Ainda sobre a supressão de vistos de entrada em Cabo Verde

PorExpresso das Ilhas,23 mai 2017 6:08

1

(O pior que poderá acontecer será o Governo recuar na sua decisão de rever a política de Vistos de Entrada de Estrangeiros em Cabo Verde.)

 

 

No meu artigo de opinião, publicado no nº806 de 10 de Maio deste semanário, procurei fundamentar o conceito de Visto de Entrada, a sua utilização como uma das ferramentas de política económica do Governo, particularmente, no incentivo aos investidores e turistas individuais, nomeadamente os turistas que queremos atrair para outros nichos, como o turismo urbano, de negócios, cultural e de montanha ou rural. Contra-argumentei e refutei as teses que pretendiam apresentar a problemática tanto como indissociável da “reciprocidade” como do processo de “Parceria especial com a União Europeia”. Outros ainda estarão a confundir o processo de controle da identidade dos passageiros que entram e saem do país com o acto de pagamento do Visto.

Entretanto, tenho constactado que uma parte da nossa comunicação social, talvez por insuficiente compreensão da problemática ou porque é mais fácil conduzir o debate à volta da paternidade da “Parceria Especial”, tem insistido neste ponto, trazendo para este debate estéril, a questão da supressão de Vistos de Entradas, o que lança uma certa confusão na opinião pública, a ponto de poder fazer retrair o Governo na sua decisão de grande alcance para o incremento do investimento privado exterior e de novos tipos do turismo em Cabo Verde. Ora, se isso acontecer, o Governo estará a cometer um erro gravíssimo e a coartar Cabo Verde de melhorar o seu índice de competitividade, no capítulo de “Abertura Económica ao mundo e do Ambiente de Negócios”. As ilhas mais penalizadas com o actual sistema de Visto de Entrada têm sido, Santiago e S. Vicente como pontos de entrada e, por efeito de onda, as ilhas de Santo Antão e Fogo. Ou seja, todos os nichos de turismo que o Governo diz querer promover e até tem feito conferências, com vista à sua dinamização estão bloqueados pela actual Política de Entrada e Permanência Temporária de Estrangeiros no território nacional. Portanto, seria em nome da coerência com as declarações políticas e em resposta às expectativas das ilhas “de outro turismo além do balnear” que o Governo deve avançar com a mudança anunciada.

Muitos leitores aprovaram a ideia, mas expressaram-me preocupações de segurança. Compreendo isso, mas devo esclarecer que o controle policial da fronteira não tem ligação directa com a isenção do Visto. Um Português com Passaporte Diplomático ou de Serviço, um Nigeriano (com qualquer passaporte) não precisam de Visto de Entrada, mas estão sujeitos ao controle normal das normas de segurança (veracidade do documento, identidade, não existência de mandato internacional de captura ou de interdição de entrada, conteúdo da bagagem, controlo sanitário, etc). Por estes exemplos, se conclui facilmente que o pagamento ou não do Visto de Entrada é uma medida de conteúdo e contornos puramente económicos e a sua gestão deveria ser da exclusiva competência partilhada do Ministro Responsável pelo turismo e investimentos e do Ministro responsável pelas Finanças. Com em sem Visto de entrada, os passageiros são sujeitos ao controle de segurança, a vários níveis. O controle da identidade (documental) dos passageiros que entram e saem do país são da responsabilidade da Polícia da Fronteira e o das respectivas bagagens são da competência das Alfândegas e da Polícia Judiciária.

 

A supressão do Visto de Entrada e sua substituição pela CVST (Cabo Verde Stay Tax) assume, neste caso, um carácter administrativo, enquanto medida política de grande alcance económico, visando essencialmente:

Tornar a chegada dos passageiros mais agradável, à satisfação dos potenciais investidores, turistas individuais e turistas fora dos pacotes “tudo incluído” ou do nicho “sol & praia”.

Dar um sinal ao mercado que Cabo Verde segue as práticas mais modernas de facilitação da circulação das pessoas (turistas e homens de negócios), reduzindo a burocracia ao mínimo;

Garantir que o fluxo de estrangeiros para Cabo Verde tenha um impacte directo nos recursos necessários à melhoria das condições de entrada, e estadia dos mesmos. Ou seja, criar um mecanismo onde os visitantes de Cabo Verde, contribuem financeiramente e de forma directa, clara e regular, para a melhoria do destino.

 

Assim, propomos que:

o termo “isenção” seja substituído por “supressão” e que este conceito tenha aplicação universal. Se necessário, esta medida pode ser implementada progressivamente. Mas acredito que até poderia, sem discriminação (acto soberano do Estado), aplicar-se imediatamente a todos. Isso ultrapassa o universo do meu artigo anterior, onde incluía apenas um grupo de países. Desta forma, a burocracia seria completamente banida e a poupança nos custos da gestão burocrática do “Instituto Visto de Entrada” seria importante, além do efeito psicológico positivo que isso teria para o mundo de negócios. Volto a dizer que isso não exclui o controle à entrada, inclusive a exigência da prova de meios de subsistência em Cabo Verde. Controle da saúde económica dos visitantes.

