Eduarda Vasconcelos: O Ritmo Musical da Ginástica Dançante (parte I)

PorCésar Monteiro,2 out 2018 6:16

​Maria Eduarda Neves Almeida Vasconcelos nasce a 23 de Outubro de 1952 na Cidade do Mindelo, na Freguesia de Nossa Senhora da Luz, e é filha de Manuel Duarte Almeida (Manel Djinha) e de D. Amândia Maria Neves Almeida, ambos nascidos, também, na ilha de São Vicente.

De origem sanicolanense, o pai, inicialmente, é funcionário da Capitania, durante alguns anos, mas, como tivesse revelado talento nato para o futebol e “conhecesse a língua inglesa”, conforme di-lo a filha Eduarda, “vai para a ex-Guiné Portuguesa jogar futebol, em finais de 1957, no Sporting de Bissau, onde faz todo o seu percurso desportivo e, ao mesmo tempo, trabalha, nesse país, numa empresa petrolífera”. Concluída a carreira futebolística iniciada em São Vicente com a Associação Académica do Mindelo, como jogador titular, na década de 1950, “o meu pai faz o curso de treinador em Portugal, passa a treinar a UDIB de Bissau e, pontualmente, o Benfica”.

Mais tarde, em 1959, Manel Djinha viria a abandonar a referida empresa petrolífera, onde trabalhara em simultâneo com a actividade futebolística, ingressa na Câmara Municipal de Bissau, mediante concurso, como funcionário público (aspirante), e vai progredindo, até ao seu regresso definitivo a Cabo Verde, em 1979. Na sua ilha natal, em São Vicente, o pai passa a trabalhar na Câmara Municipal de São Vicente e, depois, é designado Delegado do Governo de São Nicolau, até à data da sua aposentação, nos anos 90, e morre em 2008, vítima de complicações cardíacas. A mãe Amândia, de profissão doméstica e “sempre zeladora pela educação dos filhos”, vai juntar-se ao marido futebolista, em Bissau,no primeiro trimestre de 1959, acompanhada da prole, e ali integra-se sem grandes dificuldades, a não ser aquelas que decorrem dos constrangimentos normais de então, de índole marcadamente cultural.

Numa sociedade, que lhe parecia relativamente estranha, ou distante, sobretudo do ponto de vista de hábitos culturais e de práticas de vida com os quais não estava acostumada, naquela faixa etária de descoberta da identidade individual e colectiva, Eduarda, aos cinco anos, procura integrar-se e faz os estudos primários, que a marcam particularmente, em plena fase de socialização primária, que de resto, não terá sido muito fácil. “A primeira classe foi marcante para mim, porque encontrei em Bissau uma professora cabo-verdiana, de nome Fátima Ferreira, muito exigente com os alunos na sala de aulas, principalmente com o falar e o escrever português”. Ainda pequenina, a despeito das diferenças culturais notórias entre os dois países irmãos, “cresci bem na Guiné-Bissau, nunca sentimos falta de nada, o meu pai trabalhava e a minha mãe, em casa, mas sempre me perseguia aquela nostalgia de viver fora, longe de Cabo Verde, mormente numa altura em que já decorria a luta armada no mato. Eu não estava na minha terra, as culturas eram diferentes, as pessoas eram diferentes, mas, de modo algum, me sentia rejeitada”. A despeito das dificuldades conjunturais, a infância e a adolescência de Maria Eduarda, diga-se de passagem, “muito positivas”, ancoradas em princípios recebidos em casa, decorrem “sob a asa protectora dos meus pais, num ambiente de muitos amigos guineenses e cabo-verdianos que ali viviam e com os quais nos dávamos bem.”.

Os estudos secundários de Eduarda alternam-se entre duas cidades diferentes - Mindelo e Bissau -, com “algumas licenças graciosas pelo meio”. No segundo ano, que na, altura, se chamava o preparatório, “fiz seis meses no Liceu Gil Eanes, antigo Liceu Velho, e, depois, em Bissau, no Liceu Honório Barreto, concluí o 3º Ciclo, Alínea G – Área das Ciências Económicas”. Posteriormente, terminado o ensino liceal, em Outubro de 1970, parte para Portugal a fim de ali prosseguir os estudos e diploma-se pela Escola de Educação Física de Lisboa, ex-INEF, na Cruz Quebrada, em Junho de 1974, regressando imediatamente não a Guiné-Bissau donde partira quatro anos antes, mas a Cabo Verde que, na altura, não era país independente. “Quando vou para Portugal estudar, fi-lo com um objetivo fixo, que era estudar e trazer o meu certificado e não brinquei no serviço. Termino os estudos superiores e digo ao meu pai, que ainda se encontrava em Bissau, que não vou regressar à Guiné-Bissau, onde cresci e vivi rodeada de bons amigos e de famílias, mas a Cabo Verde para trabalhar, porque sou cabo-verdiana”.

