Contudo, o país, por estar consciente de que só com uma formação técnicocientífica de qualidade dos seus jovens estudantes seria possível assegurar as condições mínimas para a criação de uma Universidade Pública, durante mais de trinta anos optou por suportar os custos dessa formação no estrangeiro, para obtenção de licenciados, mestres e doutores com elevado nível e capazes de pensar o modelo de Universidade Pública com a qualidade e a adequada dimensão requeridas para oferecer essa formação no território nacional. É com essa consciência que, com o apoio de reconhecidos docentes do ensino superior residentes no país, de académicos cabo-verdianos que integram a diáspora nacional e de universidades estrangeiras, se decidiu criar e instalar a nossa Universidade em 2007.
Não é este o lugar próprio para se fazer a história dessa criação, mas sempre se dirá que ela consubstanciou a mudança no panorama do ensino público caboverdiano pela qual a comunidade nacional ansiava, mas pela qual soube esperar o tempo necessário para a criação das condições mínimas indispensáveis. Naqueles anos, a ideia dominante em Cabo Verde era a de que seria possível uma universidade e a aposta fez-se com a criação e instalação da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).
Decorridos que são onze anos sobre essa primeira grande mudança no panorama do ensino superior público em Cabo Verde, a Uni-CV reclama novas mudanças, mas agora no seu interior e na sua relação com a envolvente externa, nacional, regional e internacional, com o propósito de dotá-la de condições para enfrentar os desafios que as novas exigências do ensino, da investigação, da participação dos seus estudantes, docentes e funcionários em projetos e atividades científicas colocam. Desafios que se estendem à interação com a sociedade, o que determina a transferência, o intercâmbio, a valorização dos conhecimentos científicos e tecnológicos por ela produzidos, a colaboração na proteção e divulgação do património natural e cultural nacional, a internacionalização. Tudo para contribuir para o desenvolvimento do país.
A Uni-CV só poderá cumprir integralmente essa sua missão se e quando oferecer uma formação humanística ao mais alto nível, em todas as dimensões – científica, técnica, pedagógica, profissional, artística, ética e cultural, graças à oferta educativa diversificada e de alta qualidade. Porém, estas ambições legítimas exigem um ambiente académico em que o respeito pela dignidade de todos os que a integram – docentes, investigadores, estudantes e pessoal não docente – seja uma realidade constante e efetiva, assim como a valorização das atividades nela desenvolvidas por cada um destes seus corpos e a promoção do exercício de uma cidadania ativa e responsável. Para tanto, a Uni-CV deve orientar-se pelos princípios do respeito pela dignidade da pessoa humana, da igualdade, da tolerância, da participação democrática, do pluralismo de opiniões, da liberdade de aprender, ensinar e investigar, da livre faculdade do juízo crítico, da deontologia profissional e da ética organizacional e pessoal e da defesa do interesse geral, princípios esses que, entre outros, representam os valores essenciais de uma Universidade que se quer plural e comprometida com a sociedade democrática em que se insere, como é a nossa.
Estes desafios, essa missão e o respeito por estes princípios reclamam mudanças nos domínios de ensino, investigação e extensão, do desenvolvimento institucional e das orientações estratégicas, o que implica novos modelos de gestão e de participação democrática, reclama autonomia administrativa, pedagógica e financeiras de cada um dos polos da Uni-CV e, no quadro destas, das Unidades Orgânicas, novos modelos de relação entre essas Unidades e a Reitoria, entre cada Unidade Orgânica e os seus estudantes, entre as Associações de Estudantes e a Reitoria, entre o pessoal não docente e as suas Associações com a Reitoria e a Administração da Universidade, e novos modelos de parcerias com Instituições de Ensino Superior e centros de investigação científica estrangeiros. Para além disso, impõe-se promover uma Política Institucional para a Qualidade que assegure a confidencialidade e confira credibilidade na avaliação que, como se sabe, é um instrumento importante para a promoção e o reconhecimento interno e internacional da Uni-CV. A prossecução desses objetivos estratégicos implica mudanças profundas nas estruturas da Uni-CV.
A Uni-CV precisa demonstrar à sociedade cabo-verdiana a sua utilidade científica, social e económica, a fim de convencer o poder público de que é um dos mais importantes agentes de desenvolvimento, de parceria estratégica para a prestação de serviços, consulta e assessoria técnicocientífico e que, por isso, os recursos que lhe são concedidos para a prossecução da sua missão são decisivos para a modernização da sociedade cabo-verdiana. Para isso, precisa urgentemente de operar essas mudanças nas suas estruturas e práticas de governação e de gestão. Precisa democratizar-se e descentralizar o poder; precisa reconhecer maior autonomia ao polo de São Vicente; precisa atribuir autonomia às suas Unidades Orgânicas, legitimando os dirigentes destas Unidades e dos Centros de Investigação pela via de eleições diretas e secretas; precisa de um novo modelo de distribuição das verbas para as Unidades Orgânicas e Serviços; precisa de valorizar as carreiras do seu pessoal docente, investigador e não docente; precisa de um ensino e investigação de qualidade; precisa de novos modelos de implementação das parcerias, precisa convocar a diáspora académica para colaborar no ensino e na investigação; precisa de uma nova parceria com a sociedade civil para o desenvolvimento de projetos técnicos, científicos e culturais e a transferência de conhecimentos; precisa de tudo isto e muito mais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 843 de 24 de Janeiro de 2017.