Com o anúncio público, mais uma vez, de que em breve a Cidade da Praia, capital da República de Cabo Verde, vai ter o seu estatuto administrativo especial, feito pelo presidente Ulisses Correia e Silva, em Vila Nova, no dia 20 de Agosto p.p., desta vez, com o prenúncio de garantia da sua aprovação na Assembleia Nacional, uma coisa julgo certa: “à terceira é de vez”!
1. O imperativo constitucional
O “pluriconsenso” sobre o Estatuto Administrativo Especial para a Cidade da Praia resulta do imperativo constitucional e da necessidade absoluta e urgente em dotar a Capital da Republica de Cabo Verde do seu estatuto especial, para dar respostas ao desafio do seculo XXI do desenvolvimento sustentável e a dinâmica da transformação urbana da Praia única cidade-capital do país.
Dispõe o artigo 10º Constituição da Republica de Cabo Verde que a Capital da Republica de Cabo Verde é a cidade da Praia, na ilha de Santiago e consagra que Capital da Republica goza de estatuto administrativo especial, nos termos da lei.
Se é certo que há um consenso tripartido dos órgãos de soberania, a saber: Presidência da Republica, Governo e Assembleia Nacional, o problema é saber se os Deputados da Nação e representantes do povo garantem a maioria especial de dois terços para aprovação da Lei que materializa o que está consagrado, na Constituição da Republica de Cabo Verde, na sua revisão de 1999, ou seja, passados 17 (dezassete) anos depois da constitucionalização dessa prerrogativa para a Capital do arquipélago que, salvo respeito pela opinião contrária, parece-me não questionável do ponto de vista de igualdade.
Recorde-se que a S.E. Presidente da República e de todos os cabo-verdianos, Jorge Carlos Fonseca, apelou aos agentes políticos do país, em Maio do ano passado, para aprovarem o Estatuto Administrativo Especial para a Cidade da Praia, previsto na CRCV, em consequência da revisão de 1999, entretanto os agentes políticos, em particular os Deputados da oitava Legislatura, não chegaram ao consenso, contrariamente, o que aconteceu com a unanimidade na aprovação do próprio estatuto vulgo “Estatuto dos Titulares de Cargo Políticos”.
Como se vê, juízes em causa própria, por um lado, tendo o Presidente da República lamentado na altura que o Estatuto Administrativo Especial da Praia “continuava a ser letra morta e que não era bom que a Praia cidade-capital ainda não tinha o seu estatuto especial”, por outro, citou o caso do Tribunal Constitucional que 14 anos depois da sua consagração veio a ser instituído e implementado. Em Dezembro p.p., disse que Estatuto Administrativo Especial é urgente para ajudar a Praia na resolução dos seus problemas resultantes da capitalidade
Tendo-se a Cidade da Praia transformado, ao longo dos seus 158 anos, no maior centro urbano, com mais de 150 mil habitantes, todos reconhecem que é a hora da Capital deste arquipélago, por direito constitucional, ter o seu legítimo estatuto especial, como ensina a bíblia quando César perguntou a Jesus se ele já tinha pago o seu tributo e Ele respondeu-o, dizendo: “Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
2. O consenso e a maioria especial
Portanto, como se vê, se há um “consenso generalizado” sobre o Estatuto Administrativo Especial da Capital do país, o denominado “Consenso da Praia”, significa que o que é bom para Praia é bom para todos, e pode mesmo dizer-se que a Cidade-Capital é de todos os cabo-verdianos, onde reside mais de 150 mil habitantes, 30% da população residente nas ilhas e um dos grandes polos do desenvolvimento do país, com pessoas de Santo Antão a Brava a viver e a procurar felicidade na Praia cidade-capital.
Como bem se lembra, Ulisses Correia e Silva disse que a iniciativa legislativa de atribuir, nos termos da lei, o Estatuto Administrativo Especial à Cidade da Praia depende do Governo e do Parlamento (entende-se Assembleia Nacional), também disse na altura (há um ano atrás) que não fazia prognósticos quanto a uma possível data para a sua aprovação no Parlamento.
