos e gerar polémica, qual Cicero que dizia que tinha que estar sempre na praça de Atenas, pois de contrário ningúem se lembraria dele.

O autor do livro “Tortura em nome do partido único”, em 2001 não só apoiou a candidatura de Pedro Pires às presidenciais, mas fez questão, como assumiu na altura, de fazer campanha contra Carlos Veiga. De seguida eis que aparece como embaixador em Lisboa, sem que até então nenhuns dos torcionários identificados naquele livro tivessem sido levados a julgamento.

Insensível ao sagrado respeito devido aos mortos, O.S. diz de forma surrealista: ”Se se fizesse uma estátua ao primeiro PR de Cabo Verde eu contribuiria, esquecendo-se que ele se chamava Aristides Pereira”, ignorando o princípio de que “é preciso respeitar as pessoas porque são pessoas, não porque são úteis”.

No que se refere ao assassinato de Amílcar Cabral, o depoimento “agita consciências e gera discussões”, sobre todas as versões conhecidas até esta data.

Onde estão as forças vivas da sociedade cabo-verdiana? No meio de curadorias, orquestra, ballet, conservatória, fototeca, circo, e outros mimos e fantasias do lunático Mário Lúcio, esqueceu-se de uma comissão de ética. ”Nem só de pão vive o homem”.

Tal o estado de amorfismo a que chegamos: um silêncio sepulcral à volta de questões que estremecem a alma da nação.

“RECADO A UM CAMARADA MORTO

 

Alguém descortina o porquê de O.S. ter ficado mais de quarenta anos à socapa, esperando que o homem morresse, para vir expulsar toda a sua bílis?

No seu recado a “um camarada morto”, o controverso Dr. “honoris causa” diz que Aristides tinha uma dimensão institucional, instrumental e que de intelectual não tinha mesmo nada.

Os companheiros de Madina de Boé, auto-intitulados em 1975 de (os melhores filhos da nossa terra), intelectuais, académicos e historiadores, de Brito Semedo a Daniel Pereira, este que foi delfim de AP, torceram o nariz ou simplesmente emudeceram-se.

 Depois de olhos fechados, A.P. não contou com nenhuma alma em sua defesa, nem mesmo os parentes mais próximos. Sequer a ACOLP - Associação dos Combatentes de Liberdade da Pátria, mais preocupada com cálculos de mordomias e decorações nos cemitérios, deu sinais de vida.

Haverá razões plausíveis que justifiquem que ninguém viesse ao socorro de A.P? Se a solidariedade de “minis de soncente” em não perturbar o seu poeta compreende-se, o mesmo já não se poderá dizer da elite política e intelectual.

Longe de nós fazer o papel de advogado do diabo, o primeiro presidente de Cabo Verde deveria ser avaliado na sua época e contexto, embora possa “não ter deixado grandes obras,” como dizia o exímio escritor do Norte.

 

A NOSSA HISTÓRIA RECENTE

 

“Fiquei também com a sensação que o Sekou Touré não derramou uma lágrima pela morte de Cabral”, O.S.

”É fácil pôr os cabo-verdianos a discutir de forma extremada. Basta pegar no tema do assassínio de Amílcar Cabral.” Cada obra que sai sobre essa questão parece aumentar mais dúvidas do que mitigá-las.

Recentemente, JMN ao interligar aquele trágico acontecimento com o dissenso interno no seio do PAICV, muita gente veio ao terreiro manifestar a sua indignação, inclusive alguns “cristãos novos” convertidos em democracia, quando em 91, um dos seus mais proeminentes defendia com fervor que o poder não se entregava de bandeja.

Afinal, Srs. mestres, o que vamos dizer aos mestrandos no dia dos heróis nacionais? Quem são de facto os heróis nacionais? Qual é a verdade sobre a morte de Amílcar Cabral? As torturas em nome do partido único e o dia negro das calças roladas, 31 de Agosto?

 Como vamos explicar “às flores da nossa revolução” (na era do Face- book) que “os mutilados de guerra quando souberam que Cabral tinha sido morto, indivíduos sem pernas e sem braços, aos gritos, davam saltos de contentamento”.

 Como persuadir os mancebos a legitimidade do dever de continência aos torcionários do tempo da feroz ditadura dos anos setenta?

Pior do aquele cenário macabro talvez seja a imoralidade e o masoquismo - em coexistir com o Estado, dito de direito - a ressuscitar e saldar dívidas com antigos oficiais camaradas, inclusive os algozes que introduziram máquina de choques eléctricos no país e lhes consagrar direitos especiais: elevados a dignidade do Estado e devidas as honras e deferências.

