CEDEAO: voltemos ao assunto

PorJean-Paul Dias,23 jan 2018 6:24

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Jean-Paul Dias, Antigo PCA do Fundo da CEDEAO (actual BIDC)
Jean-Paul Dias, Antigo PCA do Fundo da CEDEAO (actual BIDC)

​Foi no mês de Março de 2017 que tentámos alertar a opinião pública para a falta de fundamentação do pedido de adesão de Marrocos à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e para as perturbações que ameaçavam os países membros da Organização, caso o pedido xerifino fosse aceite, sobretudo de forma precipitada.

Nessa altura, praticamente toda a gente estava a dormir.

Tínhamos o pressentimento de que, entre outros embaraços, essa admissão, que nada justifica, nem ao nível jurídico, nem ao nível da organização do mercado comum continental tal como planificado pela OUA/UA, constituiria um fator de incitação para o Magrebe.

O que não deixou de acontecer: aquando da Cimeira de Abuja em Dezembro de 2017, a Tunísia seguiu o mesmo caminho que Marrocos, com a solicitação velada do estatuto de “observador”, com o intuito inconfesso de participar no canibalismo do mercado de 320 milhões de habitantes da nossa Comunidade.

Apenas a Mauritânia poderia reivindicar um regresso à Organização sub-regional da qual ela tinha, voluntariamente, saído em 1999. Ela solicitou a sua reintegração. No entanto, neste caso, o regresso efetivo está previsto para 2019. Isto reforça a falta de pertinência de uma adesão marroquina que se queria imediata.

Que não se caia num “juridismo” e se pretenda que qualquer Estado que ratifique o Tratado da CEDEAO (1976, revisto em 1993) se torna ipso facto membro da Comunidade. Não é verdade. Os únicos países admissíveis com base nesse critério são aqueles cujos nomes constam, expressamente, da lista incluída no Preâmbulo. A Mauritânia faz parte desta, mas Marrocos e Tunísia, não.

A referida Cimeira de Abuja não acolheu favoravelmente a tentativa de Marrocos. Alguns jornais senegaleses pensaram poder fanfarronar a favor do Chefe de Estado do Senegal, o qual teria desempenhado o papel de baluarte da CEDEAO contra a adesão xerifina. Esta asserção é falsa.

Foi a pressão da sociedade civil da Nigéria, assim como a dos operadores económicos deste país sobre o respectivo governo que impediram que a análise da solicitação marroquina tivesse sido examinada e despachada de forma apressada, o que pessoas como Macky Sall, precisamente, queriam precipitar e a toque de caixa. Ele que, sem vivência da empresa privada, nos fala de competitividade forçada perante marroquinos, cujos negócios emergentes puderam beneficiar de todo o apoio do poder xerifino.

A CEDEAO encontrou uma saída com o pretexto da análise prévia de um certo “estudo de impacto”. Na verdade, há quem comece a compreender. Eis a razão pela qual o patronato senegalês deve deixar a atitude de quem espera, a nível interno, em Dacar, pela via de seminários, ateliês e demais reuniões estéreis e ir ao terreno, ao encontro do mundo de negócios nigeriano e do dos outros da sub-região, a fim que um bloco sólido, o dos povos, o do mundo económico, se erga face ao risco de invasão económica que ameaça os Estados membros da Organização.