Ora, já empossado Primeiro-Ministro de todos os cabo-verdianos, Ulisses Correia e Silva disse, com convicção, que a Cidade da Praia vai ter o seu Estatuto Administrativo Especial, porém alertou que se trata de uma iniciativa legislativa que requer uma maioria qualificada no Parlamento, nos termos do artigo 161º da CRCV que prevê, nesta matéria do artigo 176º, uma maioria especial de dois terços dos Deputados, ou seja, não depende exclusivamente do Governo e da “maioria” ou da situação.
O mesmo se diga que o Ministro da Presidência do Conselho de Ministros já tinha anunciado, em 9 de Julho p.p., e em conferência de imprensa, que a Proposta de Lei que aprova o Estatuto Administrativo Especial da Praia chegaria ao Parlamento, ainda em Julho, e que essa decisão estaria enquadrada numa agenda legislativa para a Descentralização do Estado e previa a sua discussão no Parlamento entre Outubro e Novembro f.p., já com os acordos a nível partidário e dos grupos parlamentares.
A terceira será de vez, porque como vimos há um consenso de “Todos”, desde o Presidente da República, o Governo, os partidos, bem como os candidatos à Presidência da Câmara Municipal da Praia dos dois maiores partidos. Recorde-se que, em Novembro de 2007, o Governo da sétima Legislatura aprovou o Estatuto Especial para a Cidade da Praia e não houve consenso a nível do Parlamento para a respetiva aprovação da Lei de 2007. No final da oitava Legislatura, o Governo voltou a submeter uma nova Proposta de Lei que iria ser apreciada pelos Deputados em Junho de 2014 foi retirada da agenda parlamentar em algumas sessões por falta de consensos entre os dois maiores partidos.
Se é certo que não houve consenso nas iniciativas anteriores, neste momento, a sintonia e o consenso entre os dois maiores partidos sobre o Estatuto Administrativo Especial da Praia assinalam que a maioria qualificada será garantida para aprovação da Lei, senão vejamos: do lado do Movimento para a Democracia (MpD), no poder e Governo, o seu Presidente, Ulisses Correia e Silva e Primeiro-Ministro já anunciou para breve o Estatuto Administrativo Especial da Praia; da parte do Partido Africano para Independência de Cabo Verde (PAICV), na oposição, a Presidente, Janira Hopffer Almada, assumiu publicamente que, do lado do agora maior partido da oposição existirá toda a disponibilidade para viabilizar o Estatuto, mas mais, defende, para além do Estatuto Especial, a criação da Região Metropolitana.
Portanto o MpD, no poder, e o PAICV, na oposição reiteraram a disponibilidade para viabilizarem o Estatuto Administrativo Especial da Cidade da Praia e o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva garantiu que “em breve a Praia cidade-capital vai ter o seu tão reivindicado Estatuto”.
3. O financiamento do custo da capitalidade
Finalmente, sobre a problemática do financiamento do “custo da capitalidade” e do Estatuto Administrativo Especial para a Cidade da Praia, no que respeita ao reforço dos meios financeiros para o financiamento das despesas publicas da Cidade-Capital Município da Praia, existe uma panóplia de fontes de financiamento para resolução do “gap” que existe entre os recursos disponíveis e as necessidades incomensuráveis de intervenções nas áreas de requalificação urbana, habitação ou reabilitação, ambiente, saneamento e agua, segurança urbana, entre outros.
A este respeito, nas propostas anteriores, conferia à Capital alguns recursos financeiros adicionais, nomeadamente, uma permilagem de 0,005 por cento das receitas fiscais não consignadas, o que ascenderia na altura um montante de 40% do fundo de financiamento que caberia ao Município da Praia.
Outrossim, existe cenários de financiamento alternativos que poderão viabilizar a sustentabilidade do Estatuto Administrativo Especial da Praia, tais sejam participação directa em parte da arrecadação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS) e outras fontes, designadamente, lançamento de derramas, criação de taxa de protecção civil consignada ao financiamento da protecção civil e da polícia municipal, e receitas da tributação do património imobiliário, tendo em conta que a Cidade da Praia apresenta uma dinâmica urbana transformadora e uma economia a crescer e de maior expressão no contexto nacional.
*Economista e Mestrando em fiscalidade, Docente universitário
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 774 de 28 de Setembro de 2016.