Dinâmicas Culturais

PorExpresso das Ilhas,4 abr 2017 6:45

Existe um consenso geral que o primeiro Homem surgiu em África, há cerca de dois milhões de anos atrás, de onde se espalhou por todo o mundo e se adaptou às diferentes condições naturais para sobreviver. 

Assim, partindo da relação Homem/Meio procurou aproveitar os recursos que o ambiente lhe oferecia e dessa acomodação resultaram as diversas sociedades que surgiram por todo o globo, diferindo sensivelmente umas das outras consoante os respetivos usos, costumes, práticas, ações, crenças, comportamentos, valores, instituições e regras que permeiam as comunidades instaladas num determinado espaço/tempo. 

Deste modo, as pessoas vivendo em grupo pautam suas vidas por normas pré-estabelecidas e tendem a ultrapassar as suas próprias idiossincrasias, na medida em que o todo vigente se impõe espontaneamente ao individual, num processo de significativa adequação do ser aos diversos níveis da envolvente sociocultural e consoante díspares capacidades de agir, disso gerando o suporte básico para construção das respetivas culturas, também complementadas pelas marcas que o Homem imprime na Natureza. 

Característica essencial e que apenas as sociedades humanas são detentoras, a cultura resulta de um processo adaptativo acumulado ao longo dos tempos e, como tal, constitui a herança identificadora da singularidade representativa de cada comunidade, visto agregar os valores que patenteiam a respetiva especificidade.  

Deste modo a mesma integra um alargado conjunto de procedimentos, manifestações e vivências que correspondem a cada realidade concreta, podendo ser ainda entendida como a soma dos apreços e modelos que foram desenvolvidos numa coletiva participação dos elementos de determinado agregado humano.

Por isso o conjunto de condutas e redes de significados compartilhados nos agrupamentos resultam num “processo cultural” que adquire conformação e carácter particulares graças à coerência e tendência para homogeneidade das formações sociais, conjuntura que potencia a sua continuidade e fortalece os instrumentos afetivos do próprio equilíbrio.

Justamente motivo porque a conduta que organiza e estrutura a mundividência decorrente da vida quotidiana se patenteia interpretada de forma coerente e gera socioculturas cuja existência permanece no tempo, dado subsistirem estribados no seu carácter de prossecução e de coletividade. 

Daí os sentimentos de pertença estarem intimamente agregados a conceções do mundo centradas em rituais, representações, paradigmas e cânones de sociabilidade comuns, a partir das quais as sociedades se projetam no futuro e asseguram a sua própria renovação/dinâmica social sem se descaracterizarem culturalmente.

Consequentemente, o que caracteriza os agregados humanos espalhados pelo planeta não é apenas a similaridade física mas cumulativamente a cultura, dado que na essência ela constitui a respetiva identificação e se baseia neste pressuposto, porque cada um deles possui a sua lógica, estrutura própria e peculiaridade social, elementos que especificam as singularidades e que no conjunto permitem compreender melhor as diversas perspetivas constitutivas da Humanidade. 

Sendo o homem produto e produtor da cultura, esta envolve os indivíduos nas disposições que a demarcam e moldam com base nas perceções e posturas sociais ou, ainda, através dos elementos que influenciam, direcionam, reproduzem e recriam as configurações de determinada realidade, discorrendo deste processo a construção das vivências que propiciam a respetiva elaboração.

Daí que, ao ser estruturado na conjugação do homem com o meio-ambiente, o contexto cultural detenha potencialidades adaptativas decorrentes de uma imensa gama de transformações, reproduções e apropriações estimuladas pela complexidade dos agregados sociais e fornecendo o contributo básico para a manifestação das diferenças.

Contudo as facilidades oferecidas pelo progresso dos transportes, ampliada com a evolução das tecnologias ligadas às comunicações, processam atualmente um dinâmico contacto de culturas que proporcionam interpenetrações através do convívio/permuta de ideias, virtudes e procederes diferentes entre si, mas que deste modo coabitam em delimitado espaço.