Como não há mal que por bem não venha, o debate lançado por O.S. leva-nos a intuir que com relação à verdadeira crónica da luta de libertação nacional, a procissão ainda vai no adro: Josefina Chantre tem algumas coisas para contar, mas o certo é que no dia em que o comandante Pedro Pires decidir abrir o jogo, Cabo Verde tremerá de S.Antão a Brava.

P.P., testemunha omnipresente da luta armada, política e diplomática, qualificado como “um homem sereno” por Sekou Touré, de entre muitas coisas que lhe vai na alma, um vidente auspicioso ousaria prognosticar algo parecido com: “Perdoa-lhes por que não sabem o que dizem”.

A abeirar-se de meio século dos acontecimentos - a história exige distanciamento - já é altura do nebuloso arquivo do PAIGC/CV abrir-se aos investigadores, para se desenterrar as verdades e enterrar os mitos e mentiras vendidos ao longo de décadas.

Não podemos continuar, eternamente, no jogo de palavras e no meio do fogo cruzado de especulações e deturpações, uns defendendo que já é altura de parar com o culto de personalidade, enquanto outros vêm, com a mesma “lenga-lenga” de sempre, ou seja, a ”insuficiência com que se trata aquele que é considerado o fundador da nacionalidade cabo-verdiana”. “Já é tempo de revermos a História, sobretudo determinados factos mal contados e repor a verdade”.

 

“ROMA NÃO PAGA A TRAIDORES”

 

“Não sei porquê o Aristides sempre teve uma reserva visceral contra mim. O Aristides era daqueles que dizia que era preciso cortar as rédeas ao O.S.”

Qual seria a motivação de A.P. em opor, tão tenazmente, ao regresso do Cuxim ao seio da família tambarina? Mas porque tamanho desejo de regresso?

Um ex-chefe pela segurança teria, seguramente, informações a mais e que não deixaria vazar de ânimo leve, tanto mais para quem veio a tornar-se o mais legítimo representante da nação.

AP, “austero e introvertido”, pode não ter sido inteligente, mas teria o bom-senso suficiente para elencar bem as razões “ de cortar as rédeas” ao insurgente.

Quando O.S. rompeu com o partido, as relações “amor-ódio” não ficaram por aí. Em vez de deitar toalha ao chão, persistiu em questionar a liderança do PAIGC.

Amílcar Cabral morria de amores pelas terras de Juliana e Olof Palme bem como todo o Norte da Europa, onde o partido encontrara uma guarida e simpatia espectacular, tanto política como nas midias, contrariamente ao que acontecia com os demais países a Sul.

Foi exactamente nesse ponto nevrálgico que o astuto O.S. resolveu contra-atacar: iniciou uma cirúrgica campanha para desacreditar o PAIGC junto da diáspora, pessoas influentes, militantes e simpatizantes.

 Sendo essa região, particularmente a Suécia, tida como princesa dos olhos do partido, a cúpula levou mãos à cabeça, conhecendo a capacidade mobilizadora e destreza política do O.S., bem como o à vontade com que se movia por essas bandas.

Consta que Cabral face ao tremendo problema de salvaguardar a imagem do partido, acalmou o burburinho à sua volta, com esta frase lapidar: “-Temos que saber lidar com o veneno”.

Uma missão fora despachada à Europa para contactar e negociar com O.S., com objectivos dignos de se tirar o chapéu: não apenas parar com a maldita campanha, mas reparar os danos já provocados e restaurar o bom nome do partido.

Missão cumprida, convencido o Onésimo, “apesar de custar um balúrdio”, não se sabe com que contrapartida, o mesmo teria feito um percurso inverso ao caminho então percorrido, desdizendo tudo quando antes a sua imaginação concebera naquela sórdida campanha.

Regressado a Conakry, supostamente, para receber o “award”: expectativa nalgum cargo ou sabe-se lá um posto diplomático “específico”, foi reiterada “de jure” a sua expulsão do partido: “-Roma não paga a traidores”. (De se supor que Sekou Touré, não teria sido a única pessoa a não derramar uma lágrima pela morte de Cabral).

Será esta a razão que levou AP a ter dito sempre “não” à reintegração do “Judas”? A história um dia esclarecerá.

Duma coisa tanto os críticos como os admiradores de O.S. são unânimes: a frustração do seu não regresso à ONU – o seu ponto fraco - levou-o a uma angústia existencial perene. Mas porquê tamanha obsessão?

Cadé jornalismo de investigação: “uma imprensa livre não significa uma imprensa activa”.

 Nas próximas gerações, a acreditar numa velha crença popular do interior da “República” de Santiago, médiuns poderão enxergar, no dia do juízo final, as mãos do Onésimo Silveira, a sanar por cima da sepultura em aflição permanente, por não ter completado a sua maior obra terrena: a fome insaciável do retorno triunfal à ONU. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 769 de 24 de Agosto de 2016

 

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Autoria:Expresso das Ilhas,26 ago 2016 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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