Chegada a bom porto, Eduarda Vasconcelos, casada e mãe de dois filhos, lecciona, pela primeira vez, no ex-Liceu Gil Eanes, no ano lectivo 1974-1975, como professora de Educação Física, e, após a independência nacional, na Escola Industrial e Comercial do Mindelo (EICM), desde Dezembro de 1975, até Outubro de 2008, data em que se aposenta, após um percurso docente vasto e rico marcado, particularmente, pela presença da Ginástica Rítmica (GR) com uma fortíssima componente musical. “Antes de me familiarizar com a ginástica, sempre gostei da música, aliás, na minha juventude gostava de cantar e, inclusive, em Bissau, no Liceu, cheguei a pertencer a um orfeão (…). Em São Vicente, quando o conjunto musical Os Caites ensaiava na sede Grémio Desportivo Amarante com o Jorge Sousa e o Hermes Morazzo, eu costumava ir lá e cantava com eles, mas não em público. Coisas da juventude”. Apaixonada pela música, desde cedo, todavia, não toca qualquer instrumento musical, mas“tenho conhecimentos elementares da música adquiridos no Liceu com os Professores José Alves dos Reis e Jorge Monteiro (Jotamont), e, também, no ex-INEF”.

Virada para a Ginástica Rítmica (GR), conhecida, na altura, em Portugal como dança rítmica, a Eduarda regressa a Cabo Verde com a especialidade de voleibol, na bagagem, e com o entendimento de que, sim, a GR“tinha pés para andar”e, logo,“comecei, no quadro da disciplina de Dança Rítmica, a fazer apresentações de coreografias nos jardins infantis e, nas escolas, juntar alunos e alunas e fazer demonstrações nos pátios, em São Vicente.”. Para lá da paixão pela Ginástica Rítmica (GR) adquirida no Instituto Nacional de Educação Física (INEF) na Cruz Quebrada, em Portugal, sob influência da Professora Jenny Candeias, em especial, Maria Eduarda ganha maior gosto e sensibilidade pela música e pela dança, de resto presentes nessa modalidade desportiva, que, em 1988, se institucionaliza em Cabo Verde, ganhando a sua própria personalidade jurídica, com “o prestimoso apoio da minha colega Manuela Vieira”, que, na altura, se encontrava a trabalhar na Praia.

Indepentemente de se manifestar seja através da competição propriamente dita, ou da ginastrada, a Ginástica Rítmica (GR), transporta consigo o ritmo musical e a musicalidade, que reside, basicamente, “na grande sintonia do exercício com as partes da música (…), a partir de uma música que tenha sentido”. Dito de outro modo, a Ginástica Rítmica (GR) pressupõe, na perspectiva de Eduarda Vasconcelos, que é, também, diplomada com o Complemento de Licenciatura em Organização e Gestão Desportiva feita na Universidade do Porto, em 1998, uma articulação entre “o exercício físico, a música, a sua melodia, a sua parte alta, a sua parte baixa, enfim, tudo tem que estar em sintonia”. É preciso, antes de mais nada, “conhecer-se a música, quando é que ela está na parte alta, quando é que ela vai terminar, e, igualmente, conhecer-se a técnica de contagem dos tempos musicais”. Na procura, pois, da necessária sintonia entre as diversas componentes da Ginástica Rítmica (GR), “o corpo tem que mexer com o ritmo da música e, igualmente, tem que estar ligado ao coração, que é o sentimento, e ao cérebro, que dá o comando.”. A música, seja ela cabo-verdiana, ou estrangeira, “transporta a ginasta para aquele campo da música”, leva-a consigo, porque a ginasta é, acima de tudo, uma artista com talento, em movimento dinâmico, que combina a expressão corporal e estética com o ritmo musical, numa espécie de ginástica dançante.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 878 de 26 de Setembro de 2018.

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Autoria:César Monteiro,2 out 2018 6:16

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  2 out 2018 6:16

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