Recentemente, a Islândia voltou a surpreender o mundo ao conseguir baixar drasticamente o consumo de álcool e drogas entre os jovens, um mal de que padecia a nação e que se tinha tornado um flagelo nacional.
Ainda há duas décadas, os jovens islandeses eram os que mais bebiam na Europa. Lembro-me de pessoas que viveram na Islândia na década de 90 me terem contado como os carros patrulha da polícia andavam nos fins-de-semana a recolher jovens bêbados caídos na rua e os levavam para as esquadras, que se tinham tornado autênticos hotéis onde esses jovens (alguns com 15 anos) ficavam a dormir até ao dia seguinte, altura que os iam levar a casa dos pais. A baixa de Reykjavík, a capital, era perigosa e não se podia circular à noite, aos fins-de-semana, devido aos bandos de jovens bêbados, que se tornavam violentos.
Hoje, os dados mostram uma realidade bem diferente: a Islândia está entre os países europeus em que os jovens possuem hábitos mais saudáveis. Atente-se a alguns dados divulgados: “A percentagem de miúdos entre os 15 e os 16 anos que ficaram embriagados no mês anterior desceu a pique, de 42 por cento em 1998 para 5 por cento em 2016. Os que já experimentaram cannabis passaram de 17 para 7 por cento. Os que fumam tabaco todos os dias passaram de 23 para apenas 3 por cento.”
Na Islândia dos nossos dias, apenas 5% dos jovens entre 14 e 16 anos dizem ter consumido álcool no mês anterior, 3% dizem fumar tabaco diariamente e 7% consumiram haxixe ao menos uma vez nos últimos 30 dias. Em comparação, a média europeia é de 47%, 13% e 7%, respectivamente. Na América Latina, segundo dados da UNICEF, 35% dos jovens entre 13 e 15 anos dizem ter consumido álcool no último mês e 17% fumam diariamente.
Segundo os relatos de um especialista que estuda o fenómeno islandês, a razão porque hoje não se vêem muitos jovens nas ruas “(...) é porque estão a ter aulas nestes edifícios [pavilhões desportivos], ou em clubes dedicados à música, à dança ou às artes visuais. Ou porque foram sair com os pais.”, reforçando que “[s]e fosse adoptado noutros países, o modelo islandês poderia contribuir para o bem-estar físico e psicológico de milhões de adolescentes, reduzir as despesas com cuidados de saúde dos estados e beneficiar a sociedade como um todo.” Acrescente-se ainda que “[o]s estudos mostraram que a maior participação em actividades extracurriculares e o aumento do tempo passado com os pais diminuem o risco de se consumir álcool e outras substâncias. Por isso, a Islândia aumentou os recursos destinados à oferta de actividades para adolescentes, como desportos, música, teatro e dança.”
A abordagem que conseguiu este milagre é complexa, mas vale a pena ser estudada, pois, por certo, seria um bom exemplo para o nosso país, onde o consumo de álcool e drogas entre a nossa juventude já se torna preocupante, sobretudo por falta de alternativas.
Cabo Verde ainda não chegou ao ponto em que a Islândia esteve anteriormente, mas sabemos todos que o consumo de álcool e drogas entre os jovens tem vindo a aumentar a um ritmo preocupante. Na adolescência, a minha geração, mesmo que quisesse beber bebidas alcoólicas em grande quantidade, não tinha poder de compra para o fazer. Os jovens desta geração têm-no, fruto do efeito conjunto do aumento do poder de compra da população berdiana e do abaixamento dos preços devido à concorrência. Beber uma cerveja, para nós, era um luxo, num tempo de mercado fechado e protegido, em que uma cerveja era caríssima, ao passo que os jovens adolescentes e universitários de hoje organizam “cervejadas” que duram horas e onde se consomem abundantes quantidades de álcool. As mercearias de antanho transformaram-se em “barcearias” e os tradicionais “balaios”, que vendiam guloseimas, são hoje verdadeiros bares ambulantes que vendem bebidas de qualidade duvidosa, alimentados pela onda de festivais musicais e outros eventos de grande concentração popular, próprios de uma sociedade em franca modernização e urbanização. Uma nova realidade que tem de ser acompanhada com medidas enérgicas e urgentes, como a proibição de venda e consumo de álcool em público, controlo efectivo da circulação de jovens menores a altas horas da madrugada, proibição de entrada desses menores em festas e outros eventos onde exista venda e consumo de álcool, etc., etc. A lição da Islândia está aí à mão de semear se quisermos aprender como se faz. A título de exemplo, desde 2002 que é proibido crianças menores de 12 anos circularem sozinhas na rua depois das 20h e menores de 16 anos após as 22h.