Um outro ponto em questão importante apresentou-se ao Senegal e a Cabo Verde, nomeadamente: o da presidência da Comissão. A direcção executiva da CEDEAO (Secretariado Executivo, depois Presidente da Comissão, desde Janeiro de 2007) deve ser exercida, alternadamente, pelos cidadãos dos Estados membros. Desde o início, a função foi desempenhada, durante dois mandatos, por um Marfinense: o Dr. Abubakar Diaby Ouattara. Era uma exigência do Presidente Félix Houphouët Boigny que condicionava, assim, a implicação dele na nova tentativa de integração regional. Lembremo-nos que ele tinha sido muito mais favorável à balcanização da antiga AOF (África Ocidental Francesa) do que à preservação da unidade desta. O Presidente Senghor, que fez com que a Unidade Africana ficasse consagrada na nossa Constituição enquanto uma prioridade do Senegal, defendia, pelo contrário, a preservação da unidade com vista ao acesso conjunto à independência, em vez de uma emancipação de forma dispersa. Conforme o entendimento, a Nigéria devia acolher a sede, o Togo a do Fundo da CEDEAO (mais tarde banco-BIDC), enquanto a Direção-Geral desse Fundo deveria ser atribuída ao Senegal que, afinal, apenas a teve a seu cargo uma única vez. Posteriormente, a Serra Leoa, a Guiné-Conacri, o Gana, o Burquina Faso (dois mandatos para cada um deles) e o Benim terão o privilégio de dirigir o executivo da instituição. Parece que terá sido por razões internas político-partidárias que o presidente Talon não desejou a continuação da missão de Souza, seu conterrâneo e cunhado do seu antecessor, com quem o actual Chefe de Estado beninês tivera um grave diferendo.

Eis que, após estratagemas políticos pouco sérios que levaram à rejeição da candidatura de Cabo Verde, a Costa do Marfim retomou o lugar para um terceiro mandato, enquanto o nosso país nunca esteve na direcção da CEDEAO. Como é que a delegação senegalesa pôde aceitar uma tal bulimia?

Hão-de nos responder que desde Junho de 2006, ao se optar pela denominação “presidente da Comissão”, a qual começou a ser utilizada em Janeiro de 2007, o princípio de rotação no cargo segundo a ordem alfabética fora adoptado para evitar crispações. Ok! Mas, também nisto, como é que o Senegal, o qual conta com tantos diplomatas perspicazes, políticos experientes, técnicos superiores especializados com vasta experiência na área da integração regional, deixou-se enganar ao ponto de renunciar a essa liderança sub-regional?

Ainda que se pudesse entender a alternância por ordem alfabética, devia ter sido exigido, desde essa altura, que os países, cujos cidadãos tivessem dirigido a CEDEAO, cedessem a vez até que todos os Estados interessados exercessem o cargo, antes que a ordem alfabética recomeçasse a ser respeitada. Dito de outro modo: depois do Benim, Cabo Verde devia exercer o cargo. Posteriormente, a Costa do Marfim, o Gana, a Guiné-Conacri, etc... deviam ceder a sua vez a favor de outros países até se esgotar a lista dos que nunca dirigiram antes e só depois retomar a ordem alfabética. Não é tarde para exigir a implementação deste sistema. No campo das questões internacionais africanas, parece que o amadorismo senegalês tornou-se a norma, desde a estrondosa derrota para a Comissão da UEMOA e do desaire para a UA por culpa dos dirigentes, devido à falta de preparação, ao débil apoio efetivo e à ineficácia da participação. A propósito, em que pé se encontra a questão do cargo de vice-governador do BCEAO que devia ser atribuído ao Senegal como prémio de consolação?

Cabo Verde era candidato de forma clara e inequívoca. Com o falacioso pretexto politiqueiro de incumprimento no pagamento das quotas, a sua candidatura foi rejeitada em benefício de um terceiro mandato marfinense. Desde a altura do pagamento das quotas pelos Estados, até à instauração do sistema de taxas sobre as importações, nunca – afirmamos nunca – nenhum Estado membro teve o pagamento das quotas em dia, no momento em que um dos respetivos cidadãos devia assumir a direcção da CEDEAO. O plano apresentado por Cabo Verde para o pagamento em cinco prestações foi ignorado. Em suma, tudo foi feito para excluir a República de Cabo Verde.

Como podem os chefes de Estado da região tratar este país dessa forma? O mais democrático da região, o único que organiza eleições livres e transparentes, donde a inexistência de julgamentos ou de prisioneiros políticos; o que não muda as regras eleitorais do jogo democrático durante o jogo. O único onde a Situação e a Oposição poderiam assinar um documento, dirigido a todas as organizações, a declinar a supervisão das eleições por observadores estrangeiros. O campeão da boa governança, classificado no quarto lugar entre 54 países africanos e no primeiro lugar na região CEDEAO, segundo o índice Mo Ibrahim 2017. O Estado membro que, não sendo petrolífero, saiu do grupo dos países pobres e passou a fazer parte, graças aos seus notáveis esforços, do grupo dos países de desenvolvimento médio, apesar das condicionantes geográficas de um Estado arquipelágico. O único onde, desde a sua independência, não ocorrem desordens internas. O único cujos jovens não tentam atravessar o Saara ou embarcar em botes rumo à Europa, etc...

