O Estado de direito democrático não rima com a cultura revolucionária-marxista

PorCasimiro de Pina,1 mar 2019 6:23

​“Se o fascismo e o comunismo só tivessem seduzido os imbecis, teria sido mais fácil livrar-se deles.”- Jean-François Revel

Li, com atenção, o artigo do Dr. Benfeito Mosso Ramos no Expresso das Ilhas.

Um texto longo e enganador, cheio de clichés.

É muito estranho, deveras, que um Magistrado/Juiz do Supremo Tribunal de Justiça esteja, na comunicação social, a fazer esse triste papel.

Dizer que a Constituição da República de 1992 tem a sua base no pensamento político de Amílcar Cabral é simplesmente um ABSURDO. Mera técnica de desinformação.

Não lembraria ao diabo!

O Ministério da Verdade, no 1984 de George Orwell, dedica-se ao fabrico de mentiras e à reescrita interesseira da história.

Benfeito Mosso, preso num labirinto de confusões, não percebe que a Constituição democrática de 1992, surgida na esteira da “terceira vaga” de que falava Samuel Huntington, marca, precisamente, a RUPTURA com o pensamento de Cabral e o ideário transpersonalista, captado no universo cultural soviético, da velha Constituição cabo-verdiana de 1980.

A burla de etiquetas é inadmissível.

Cabral defendia a DITADURA do partido único, o controlo da economia por parte do Estado e a existência de uma vanguarda cultural de estirpe estalinista.

Já o mostrei, concludentemente, em vários escritos, que estão vazados em livros, com o devido e exigente rigor científico (ver, sobretudo, o meu Sociedade Civil, Estado de Direito, Economia e Governo Representativo – Repensando a Tradição Liberal-Conservadora no Século XXI, Chiado Editora, Lisboa, 2016).

“A geração da Utopia” – para utilizarmos um símile do escritor angolano Pepetela – é, afinal, a geração da tirania, e da torpe submissão do Indivíduo à Organização.

O problema é que o sr. Benfeito, no seu artigo de opinião, OMITE os conceitos centrais e decisivos da mecânica política cabraliana: a luta de classes, que nenhum marxista consequente pode dispensar, o papel cimeiro do partido, nas vestes de demiurgo – capaz de decifrar, através da bola de cristal hegeliana-marxista-leninista, as “leis da história” – e criador mesmo de nações, a natureza do Estado, o progressismo revolucionário, o centralismo democrático, a ideologia colectivista, etc., etc..

Nada disso aparece na análise malfeita do Benfeito, com a sua apressada “hermenêutica de frases soltas”, digamos assim.

Benfeito M. Ramos reproduz, acriticamente, todos os tiques da propaganda paicevista.

Continua a tratar, por ex., os combatentes como “nacionalistas”, e assim por diante.

Se tivesse lido Gabriel Fernandes saberia que isso é, no mínimo, problemático. (A ideologia do PAIGG não é nacionalista, em bom rigor).

Há que superar os chavões! Não tomar a nuvem por Juno.

De forma negligente (negligência grosseira?), o nosso ilustre magistrado cita, inclusive, passagens de Cabral que contradizem a sua pretensa faceta “liberal”:

“...enquanto a nossa luta for a que é e enquanto o nosso tipo de política for aquele que nós temos, o Secretário-Geral do Partido é que é o Chefe Supremo de toda a gente do Partido. (...) Nas condições da nossa terra e da nossa luta, por mais democratas que sejamos, democracia para nós é isso mesmo”.

É a apologia do chamado “centralismo democrático” (= disciplina férrea e submissão às teses do Chefe supremo do partido). Situa-se, aqui, o germe do culto da personalidade, típico dos partidos de matriz leninista.

O partido é, assim, uma organização monolítica, em que a voz do Secretário-Geral soará, em última instância, como um decreto divino, clarividente, puro e incontestável.

A liberdade de pensamento é excluída e a minoria sujeita-se, sem pestanejar, às decisões da maioria, num partido que é organizado de cima para baixo, e não o contrário.

No fundo, instaura-se uma cultura de “unanimismo” e subserviência, o cerne da estratégia política do PAIGC-CV, desde sempre.

Quem conhece, a fundo, a obra política de Amílcar Cabral e os seus textos fundamentais (A arma da teoria, A prática revolucionária, etc.) sabe que, basicamente, o núcleo duro coincide com o célebre escrito de V. I. Lenine, O Estado e a Revolução. Está tudo ali.

De resto, o próprio Cabral considerava Lenine, esse ditador russo e chefe-de-fila dos bolcheviques, uma espécie de “farol da humanidade” (sic).

Um dos ídolos de Amílcar Cabral foi, pois, o grande patrono do maior Estado totalitário e criminoso do século XX, criador, entre outras preciosidades antropológicas, de instrumentos repressivos como polícia política, campos de concentração, tribunais revolucionários, perseguição religiosa e extermínio em massa de certas “classes” indesejadas.

A Cheka tornou-se a instituição mais forte e temida do país.

Lenine acreditava, piamente, no terror e na violência como meios para se chegar ao anunciado “paraíso” socialista.

A ditadura era um instrumento de purificação!

Como ignorar estes aspectos determinantes?

Como ignorar, também, o especialíssimo conceito de povo defendido por Cabral (= aqueles que estão com o partido, o resto é população)?

O que é que isso tem a ver com a moderna Soberania Popular, defendida por certos publicistas europeus e norte-americanos? Nada. Rigorosamente nada.

A Constituição da República de 1992 é, lembrando Hayek, a “Constituição da liberdade”, que sintonizou Cabo Verde com o mundo civilizado, acolhendo, na plenitude, a tradição dos “direitos naturais e inalienáveis do Homem”, coisa que o partido único, como é óbvio, nunca aceitou.

Ora, NÃO HÁ qualquer Liberdade, nem a tão estimada protecção da dignidade da Pessoa Humana, sem a existência de mecanismos de pesos e contrapesos e de equilíbrio de poderes.

Aqui reside, em síntese, o “nomos”.

Tem de haver, portanto, uma arquitectura institucional adequada.

Isso NÃO existe em nenhumaparte do pensamento cabraliano, por mais que os cristãos-novos queiram, agora, inventar.

O resto é conversa fiada e propaganda ideológica à moda antiga, tal como ensinada, com esmero, nas velhas academias de Moscovo.

Post scriptum: foi o sr. Amílcar Cabral, já agora, que introduziu a cultura de FUZILAMENTO sumário de adversários na Guiné-Bissau, a partir do congresso de Cassacá. “Che” Guevara fazia a mesma coisa em Cuba. O partido está acima de tudo, inscrevendo a barbárie no espaço-tempo revolucionário. É assim que ele criou, repristinando o poder total dos reis absolutistas, os alicerces do actual Estado de direito! Estamos de volta, no cavalo alado da demagogia, à Lilliput comunista…

Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 899 de 20 de Fevereiro de 2019.

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Autoria:Casimiro de Pina,1 mar 2019 6:23

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  1 mar 2019 10:16

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