Praia de Santa Maria da Esperança (Revista Fragmentos, nº 9, 1993) é designação mais antiga do espaço hoje conhecido por «Plateau», na linha do seu reconhecimento como planura, por Travassos Valdez em 1864. À imagem de outros núcleos urbanos de Cabo Verde com relevância sob o ponto de vista histórico, tem valor de herança cultural. Esta especificidade, por si só, representa a condição de bem patrimonial, reconhecido através da Resolução n.º 67/2013 de 17 de Maio, (B.O. nº 26/2013-I Série), a corresponder a um território que acolhe variados monumentos no seu seio, referenciados como «obras arquitetónicas e outras composições», com interesse histórico (Lei nº 102/III/90 de 29 de Dezembro).
Desde 1778, mudanças significativas ocorreram na paisagem visual deste que é o Centro Histórico da Praia, revelando-se toda a sua evolução, através de conhecidos traçados da vila e, depois, cidade. As imagens da urbe, transmitidas dessa forma, têm ajudado a perpetuar a memória do seu passado. Foram também perduradas outras referências históricas que contribuíram para a sua elevação ao estatuto de cidade no Decreto nº 94, de 29 de Abril de 1858, no qual se reportava ao «grande augmento que, moderadamente, tem tido a Villa da Praia, em população e edifícios, bem como no desenvolvimento do seu commercio» (B.O. da Província de C. Verde nº 20/1858).
Apesar de não ser feita qualquer referência a um ou outro edifício em particular, expressivo do incremento mencionado no Decreto nº 94/1858, conhecemo-los graças ao conteúdo de um relatório datado de 9 de Abril de 1858, da Direção das Obras Públicas da Província, então sedeada na Vila da Praia. Esse documento aludia aos principais edifícios da urbe, apresentando-os, nos inícios do mêsde abril desse ano, como construções de primeira necessidade que eram divididas em três classes: obras em projeto, obras em andamento e obras interrompidas (Senna Barcellos, 2004, 2ª Edição, vol. IV).
Era na altura, Diretor das Obras Públicas, da província de Cabo Verde, o Engenheiro Militar, Januário Correia de Almeida (1829-1901), apresentado na imagem seguinte, que tinha acabado de tomar posse nas funções referidas.
Esta personalidade da História da Cidade da Praia e de Cabo Verde, estudou na Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra entre 1849 e 1853. Passou, depois, um ano na Escola da Armada, onde se especializou como Engenheiro Militar. Em 1854 veio para Cabo Verde, trabalhar nas obras públicas e, na qualidade de Diretor desse serviço, impulsionou a edificação de variadas obras arquitetónicas estruturantes para a dinâmica urbana, entre as mesmas algumas daquelas inseridas nas classes acima referidas, destacando-se: o edifício da Alfândega do Mindelo e o Porto da Praia, onde também acelerou a conclusão do Paços do Concelho, quando passou a desempenhar as funções de governador-geral, a partir de março de 1860. Por essa altura, parece ter havido todo um esforço de fomento urbanoque, no nosso ponto de vista, resultou da aproximação do momento da elevação da Vila da Praia a Cidade, pois era necessário dar uma outra fisionomia à paisagem citadina da Praia, prestes a ver elevada a sua categoria.
Para além do empenho em relação a melhoramentos e/ou construção de edifícios públicos, também se previa o calcetamento das ruas e outros trabalhos da Câmara. Estes, prosseguiram mesmo depois da elevação da vila a cidade. Efetivamente, confirma documentação publicada depois de abril de 1858 que era dado sequência, no 1º trimestre de 1859, variadas obras na urbe, entre as quais, o Paços do Concelho (Oficio nº 114 do Governo-geral da Província de Cabo Verde Série de 25 Maio de 1859). Veio este edifício a ser concluído em 1860, passando a ter aparência que ostenta hoje.
Os traçados urbanos da Praia, na altura, identificavam já diversos eixos (ruas, travessas, largos e praças) que vinham consolidando, mesmo antes do advento do estatuto de cidade. Entre as obras em andamento, ainda no tempo da vila da Praia, destaca-se aquela que é, a par do quartel militar, uma das mais antigas construções - o hospital, na sua forma primitiva. No inicio da construção desta última, na década de 40 do século XIX, a mesma era geo-referenciada na parte leste do burgo, como um vasto edifício que se poderia considerar bem localizado. O desenho do mesmo, na sua fisionomia mais antiga, fora concebido pelo então diretor das Obras Públicas, António Maria Fontes Pereira de Melo, uma década antes da chegada de Januário Correia de Almeida. Sucederam ao primitivo hospital, enfermarias, propostas para «cazas» necessárias a um serviço independente e, em 1878, às mesmas foram aplicadas «janellas do systema usado nos hospitais modernos, que facilitassem regular, à vontade, o ingresso do ar, no interior desse espaço» (Relatório da Direção das Obras Públicas da Província de C.Verde/Outubro de 1878, 86f, AHU, Cxa. 163).
Neste texto, além de assinalarmos o dia da Cidade da Praia e relembrarmos uma das personalidades impulsionadoras deste estatuto,abordamos alguns bens patrimoniais da urbe, vistos como monumentos que pelas suas particularidades na ordem funcional do espaço em apreço, exprimem momentos históricos relevantes e acrescentam valor estético à cidade. As especificidades deste tipo de bens da Praia, em especial, o antigo Liceu Nacional de Cabo Verde, construído em 1960, são evidenciadas, no meu último livro, do qual é esta edificação, imagem de capa: MONUMENTOS: HISTÓRIA E INTERPRETAÇÃO – Zona histórica da Praia (eixo centro/norte), a ser apresentado no dia 28 de Abril pelas 17 horas no Salão do Munícipe, dos Paços do Concelho.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1013 de 28 de Abril de 2021.