Assim, a convivência de vários conceitos, atributos ou elementos relacionados com determinada temática, situação ou ambiência conduzem às noções de pluralidade e multiplicidade, passíveis de ser encaradas em diferentes ângulos de abordagem, heterogeneidade e variedade (que por vezes, também, pode estar ligada à comunhão de contrários), devido à intersecção das diferenças ou também propiciada pela tolerância mútua, diluindo as diversidades culturais, conjuntura a que não será alheia a tão propalada globalização.

Acresce que o ritmo da vida hodierna e a incrível velocidade de acontecimentos que ocorrem num tempo cada vez menor afetam as populações, acrescidos das tentativas/aspirações no sentido de melhorar as condições de vida, pressupõem no conjunto modificações que consideram novas formas de convivência e de reorganização social, implicando consideráveis transformações culturais. 

Como consequência, as alterações nos estilos de sociabilidade entremeiam novas exigências advindas de pressões de diversa natureza, relações afetivas cada vez mais artificiais, impessoalidade nas urbes, imposições na administração do tempo, muitas horas dedicadas ao trabalho, o trânsito caótico, o estresse quotidiano e suas consequências, alterações nos regimes alimentares, distúrbios psicológicos vários e outras tantas subjetividades relacionadas com essas mudanças socioculturais. 

Acontece, ainda, que do ponto de vista político-organizativo é identicamente difícil imaginar a afirmação da democracia e da igualdade social sem uma cultura ativa e participada de forma consciente por toda a população.

Nesta contextualização as dinâmicas culturais revelam uma grande variedade de traços, nomeadamente na língua/linguagem, músicas, danças, crenças, lazer, gastronomia e outras manifestações como a cosmologia e a organização social, porque a diversidade e a inovação estão associadas à dinâmica das sociedades.

Então as culturas deixam de corresponder à especificidade da “biografia” e esfera locais e passam a representar um processo englobando feições de existências distintas, visto a essência das questões comportar uma “multiplicidade/diversidade” formada pelos elementos existentes no interior de uma dada comunidade a que se juntam influências recebidas de diferentes origens, na medida em que o “contacto/convívio” provocado pela globalização estimula a propensão para certa homogeneização. 

Considerando que a sociedade contemporânea é tendencialmente multicultural, apesar da necessidade do reconhecimento e valorização das diferentes identidades culturais, suas particularidades e contribuições específicas na construção das nações, regista-se a aptidão para um “multiculturalismo emancipatório que assenta fundamentalmente na dinâmica tensão entre a “política de igualdadee a “política da diferença”, com vista à paridade como princípio e como prática.

Assim, partindo da “regra universal” que todos somos iguais, mostra-se primordial um diálogo intercultural” que permita a superação de divergências inibidoras da aproximação entre diferentes e favoreça novas posturas, práticas, leituras e conexões, nomeadamente a coerente interligação social, passível de resolver com o pleno reconhecimento e acesso aos direitos e deveres dos cidadãos. 

Perante esta importante problemática, a “Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural” (Aprovada por 185 Estados-Membros em 2001) representa o instrumento definidor do padrão internacional destinado a preservar e promover a diversidade cultural e o diálogo intercultural, possivelmente com a colaboração das organizações internacionais que trabalham no sentido de proteger sociedades e culturas, nomeadamente e a título exemplificativo, a “International Survival”. 

Portanto, a dinâmica da diversidade cultural conjugada com os benefícios de avanços técnico-científicos, analisados por analogia com a biodiversidade considerada essencial para a sobrevivência da vida na Terra, permite argumentar que, a longo prazo, a diversidade cultural se torna vital para as relações da própria Humanidade, fazendo com que a sua salvaguarda num mundo mais plural e menos dividido por estratos económicos, se apresente tão importante para a qualidade de vida em geral como a conservação das espécies e dos ecossistemas.  


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 800 de 29 de Março de 2017.

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Autoria:Expresso das Ilhas,4 abr 2017 6:45

Editado porRendy Santos  em  31 mar 2017 10:34

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