Não deixa de ser interessante constatar também que, num país tão democrático e liberal como é a Islândia, cadeias como a McDonald’s ou como a Starbucks sejam proibidas. A saúde, sobretudo, das novas gerações, agradece, num tempo em que a maioria dos países ocidentais se vê a braços com sérios problemas de obesidade nas suas camadas jovens.
Num outro comprimento de onda, também por lá foram proibidos clubes de strip-tease, anteriormente abundantes num país de marinheiros e pescadores. Só mesmo na Islândia...
Com todas estas medidas, a Islândia é hoje considerada o segundo país do mundo com a melhor qualidade de vida e conheceu nos últimos anos um enorme boom turístico, tendo quadruplicado o número de entradas de turistas a partir de 2010, uma situação que preocupa as autoridades do país, que estão a estudar medidas para a contenção do fenómeno, apesar de o turismo ser baseado sobretudo no ecoturismo e na observação de baleias.
A Islândia é também considerada um dos países mais inovadores do mundo, com investimentos em áreas como a produção de software, biotecnologia e finanças. Tantos atributos para um micro-país!
Tirando partido da sua localização entre a América do Norte e a Europa, os islandeses implementaram com sucesso um hub aéreo, em que os passageiros podem escolher ficar em terra durante 7 dias sem que as passagens fiquem mais caras. Em 2017, o número de passageiros que passou pelo aeroporto internacional islandês de Keflavik cresceu 27%, totalizando 8,76 milhões de pessoas! Nada mau para um país de 330 mil habitantes. Cabo Verde, com cerca de 540 mil habitantes, teve em 2017 um tráfego de 2,6 milhões de passageiros em todos os seus aeroportos e aeródromos, o que representou um louvável crescimento de 17,3% em relação ao ano anterior.
Por essas e por outras boas razões, exultei quando foi anunciada a parceria entre a nossa depauperada TACV e a Icelandair. Parceria com nórdicos significa seriedade, competência e uma grande probabilidade de sucesso, algo que não abunda muito nas terras mais quentes do planeta. Uma outra boa opção poderia ter sido a Norwegian, em cujos aviões tive o prazer de viajar, uma das companhias de baixo custo pioneira a entrar no mercado transatlântico.
Há já alguns anos que venho defendendo neste espaço uma maior aproximação às nações nórdicas, como a Noruega, a Suécia e demais países do Norte da Europa (recordo as duas crónicas que escrevi em 2014 intituladas Mercados “naturais” da nação Verdiana – da Nigéria à Noruega).
Faço votos de que a parceria com a Icelandair traga os melhores frutos para a recuperação da actual Cabo Verde Airlines e para a construção do hub aéreo de Cabo Verde, e que seja um primeiro passo nessa aproximação ao verdadeiro mundo desenvolvido dos países a norte, a cujos habitantes Cabo Verde pode oferecer um bom clima para virem passar férias e/ou trabalhar, mas, sobretudo, para terem um local seguro onde as suas populações reformadas possam viver os seus anos dourados.
Como sempre afirmei, Cabo Verde tem de se afirmar como o resort da Europa (e não só).
PS: os meus amigos Vasco Martins e Alexandre Andrade desafiaram-me a conhecer as experiências musicais islandesas, e as suas sonoridades atlânticas. Quem sabe não escrevo sobre isso oportunamente... afinal, dividimos com a Islândia e outros arquipélagos este imenso continente que é o oceano Atlântico e lá no fundo até somos parentes.
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 900 de 27 de Fevereiro de 2019.