Primeiramente parabenizar o Dr. Jorge Carlos Fonseca pela contundente vitória que, como tenho dito, resulta da excelência do trabalho levado a cabo durante o primeiro mandato. Ganhar uma eleição presidencial em Cabo Verde, na primeira volta, com mais de 70 porcento dos votos é, como disse o presidente eleito, histórico: o trabalho de ontem, neste caso do mandato, é a razão da vitória de hoje.
Como se disse, um bocado por toda a parte, Jorge Carlos Fonseca tinha como principal adversário a abstenção e a sua direcção de campanha teve como foco, mais do que convencer as pessoas do porquê votar nele, levar as pessoas a irem votar, pois a orientação do voto da grande maioria dos Cabo-Verdianos estava à partida decidida. Este quadro político surgiu essencialmente por três motivos: o desgaste que três eleições no ano provocam; a ausência de um adversário à altura da dimensão política e intelectual do Zona; e, por último, o virar, cada vez mais preocupante, das costas da sociedade para os políticos e para a política de uma forma geral que tem dado um destaque cada vez maior à abstenção.
O facto de se ter ultrapassado a fasquia dos 90.000 votos coroa de sucesso o projecto do “Presidente sempre junto das pessoas”, visto que a perda de cerca de 5.000 votos, relativamente à eleição de 2011, pode ser facilmente justificada com o desgaste de três eleições no ano e a ausência de um concorrente à altura. Ninguém tem dúvidas de que se o candidato fosse o ex-Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Dr. José Maria Neves, teríamos uma outra dinâmica nestas eleições a começar por um engajamento frontal, firme, esperado, legítimo e coerente do PAICV. Ficamos sem perceber a estratégia de não se ter formalizado o apoio ao Dr. Albertino Graça, que contou com o apoio “informal” das estruturas do partido.
Relativamente à questão da abstenção, penso que a pergunta deve ser primeiramente dirigida ao PAICV pois, para além dos naturais abstencionistas (normalmente cerca de 30%), são na sua grande maioria eleitores que têm por hábito votar PAICV que se juntaram ao movimento #eunãovouvotar. As perguntas que ficam: porque o PAICV não conseguiu mobilizar uma candidatura com peso político e com maior respaldo interno? Estamos perante um divórcio entre a actual liderança e o seu eleitorado de base? Estes eleitores podem ser considerados “solteiros”?
A meu ver a grande verdade (e ainda bem que é assim) é que temos o crescimento de um novo perfil de eleitorado – os politicamente solteiros – mais crítico que, embora possam ter opções políticas mais à esquerda, ou à direita, não reagem da mesma forma que os convencionais militantes de partidos. São mais exigentes, críticos, esclarecidos e não querem ser instrumentos ao serviço de interesses e lógicas de grupo. Assumem, cada vez mais, a sua liberdade política e o direito de escolha em função de critérios objectivos e não unicamente por uma afiliação partidária que muitas vezes não é ideologicamente consequente.
É neste novo plano que se vem estabelecendo a relação da sociedade com a política e os políticos. É este o quadro que tem determinado a deterioração desta relação e suportado o crescimento da abstenção.
Um enquadramento complexo e sensível onde os políticos, os partidos e as instituições políticas têm de laborar. É este o quadro que suporta o surgimento e o crescimento exponencial de partidos como PODEMOS e CIDADANOS que têm a Espanha num impasse e sem condições de formar governo há cerca de um ano, que levou ao poder, em Grécia, um impensável Syriza, coligação da extrema-esquerda, ou que mantém o extravagante Donald Trump ainda na corrida (com grande chance de vencer) às eleições Presidenciais nos USA. Um terreno fértil para o surgimento de partidos extremistas que atacam nichos do mercado eleitoral, com recurso a linhas discursivas anti-sistema, anti-mercado, raciais e muitas vezes anti-democrático.
Pelo que é excessivo e injusto se tentar fazer a análise da tendência crescente da abstenção apenas à luz das eleições presidenciais de Cabo Verde, ou fazer passar a ideia de que este exponencial da abstenção tem a ver com o primeiro mandato do Jorge Carlos Fonseca, ou com os 6 meses de governo do MpD. É um problema global onde todos somos chamados a capítulo: o MpD, o PAICV e, eventualmente, qualquer outro partido que venha a surgir, bem como a sociedade civil organizada, ou o comum cidadão. É preciso muita reflexão e, sobretudo, muita elevação e responsabilidade por parte da classe política e, sobretudo, dos partidos.
Este é um problema transversal que ultrapassa as fronteiras de Cabo Verde, é um problema do nosso modelo social e político. É, se quisermos, uma oportunidade, um estímulo positivo para a elevação do nível da política, um estímulo à transparência, ao trabalho e à supremacia da lei.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 776 de 12 de Outubro de 2016.