Aquando da independência nacional, Cabo Verde era considerado, por muitos, como sendo um Estado inviável. Não havia muitas contas a fazer, o país não possuía recursos minerais de elevado potencial económico, grande parte dos solos eram impróprios para a prática da agricultura, o que aliado à escassez de água vaticinava o mais que provável destino do pequeno Estado insular em construção. Contudo, o país e as suas gentes conseguiram contrariar o próprio destino, e a diáspora teve um papel fundamental na sustentabilidade e viabilidade do Estado. Aliás, ainda hoje as remessas financeiras dos emigrantes têm um forte peso no PIB nacional. Talvez seja por esse contributo histórico que o país teime em continuar a ver a diáspora apenas como fonte de remessas financeiras, ignorando o próprio perfil desta nova diáspora.
Cabo Verde é frequentemente apontado como um dos países africanos com maior taxa de “fuga de cérebros” ou “brain drain”. Contudo, o nosso “brain drain” não resulta da migração de cientistas, médicos, engenheiros ou outros profissionais experientes, mas sim de estudantes que falham o regresso ao país após a conclusão da formação académica no exterior. Se é verdade que o nosso “brain drain” não é tão grave como o êxodo de profissionais experientes, é igualmente verdade que o país acaba por perder os seus jovens quadros de maior potencial, uma vez que esses são aqueles cujo perfil interessa às empresas e às instituições públicas nos países de acolhimento. Por outro lado, este novo migrante tem um perfil muito mais transnacional, e com fortes tendências para a criação de raízes duradoras e estáveis nos países de acolhimento, o que dificulta uma aposta exclusiva no envio de remessas financeiras.
No passado, o “brain drain” era referido, exclusivamente, como algo negativo para os países de origem. Hoje, são cada vez mais frequentes os casos de países que transformaram o “brain drain” no “brain gain”. Cabe aos governos de países de origem implementarem medidas que fomentem a diversificação da participação da diáspora no processo de desenvolvimento do país. Por exemplo, a Índia tem respondido de forma assertiva à mudança de perfil da sua diáspora. Em 2015, cerca de 77% dos imigrantes indianos com mais de 25 anos de idade, residentes nos EUA, possuía educação universitária, superando os próprios cidadãos nacionais dos EUA que ficavam apenas pelos 31%. Face a esse novo perfil de emigrantes, a Índia tem utilizado a sua diáspora para fazer diplomacia económica e política, bem como tem incentivado a participação da diáspora científica no processo de desenvolvimento do país. À semelhança da Índia, vários outros países como o Taiwan ou a Correia do Sul têm conseguido, com sucesso, transformar o “brain drain” no “brain gain”.
Por tudo isso, não se compreende como é que Cabo Verde continua a ignorar o potencial técnico-científico da sua diáspora. Hoje, num mundo global e cada vez mais conectado, um médico que vive em Boston, uma engenheira que vive em Singapura ou um cientista que vive em Cambridge, não precisam de estar em Cabo Verde para contribuírem para o desenvolvimento do país. Para isso, temos de conectar essas pessoas e conectá-las ao serviço do país. Daí também, que se torne urgente a criação da rede da diáspora do conhecimento, porque só assim poderemos conectar os cabo-verdianos espalhados pelo mundo, conectando-os, por sua vez, ao serviço da construção do tal Cabo Verde 2.0 que todos nós ambicionamos.
Investigador na Universidade de Cambridge e no MRC Laboratory of Molecular Biology
Cambridge, Reino Unido