[Re]cortes no Tempo: A internacionalização precoce do ensino superior

PorAdriana Carvalho,20 mai 2018 7:09

Adriana  Carvalho
Adriana Carvalho

Estávamos em 1986. Como se organizava o sistema educativo?

O sistema educativo estava estruturado em três níveis: pré-escolar (de carácter facultativo), escolar e extraescolar. A educação escolar compreendia o ensino básico elementar, o ensino básico complementar e o ensino secundário liceal e técnico. Não existia ensino superior.

A formação de professores para o ensino básico elementar era feita na Escola do Magistério Primário e a dos professores dos ensinos básico complementar e secundário no Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário. Existia ainda um conjunto de instituições, de nível pós-secundário, não integradas no sistema de ensino: Instituto Nacional de Investigação Agrária – INIA, Centro de Formação e Aperfeiçoamento Administrativo – CENFA, Centro de Formação Náutica – CFN e Instituto Amílcar Cabral – IAC.

Nesse ano, iniciou-se um macro exercício de planeamento nacional, o II PND, no qual se tiveram em conta duas variáveis: “a resposta da comunidade internacional na valorização dos esforços nacionais para fazer o país sair do círculo «fechado» do subdesenvolvimento e o papel-chave do aumento da capacitação nacional na promoção acelerada do desenvolvimento”1. A reforma do ensino, com ênfase na regulamentação das bases do sistema, incluindo o ensino superior, era a grande meta do II PND no domínio da educação. Porém, repetimos, o ensino superior não se encontrava ainda institucionalizado, sendo a formação de quadros superiores feita no estrangeiro.

Em 1986 mais uma reunião internacional ou um marco na construção do ensino superior?

No dia 26 de novembro de 1986, na cidade da Praia, constituiu-se a Associação das Universidades de Língua Portuguesa – AULP. Aconteceu numa reunião de instituições de formação, que contou com os patrocínios do Ministro da Educação, André Corsino Tolentino, e do Presidente do Conselho das Universidades Portuguesas, António Simões Lopes. A Fundação Calouste Gulbenkian apoiou a sua realização.

A AULP foi fundada por “instituições de ensino e investigação de nível superior” do Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal.2

Universidade Federal Fluminense, Brasil

– José Raymundo Martins Romeo (representante);

Universidade Federal do Maranhão, Brasil

– José Maria Cabral Marques (reitor);

Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique

– Rui Baltazar dos Santos Alves (reitor);

Universidade de Aveiro, Portugal

– Aristides Hall (vice-reitor em exercício);

Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário, Cabo Verde

– Alberto Mota Gomes (diretor);

Escola Náutica, Cabo Verde

– Hermes Évora (representante);

Instituto Amílcar Cabral, Cabo Verde

– Maria Luísa Ribeiro (representante);

Instituto Nacional de Investigação Agrária, Cabo Verde

– Osvaldo Cruz (representante);

Instituto Nacional de Investigação Tecnológica, Cabo Verde

– Jorge Querido (presidente);

Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação, Guiné-Bissau

– José Vieira (representante).

O jornal Voz di Povo, de 27 de novembro de 1986, noticiou o evento:

No livro Janelas d´Africa (2007), Corsino Tolentino recorda: “Onze anos depois da independência, em 1986, a capital de Cabo Verde serviu de berço à Associação das Universidade de Língua Portuguesa (AULP). Com uma certa ingenuidade acreditava-se que a pertença e a participação neste movimento associativo haveria de acelerar a criação de uma universidade bem enraizada na terra e na cultura cabo-verdianas e com os olhos para lá do horizonte, mas contra aquela intenção prevaleceu a regra segundo a qual todo o desígnio não apoiado no conhecimento estruturado, nem politicamente sustentado, pode acabar temporária ou definitivamente vencido pela realidade”3.

O ensino superior foi instituído quatro anos depois da constituição da AULP (dezembro de 1990, 1.ª Lei de Bases do Sistema Educativo) e a universidade pública só viria ser criada vinte anos mais tarde (novembro de 2006).

Em nossa opinião, o facto de na capital de um país sem ensino universitário se ter constituída uma associação internacional de universidades tem relevância simbólica. Realça-se, também, a ousadia dos dirigentes e representantes de cursos de nível pós-secundário terem firmado a ata constitutiva da AULP em nome das “Instituições de Ensino e Investigação de nível superior da República de Cabo Verde”.

Jornal
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Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 859 de 16 de Maio de 2018.

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Autoria:Adriana Carvalho,20 mai 2018 7:09

Editado porChissana Magalhães  em  21 mai 2018 8:40

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