Em Cabo Verde, que ninguém analise esse revés como uma vergonha, uma derrota, uma bofetada, etc... Trata-se, nem mais nem menos, de um acto inamistoso, de um “abuso”, de um “desaforo”, por parte dos líderes da CEDEAO, uma forma de marginalização desse país exemplar em todos os aspectos.

Nos bastidores, insinuava-se que esse Estado insular estaria a ser censurado pela sua relutância em aceitar a livre circulação mas, sobretudo, o estabelecimento dos cidadãos oriundos da CEDEAO no seu território. Ora, há já muito tempo que Cabo Verde reitera as chamadas de atenção junto à CEDEAO para as suas dificuldades, condicionantes, as suas especificidades nesse domínio. O problema é tão grave que se diz que a população alógena na ilha da Boa Vista é superior à população autóctone. Bastaria que 0.26% da população nigeriana, 3.4% da população do Senegal, 1.8% da do Gana ou então que um terço de cada um desses efectivos se instale em Cabo Verde para que, no espaço de uma geração, o país mude, de facto, de cultura e de nacionalidade. Nenhum Estado da CEDEAO enfrenta uma tal hipótese.

Apesar de conhecermos a opção do governo, a qual veremos adiante, cabe aos dirigentes uma concertação com a oposição parlamentar, os representantes dos operadores económicos, os da Universidade, alguns cidadãos da diáspora para saber se o país deve continuar ou não a integrar a CEDEAO. O actual Presidente Fonseca e o seu antecessor Pires, assim como todos os antigos primeiros-ministros deveriam ser chamados a participar na reflexão. Esse trabalho deveria ser realizado internamente e à porta fechada. Recordemos que a Mauritânia teve que sair da CEDEAO em 1999 tendo, porém, conservado os laços com alguns Estados membros da Comunidade.

Se o consenso for negativo, as forças centrífugas que convidam a nação a olhar para o Brasil e os países lusófonos (CPLP), a Europa e a América terão a oportunidade de brilhar. Se for decretado o status quo, isto é, a sujeição ao “abuso” e ao “desaforo” dos outros, neste caso que cada um assuma.

No entanto, se a opção for a de permanecer na Comunidade, de cabeça erguida e tendo em conta a boa compreensão dos interesses, das condicionantes e das especificidades do país, neste caso, Cabo Verde deverá aprender a deixar de ser ingénuo e a afirmar-se. Para o fazer, pode contar com técnicos superiores nacionais competentes e com amigos estrangeiros atentos e dispostos a prestar-lhe assistência para a definição de uma estratégia e a adopção de uma atitude dignas de respeito, assim como a ajudá-lo a desempenhar integralmente o papel que lhe é destinado. O governo acaba de atribuir a um dos seus membros a responsabilidade exclusiva da integração regional e tenciona nomear um embaixador em Abuja pelo que lhe resta tomar medidas no sentido da afirmação nacional. A nosso ver, a decisão deveria ter efeito, o mais tardar, no fim do primeiro semestre deste ano de 2018. Logo depois, seria o tempo da acção. Após ter sido derrotado na corrida para a presidência do BAD, apesar da excelente candidatura, é tempo de Cabo Verde não aceitar ser rebaixado ao nível de país africano de segunda. Depois do mandato marfinense (que deve ser um só), Cabo Verde deverá posicionar-se para receber a pasta. É preciso negociar ou, até mesmo, exigir desde já e sem tibieza.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 842 de 17 de Janeiro de 2017.

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CEDEAO

Autoria:Jean-Paul Dias,23 jan 2018 6:24

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  24 jan 2018 23:22

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