Criar uma “Taxa da Cidade” só para os residentes e nacionais (incluindo os emigrantes) que se hospedam nos estabelecimentos hoteleiros, à razão de 200 escudos por dia e por pessoa, até ao montante de 2000 CVE. Esta taxa seria paga na factura do estabelecimento que cobra a estadia e seria enviada directamente ao Município interessado. A Administração Fiscal, no quadro do controle das contas da empresa deve controlar este postulado.

Mudar a designação “Fundo de Sustentabilidade Social do Turismo”, para “Fundo de Qualificação e Promoção do Destino Turístico”. Essa designação, já de per si limita o acesso aos recursos do fundo a vontade ou tentação de a ele aceder. Só projectos e acções directamente orientados na qualificação do destino (essencialmente projectos do Estado e dos Municípios) ou actividades do Estado e de privados que visam promover o destino Cabo Verde num determinado mercado emissor serão elegíveis a financiamento.

Esta nova política em nada vai brigar com o funcionamento do sistema actual, onde os Tour Operadores e os Agentes Incomers têm um papel importante. Acredito que os turistas que compram pacotes “tudo incluído” continuarão a preferir comprar o pacote, incluindo o CVST. Portanto seria quem vende o pacote a tratar do CVST e entregar o documento impresso ao seu cliente no acto de embarque, por exemplo. O turista individual que vem fora do “tudo incluído”, mas prefere que seja uma Agência de Viagens e Turismo sediada em Cabo Verde ou lá fora a tratar-lhe de tudo, continuará a preferir usufruir dos serviços disponíveis. Os homens de negócios e potenciais investidores, consultores e outros visitantes que chegam aos nossos aeroportos, escusam-se de passar pelo sofrimento de esperar pelo Visto de Entrada à chegada, porque já terão pago a taxa e obtido o comprovativo a apresentar às autoridades.  Ainda neste caso, quem vende o bilhete trata da CVST, ou quem organiza a viagem do empresário (reservas de viagens, hotel, etc, ocupa-se disso). Também com esta nova política, introduz mais transparência e maior rigor na arrecadação desta importante receita do Estado.

Acredito que por razões várias e objectivos não declarados, ou simples vontade de protagonismo, certos considerados “fazedores de opinião” ou políticos estarão contra esta intenção do Governo. Mas acredito também que a maioria dos empresários do sector turístico e hoteleiro, assim como a maioria da opinião pública apoiam a medida ou estarão prestes a apoiá-la.

O Governo, se necessário, deve reunir-se com pessoas profundamente ligadas a este assunto, aprofundar a discussão com os interessados e socializar a ideia com a opinião pública que deve estar convencida da bondade de tal medida e colocar Cabo Verde num novo patamar de atratividade e competitividade.

O pior que poderá acontecer será o Governo recuar na sua decisão de rever a política de Vistos de Entrada de Estrangeiros em Cabo Verde. Isso além de trazer um grande descrédito para o Governo (a não ser que explique as razões de um eventual recuo ou abrandamento da preparação da medida), manteria Cabo Verde no grupo de países de acessibilidade não facilitada. Ademais, tal atitude abriria a caixa de pandora para aqueles que são contra a abertura de Cabo Verde ao mundo, se sentirem encorajados a questionar e dificultar outras iniciativas e medidas neste sentido.

Dito isto, espero e apelo o Governo a dar sinais claros que não parou. Que está a trabalhar na preparação da “supressão de Vistos de Entradas de Estrangeiros em Cabo Verde”, criando mecanismos que garantam o fluxo de recursos financeiros resultantes da estadia dos estrangeiros em território nacional e garantir que os municípios que acolheram os turistas continuarão a receber uma parte proporcional destes recursos, tanto para suportarem os encargos sociais e económicos decorrentes da visita dos turistas, como também para continuarem a requalificação do destino, com melhores infraestruturas, mais e melhores sítios de lazer, habitação e outras infra-estruturas sociais e culturais que enformam o destino. A outra parte dos recursos, deve ser gerida pela entidade estatal responsável pela promoção do destino Cabo Verde. Neste processo, os operadores privados entram com os seus produtos específicos, sempre sob o chapéu da Autoridade Central do Turismo, entidade isenta e única capaz de promover Cabo Verde, enquanto destino. A um privado ou grupo de privados, com interesses específicos em Cabo Verde, o Governo não pode e nem deve atribuir a responsabilidade de promover o destino nacional, sob pena de favorecer uns em detrimento de outros ou de pura e simplesmente, esbanjar recursos públicos a favor de grupos privados. Mesmo nos casos em que a Autoridade Central do Turismo deve recorrer a consultoria privada, deve, previamente, precaver os conflitos de interesse ou situações de desvio camuflado de fundos públicos.  

 

Master em Ciências Económicas

Especializado em Relações Económicas Internacionais.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 807 de 17 de Maio de 2017.

 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Expresso das Ilhas,23 mai 2017 6:08

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  19 mai 2017 14:19

1

pub.

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.