Particularmente, perceber até onde os ganhos sociais estão a conjugar com os proveitos económicos, genericamente, se está havendo convergência de resultados de modo a concorrer para efectivo quadro do desenvolvimento sustentável. Havendo já tempo suficiente para correcta percepção da forma como se processa no terreno os acontecimentos, toda essa experiência, já o observámos noutros espaços, é eloquente em mostrar que o caminho seguido não está sendo o mais apropriado para levar a bom porto, pois, como é evidente, nem essa conjugação de impactos está a ocorrer, nem tão-pouco perspectiva de sustentabilidade surge, consequência de resultados que não se ajustam.
Por que isso acontece não é difícil de alcançar, visto que não se pode ignorar que até hoje o pós-colonial não pôde dotar a ilha de instrumento básico, estratégia visando outra geografia que não aquela de que se serviu o velho regime produzindo histórico pejado de dramas sociais. E não se acautelando nesse sentido, havia de acontecer aquilo que de facto está a acontecer, edificação do futuro sobre a mesma precária base herdada daquele passado: mesmas terras; mesmas fontes hídricas; mesmas rotinas e procedimentos; em certa medida, mesma dependência de factores climatéricos. Por conseguinte, hoje, em contexto de legítimas expectativas já ambiciosas, a excessiva carga sobre o meio ambiente está a perigar o alcance das apostas: sobre a agricultura, cada vez mais deficitária no que respeita à água para assegurar rega, no crescendo de concorrência doutros domínios; sobre o turismo, já pelo reflexo que esse mesmo défice está efectivamente produzindo na qualidade da paisagística. Logo, para inflectir a progressão desse processo em declínio, urge dotar Santo Antão de uma estratégia com vista a expandir o crescimento para fora do território sob influência das velhas fontes e aliviar a pressão ambiental sobre os respectivos espaços, permitindo, não só solução sustentável para assegurar êxito às referidas apostas, como também ir mais longe na transformação da geografia, de modo a contrapor a velha paisagem do interior com outra a ser construída a partir das orlas marítimas, pacientemente, pedra a pedra, ano a ano, já visando realidade de nova roupagem, ilha de novo rosto, apostada na modernidade, ambiciosa e capaz de disputar vanguarda com suas congéneres.
De facto, é crucial nova visão para encontrar no plano estratégico as respostas mais apropriadas para os grandes desafios que estão a confrontar a ilha de forma severa e desafiadora. É que, na verdade, persistindo o actual estado de coisa, decorrência de processo realmente desajustado, o custo da ausência de estratégia estará a comprometer toda a construção do edifício do futuro, como aliás já está comprometendo. Fundamental então é mostrar como é importante o que está em jogo, questão objecto dos passos seguintes.
1) Importa saber, antes de mais, como é possível conciliar as duas grandes apostas: dum lado, nível ambicioso de desempenho económico tendo como eixos básicos a agricultura de regadio e o ecoturismo; doutro, nível sustentável de qualidade de vida, partindo de padrões mínimos de dignidade e bem-estar. Para resposta, nenhuma dúvida há para concluir, recorrendo aos sinais vindos do actual quadro, já suficientemente explicitados noutros espaços, que não é possível nas actuais circunstâncias operar uma tal conciliação, já devido a razões por demais conhecidas: mais se eleve o nível de ganhos sociais, mais crescem as estruturas de suporte, significando a densificação do consumo de recursos, particularmente, gasto de água, factor crucial para garantir sucesso às apostas de mais e mais agricultura e mais e mais turismo de qualidade. Logo, uma contradição, de facto, pressionando pela urgência de procura de solução.
2) Efectivamente, está sendo contraditório o actual modo dos procedimentos, na medida em que progresso na criação de facilidades, para cumprimento de metas e objectivos de decrescimento, vem fazendo orbitar crescendo de população em torno dos recursos hídricos naturais, com alto custo para a construção do edifício do futuro. Isso, devendo-se não só a crescente subtracção de água à agricultura, como ainda retracção nas áreas de cultivo, mais notória na desembocadura dos vales mais importantes, onde melhores solos são consumidos em proveito da urbanização. Nesse processo, é paradigmático a forma como desde o início da década setenta do século passado a expansão urbana devora quintais que já foram grandes produtores de banana para exportação, logo, revés para a economia, mostrando quanto está pesando para Santo Antão o custo da ausência de uma estratégia.
3) Grandes reservas de terra, tanto na Ribeira Grande como no Paul, estão ainda na calha desse processo de transmuda da agricultura para a urbanização, fenómeno a militar em abono da retracção do desempenho da produção e degradação da qualidade paisagística, logo, igual revés para o ecoturismo. E se não se acautelar, também Ribeira das Patas poderá vir a cair na mesma tentação, urbanização para devorar pouco a pouco suas ricas terras de regadio, a um tempo sugando as veias hídricas de tão importante sítio como Catano, que, visto lá do alto de Chã de Pedrinho, é deslumbrante misto de paisagem e clima que exige a preservação da grandeza do seu potencial turístico. Na verdade, grande motivo, que, aliado a outras circunstâncias, como insegurança, periga a construção do futuro, razão que torna prementes medidas estratégicas a fim de inflectir o curso actual dos acontecimentos.
4) Tudo grande verdade, porém, ainda no rolo dos maiores atropelos ao desenvolvimento, resta considerar fenómeno social, transvazo do processo de expansão urbana: classe dos menos abonados de recurso que, não podendo competir no concurso para se possuir aí de uma habitação, tarde ou cedo, seu destino é a migração para fora da ilha à cata de oportunidade que não encontra na sua própria localidade. O mesmo é dizer que o actual processo é exclusivo do ponto de vista social, porquanto, na impossibilidade de romper barreiras e contribuir aí para a criação de uma cintura de bairro pobre, como acontece noutras cidades, a alternativa é, de facto, ir tentá-lo onde o controlo já se afrouxa. Razão para que também Porto Novo esteja à cautela, pois se nada acontecer para alterar radicalmente o actual rumo dos acontecimentos, basta que aí apareça grandes oportunidades de investimento para começar a cidade a padecer desse mal e sua carga de consequências. Com uma agravante: já com tamanha insegurança vinda de grande exposição a fenómenos naturais extremos, o menos que conviria a Santo Antão era submeter-se a mais um potencial de risco, delinquência urbana com propensão para contagiar toda a ilha.
5) Convenha-se no entanto, para êxito da reversão do actual estado de coisa, que algumas condições basilares são exigidas pela estratégia. Antes de mais, já pela geografia, fragilidade e grandeza dos desafios com que a ilha se confronta, compreensão pela necessidade de ela vir a exercer para o arquipélago uma grande função de segurança, forma de facilitar a atracção de recursos para seus projectos de infra-estruturação. Compreensão extensiva ao repovoamento requerido através da cintura de orla marítima, onde as facilidades do actual contexto já possibilita assentamentos urbanos de pequena dimensão, permitido a um tempo: contornar o empecilho da insegurança e vantagens de relações humanas de vizinhança. Sobretudo, percepção de que tudo isso já é possível com a utilização de recursos tecnológicos modernos, relevância para as energias renováveis e produção de água, para transmudar em definitivo, do céu para o mar, a aposta na sustentabilidade do desenvolvimento. Haverá vivalma duvidando da capacidade de Santo Antão para superar seus constrangimentos e dar salto de gigante nesse sentido? Faça-se que isso aconteça.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 843 de 24 de Janeiro de 2017.