A Exposição do Mundo Português, inaugurada em 1940, mostra ao vivo, populações trazidas, maioritariamente de África, nos seus trajes parcos e mais exóticos, mas é pouco provável que no Pavilhão das Ilhas, da Secção Colonial, houvesse referência à cultura crioula de Cabo Verde, ou tivesse sido cantada alguma Morna. Aliás, o Estado Novo achava que “a Morna era uma dança e cantiga de Cabo Verde, um pouco dolente e lasciva” (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira).
Assim, o povo português nunca teve oportunidade de se deliciar com uma suculenta cachupa ao som de uma Morna, como acontecia com os colonos que habitavam as ilhas.
Depois da independência, Cabo Verde espalhou pelo mundo legiões de músicos e cantores que levam sempre na bagagem a Morna. Mas a capital da música crioula ainda é Lisboa. Porque foi daqui que os marinheiros e viajantes levaram para as ilhas as violas, os cavaquinhos e as guitarras portuguesas que deram corpo instrumental à música cantada em Cabo Verde e que para cá voltou cafrealizada e crioula na letra e na melodia. Não é arriscado dizer que uma morna é um fado tropical.
Antes do microfone, a Morna era cantada como o fado: em silêncio dos públicos e, provavelmente, com mais apoio instrumental para ser dançada. A amplificação e apoio de instrumentos como o baixo, o piano ou clarinete, dão-lhe outra dimensão e aumentam muito o número de admiradores e praticantes. O cavaquinho, que se tornou fundamental no acompanhamento, não é o original bracarense: é o cavaquinho torna viagem do Brasil, que é tocado com técnica diferente da praticada no Rio de Janeiro. Com esta melhoria de meios, a Morna cresceu em número de compositores e interpretes e alcançou a fama e glória merecidas, no conjunto das músicas populares do mundo. Tive a sorte de aprender a cantá-la com a multidão de músicas meus amigos de sempre e que a trouxeram para Lisboa, tornando-a também nossa, pois o crioulo que lhe dá forma tem origem na língua portuguesa.
Os bairros alfacinhas são ambiente condizente com a sua melancolia envolvente. Os cabo-verdianos são nossos filhos e nossos irmãos e, como os brasileiros que cada vez mais se cruzam comigo nas ruas de Lisboa, dão cor e luz às nossas vidas, com a forma como falam e se relacionam com a nossa quase tristeza crónica. A Morna também é o nosso espelho d’alma, faz um investimento muito forte na “Sódade”, e nisso, nós somos especialistas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 944 de 01 de Janeiro de 2020.