De olhos em São Nicolau

PorExpresso das Ilhas,3 ago 2017 6:34

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“De tudo aquilo que São Nicolau deu a Cabo Verde,

espera-se que um dia venha a ser recompensado, na justa medida”.

Seguindo as regras e os preceitos normais de governação, o Sr. Primeiro-ministro esteve de visita aos diversos concelhos do país, em interacção directa com as populações, sempre na companhia dos presidentes das câmaras municipais, com quem tem rubricado protocolos de parceria em áreas importantes de intervenção social e económica entre as quais a requalificação urbana, a reabilitação de moradias degradadas pertencentes e habitadas por pessoas vulneráveis, a construção de vias de penetração e desencravamento de populações como também na cedência de edifícios públicos do estado, na sua maioria abandonados e em estado de vetustez que, por incúria e inacção das autoridades deixaram de servir as populações e as comunidades. Isto representa um sinal evidente que os detentores do poder estão a perceber da necessidade das autoridades serem exercidas em complementaridade, por forma a racionalizar e maximizar o uso dos meios disponíveis, algo que deve ser feito no restrito cumprimento da Lei e em observância clara e rigorosa aos limites e fronteiras que separam o exercício de funções de cada um dos intervenientes, isto é, o governo central e o governo local. Na sequência deste périplo pelo país chegou a São Nicolau, o Sr. Primeiro-ministro acompanhado de mais alguns elementos do governo, por sinal, a ultima ilha a receber, a distinta visita.

A população da ilha, com o traquejo de gente civilizada, atribuiu o devido respeito e valor que a missão exigia, compareceu nos encontros para os quais fora convidada e, com a devida vénia e de forma responsável, os homens e mulheres desta ilha dirigiram-se aos governantes no intuito de lhes relatar as reais dificuldades que a ilha e sua gente enfrentam e ao mesmo tempo solicitar a intervenção das autoridades no sentido de verem resolvidos tais problemas que, ao fim e ao cabo, desde há muito tempo deixaram de ser novidade para qualquer cabo-verdiano.

Como seria de esperar, os governantes nas suas respostas às preocupações dos cidadãos enquadraram os problemas da ilha dentro daquilo que é o programa de governação para cada um dos sectores de governação em causa e num horizonte temporal que, em abono da verdade não agradou alguns munícipes que desgastados pelo abandono de muitos anos, já carregam consigo algum cepticismo, o que é, de certa forma, até compreensível. Porém, o que não foi possível entender até agora, são as atitudes e comportamentos de certos políticos, principalmente deputados da oposição e da situação, personalidades com responsabilidades a nível do parlamento e, por conseguinte, com influência directa ou indirecta na governação do país que, em função de algumas soluções apresentadas pelo governo com relação aos problemas desta ilha no sentido de amainar a agonia dos sanicolaenses que também são cabo-verdianos. Estiveram desajustados e infelizes alguns políticos que, na reacção aos anúncios do governo para São Nicolau e provavelmente na saga de mostrar serviço aos círculos eleitorais onde foram eleitos, vieram à praça pública desferir ataques em que não se especificou concretamente se contra o governo, se contra a população e a ilha de São Nicolau ou se de facto é contra os dois. E, perante os factos em referência e numa reflexão muito ponderada convém dizer o seguinte:

O museu da baleia de New Bedford (Estados Unidos da América), “New Bedford Whaling Museum” é um dos maiores museus do mundo dedicado à história global de baleias e da história e cultura da região do Litoral Sul. Pois, é esta instituição com o prestígio e envergadura que ostenta, que entende que deve apoiar e partilhar o seu espólio com o museu da pesca da ilha de São Nicolau. (Ao que tudo indica este acervo ainda não chegou ao destino em virtude de ter sido interceptado pelo caminho, já dentro do arquipélago de Cabo Verde). Este gesto do “New Bedford Whaling Museum” é o reconhecimento de tudo aquilo que foi a tenacidade e bravura dos homens desta ilha (SN), nossos antepassados, que desde sempre tiveram a convicção de que a vida ganha-se com esforço, e que é no verdadeiro combate que se atinge a prosperidade e a dignidade. De salientar que de acordo com teses desenvolvidas por vários investigadores nacionais e também estrangeiros foi através destes homens que se iniciou a proeza dos cabo-verdianos no mundo fora. Além disto, e por mais que exista quem esteja interessado em escamotear e deturpar a história deste país, a realidade é que a afirmação identitária e cultural da ilha de São Nicolau não é dos dias de hoje. Sendo assim, nesta matéria, tem os pés firmes e seguros para a sua caminhada e não está à procura do colo de nenhuma outra ilha, nem tão pouco a correr atrás de artefactos de outrem para se ornamentar. Pois, o legado que aqui existe é representativo de um percurso perseverante, feito por homens e mulheres que sabiam bem o que queriam. Como não podia deixar de ser, esta ilha, seus filhos e seus habitantes estiveram e sempre estarão disponíveis para contribuir no enriquecimento histórico-cultural deste nosso querido Cabo Verde, aliás, não pode haver orgulho maior do que ter o alicerce da nação cabo-verdiana bem fincado nesta ilha. Neste âmbito, é salutar a iniciativa do Sr. Ministro da Cultura com relação ao museu de pesca na ilha de São Nicolau, tendo em conta que antes de ser um acto de gestão é sim uma acção de justiça.

Por outro lado, o anúncio do regresso do navio Praia d’Aguada a sulcar os mares destas ilhas e com passagens periódicas por São Nicolau, o que poderá amenizar o isolamento desta ilha e minorar o prejuízo dos operadores económicos, também não caiu no agrado de pessoas que têm o dever de velar por um Cabo Verde inclusivo e não fragmentado, principalmente quando não existem razões para tal, se se considerar que a ilha a que está a chamar de preterida, neste processo, tem, neste momento, ligações regulares três vezes por semana, com um navio também misto de carga e passageiros e cuja população nem chega à metade da da ilha de São Nicolau.

Ora bem, uma embarcação com a valia do Praia d’Aguada, que tem a capacidade de transporte de carga que ronda as mil toneladas, centenas de passageiros e com uma velocidade à volta dos 14 a15 milhas/hora, está em condições de dar um grande contributo na ligação do país para o bem de todas as ilhas. De todo o modo, poderíamos estar muito melhor servidos, neste aspecto, se na transição do governo que ocorreu em 2001 tivessem dado continuidade à política de transportes que estava a ser implementado, cujo programa em curso previa a aquisição de mais duas unidades iguais, tendo em conta que a ligação marítima entre as ilhas é factor preponderante no desenvolvimento da economia nacional.

Pelo percurso que já fizemos de 26 anos em regime democrático, na nossa opinião já é tempo de se proceder a mudança de paradigma principalmente na construção de discursos e nas mensagens que determinados políticos tentam passar para sociedade, sendo certo que Cabo Verde precisa de uma classe política que esteja à altura dos seus desafios.  

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 817 de 26 de Julho de 2017

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Autoria:Expresso das Ilhas,3 ago 2017 6:34

Editado porDulcina Mendes  em  31 jul 2017 12:05

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