A vocação de Luís Lobo para o teatro, em especial, que advém da sua versatilidade artística legada pela família biológica, perfila-se e ganha corpo, ainda cedo, no então Liceu Adriano Moreira, sob a orientação de Mário Santos, de nacionalidade portuguesa, preso político, ao tempo, e docente da cadeira de História nesse estabelecimento de ensino secundário praiense. Já na escola primária, é certo, Luisinho começa a actividade teatral. Todavia, em rigor, começa, sim, a “fazer teatro a sério”, quando frequentava o 2º ano liceal, teria ele cerca de 13 anos, na fase irrequieta da sua pré-adolescência.
À época, Luisinho pertencia à Juventude Escolar Católica – JEC e, no antigo Salão da Igreja Católica, na Rua Sá de Bandeira, onde havia um palco também reservado a espetáculos, fez teatro cantado. Fisicamente, Luisinho dava ares de Cristo, por culpa da longa cabeleira que trazia, conforme ditara a moda da era dos Beatles e dos Rolling Stones. Desafiado por um jovem “padre yé-yé” português a cantar a composição de Jesus Cristo, de Roberto Carlos, na Igreja Católica da Praia, “fui o primeiro homem a cantar música pop-rock na Igreja da Praia”, peranteos fiéis que acharam linda a interpretaçãoe“aplaudiram-me de pé”, longe de ser acusado de transgressão, heresia, ou de desrespeito à religião. Concluído o ensino secundário, Luisinho não prosseguiu o teatro, que, aliás, não considerava actividade artística essencial da sua eleição, e, já em São Vicente a residir definitivamente, na primeira metade da década dos anos 80, diz ter declinado um convite que João Branco lhe fizera para integrar a Associação do grupo de teatro do Centro Cultural português.
Paralelamente ao interesse pela música e, acessoriamente, pela actividade teatral, a propensão de Luís Lobo para a rádio emerge ainda cedo, no seio familiar, incitado pela mãe que a ela sempre esteve muito ligada como colaboradora de programas radiofónicos de Barreto Monteiro e de José Gonçalves, na Praia. Ainda pequenino, costumava ouvir muito rádio em casa, “havia ali um transístor do meu avô materno, da marca Philips, e ouvia a Rádio Globo em ondas médias, a Voz da América e a Emissora Nacional portuguesa. Minha mãe influenciou muito a opção pela rádio, mas também a parte poética, pois ela escrevia poesia”.
Em plena infância, Luisinho ganhou gosto pela rádio, mas só viria a ingressar na então Rádio Clube de Cabo Verde, no 4º ano liceal, pelas mãos do seu tio paterno, Pedro Lobo, sócio daquela instituição praiense. No entanto, o ingresso na Rádio de Luisinho, em1969, processou-se por etapas, evoluindo do estatuto de colaborador, até à sua entrada definitiva no quadro. “Eu era colaborador, estudava no liceu e apresentava o programa Lembranças pela Rádio, lia algumas coisinhas, alguns avisos, ia à antena fazer pequenas animações. Na mesma altura, aparecem o Ivo Vera-Cruz e o Luís Carlos de Vasconcelos, mas, por eu ter feito teatro radiofónico com Mário Santos, tive contactos nos estúdios, antes deles, se não me falha a memória. ”. Rapidamente, deslumbrado com os estúdios e microfones, apaixonou-se pelo que vira e, sempre que pudesse, “eu dava um saltinho à Rádio, o Sr. Fernando de Palma Andrade mostrava-me o sítio, depois, o Barreto Monteiro, tudo isso antes de 25 de Abril de 1974”.
Incentivado pela velha guarda da Rádio que, de resto, apreciava a sua prestação, Luisinho, juntamente com o seu colega, Luís Carlos, logo após à independência nacional, entre 1975 e 1976, candidata-se a um concurso para entrar na Rádio e foi selecionado como locutor, passando, a partir dessa data, a pertencer, definitivamente, ao quadro da Rádio de Cabo Verde. Na altura, não havia jornalistas e aparecem, muito tempo depois, a primeiras formações. Conciliar o estatuto de estudante liceal com a actividade musical e radiofónica não se revelava empresa fácil, pelo que Luís Lobo se vê coagido a abandonar Os Tubarões e “pegar na Rádio”, profissão que já abraçara pela via de concurso. A seu pedido, por razões várias de natureza “política, social e laboral”, que aqui não importa referir, Luisinho, agastado, foi transferido da Praia para a cidade do Mindelo, mas, também, ditado pelo relacionamento amoroso que mantinha com Maria do Céu Pires Chantre e Melício (Céu), que, aliás, conhece através do programa radiofónico matinal Bom dia Cabo Verde, e com quem viria a contrair matrimónio, a 31 de Julho de 1984. Na verdade, confessa Luís Lobo, a rádio tem sido a sua “grande parceira” na aquisição de grandes conhecimentos. “A Céu, meu porto seguro, começou a ligar para mim e eu para ela, conhecemo-nos e, depois, vim fazer uma formação em jornalismo no Palácio da Foz, em Lisboa, e, a partir daí, nasce esse casamento, com altos e baixos, é certo, como tudo na vida, e que já dura há cerca de trinta e oito anos”.
Numa aventura impulsionada sobretudo pela mãe, que queria ver o filho “longe daquela vida boémia da Praia”, Luisinho rumou para S. Vicente, que o acolhe “muito bem”, e dele se apropria como é, timbre, aliás, da vocação cosmopolita da sociedade mindelense. Decisivamente, a mobilidade de uma cidade para outra, no interior do próprio país, à procura de alguma tranquilidade que lhe diz ter faltado no seu ambiente laboral, na Praia, constituiu uma “grande viragem”na vida de Luís Lobo, ao ponto de, ele próprio, considerar a ilha do Porto Grande “a minha ilha de adopção”, juntamente com a vizinha e imponente Santo Antão.
Ancorado na rádio, mas sem, contudo, virar as costas à música, Luís Lobo, pai de dois filhos e avô, teve a oportunidade de fazer algumas formações no exterior, nomeadamente, em Portugal e nos Estados Unidos da América, nos anos que se seguiram à independência nacional, nas áreas da publicidade e do desporto, tendo trabalhado, igualmente, como comentador desportivo, nas ditas tardes desportivas radiofónicas. No dia-a-dia, a rádio e a música “vivem no meu coração” e dessa feliz união emerge a poesia, tanto é assim que diz ter publicados poemas com o pseudónimo de Luva Solo (Luís Vasco de Sousa Lobo). Incitada pela mãe, que “gostava de escrever e adorava a poesia”, Luís Lobo cria, ainda na Praia, antes da sua transferência definitiva para São Vicente, em 1984, o famoso programa Música & Poesia, transmitido, às quintas-feiras, às 23 horas, nas antenas da Rádio de Cabo Verde (RCV).
Aposentado, por antecipação, em 2008, por razões de saúde e deincapacidade (pólipos nas cordas vocais), que o impedem, de forma contínua, de fazer rádio e cantar e o obrigam a controlo médico permanente em Portugal, Luís, com um trajecto respeitável, continuou, no entanto, a editar e apresentar o programa radiofónico de música e poesia, A Hora do Lobo,mantendo-o semanalmente no ar, para “não ficar sem fazer nada (…), diminuir a saudade e matar, um bocadinho, o bichinho”. Profundamente identificado com a rádio, a sua paixão maior, e, não havendo nada que o estorve, “continuarei a fazer Música & Poesia, até ao fim dos meus dias”.
(Última parte).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 851 de 21 de Março de 2018.