Esclarecimentos de Carlos Alexandre Reis, ex-Director Nacional da Polícia Judiciária

PorCarlos Reis,6 jan 2022 15:28

No passado dia 28 de dezembro foi publicado num meio de comunicação online, uma vez mais, um longo texto sobre suspeitas relativas à responsabilidade de Paulo Rocha, na qualidade de Diretor Nacional adjunto da Polícia Judiciária, na morte de um indivíduo na sequência de um confronto com funcionários da Polícia Judiciária.

Nos últimos anos, sempre o mesmo jornal online, através de jornalista, ou dando espaço a “pseudo” especialistas, que, todavia, sequer tentam disfarçar a sua agenda pessoal e o seu afã de vingança, tem publicado textos em que destilam versões de acontecimentos que não conhecem, não acompanharam e que têm manifestado, cada vez mais, com uma expressa determinação em “fazer cair” um responsável governativo.

Tenho-me mantido em silêncio, apesar dos fatos terem ocorrido em 2014, numa altura em que assumia as funções de Diretor Nacional da Polícia Judiciária e, nessa qualidade, responsável máximo da instituição, principalmente porque sempre entendi dever prestar declarações em sede própria e evitar “chafurdar” num arrazoado de insinuações e falsidades que foram sendo publicadas ao longo destes últimos anos.

Entendo que já não posso esperar até que se decida pela minha audição perante o Ministério Público, quando se entrega a um órgão de comunicação social peças processuais, que deveriam estar sob segredo de Justiça (entendendo, pessoalmente, que não é o órgão de comunicação social que se deverá procurar responsabilizar por tal violação), e principalmente quando essa entrega é, claramente, feita por quem tem o processo sob sua responsabilidade. Diga-se também que, se o processo não conheceu desenvolvimentos até então, não será com certeza através da manipulação e do falseamento dos fatos, que se esclarecerá o que se impõe ser esclarecido.

Quando assim é, e quando o grau de falsidades reproduzidas nos Autos chega já a um nível intolerável, quando fica cada vez mais claro que demasiadas pessoas com responsabilidades conluiam para subverter fatos e evidências, ainda que para isso conspurquem a dignidade e o bom nome, já não apenas de uma pessoa, mas de várias, e da própria instituição, sinto-me obrigado a, publicamente, desmentir frontalmente a versão dos fatos que foi publicada e que, aparentemente, consta dos Autos de Instrução 6379/2015, que incidem sobre a morte de José Lopes Cabral, que foi conhecido por “Zezito Denti d’Oru”.

Constam do referido Inquérito uma série de fatos que são falsos e cuja prova não poderá ser feita, de todo, nem com recurso ao depoimento, ora trazido à luz, do Inspetor Gerson Lima, o qual desminto frontalmente.

Primeiro fato falso, e propositadamente distorcido pelo atual Diretor Central de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, André Semedo: o Grupo de Operações Táticas (GOT) da Polícia Judiciária não foi criado para aquela operação. O GOT foi criado em 2007, por iniciativa do Coordenador de Investigação Criminal Elton Santos, após participar numa ação de formação sobre técnicas de intervenção policial, ministrada pelo Grupo de Intervenção da Polícia Nacional Francesa – RAID, em junho daquele ano.

Nota-se que nessa altura André Semedo era o Diretor do Departamento da PJ em São Vicente.

Inicialmente com abrangência restrita à São Vicente, viria a tornar-se um grupo com abrangência nacional, após o Diretor Nacional Óscar Silva Tavares, designar a criação de um grupo nos mesmos moldes na Praia e a uniformização dos dois grupos por forma a que tivessem o mesmo nome, o que no entanto, não foi bem recebido por ambos os grupos, nascendo assim, em fevereiro de 2008, o Grupo de Intervenções Rápidas, na Praia.

Em abril de 2014, vir-se-ia finalmente a efetivar a uniformização dos dois grupos, criando-se um grupo único nacional com a designação original GOT, sendo esta uma decisão minha, enquanto Diretor Nacional.

Resultou da constatação da inoperacionalidade dos grupos, mas principalmente da premência da Polícia Judiciária em assumir um nível de prontidão e operacionalidade diferente daquele que vinha demonstrando, face a operações com um crescente nível de risco e complexidade, levou a que se reinvestisse fortemente na formação, equipamentos e criação de condições para que tal iniciativa conhecesse um novo impulso e se efetivasse o funcionamento de um grupo com as características preconizadas.

O Despacho nº 5/2014, publicado em Ordem de Serviço, a 15 de Abril desse ano, começa exatamente com esse enquadramento, para depois estabelecer a sua constituição, os seus princípios e valores e atuação, as suas regras de engajamento e missões.

Foram feitas duas ações de formação diferentes, ao longo de um ano, uma na cidade da Praia, outra no Mindelo, para só então, através do Despacho já citado, o GOT voltar a atuar.

O porquê do atual Diretor Central de Investigação Criminal André Semedo vir afirmar ter sido criado para esse fim deverá vir a ser cabalmente explicado, mas desde já se volta a afirmar: É FALSO!

O então Diretor Nacional adjunto da Polícia Judiciária Paulo Rocha não esteve no local do confronto entre o malogrado José Lopes Cabral e funcionários da Polícia Judiciária!

Afirmo-o e repeti-lo-ei em sede própria.

É falso também que o Inspetor Chefe César Lopes tenha sido incumbido de providenciar uma arma para “plantar” na cena do crime! Efetivamente, o IC César Lopes era o responsável pelo armamento, algo que passou a ser desde 2013 (e não desde sempre como se tenta fazer passar), pois que sucedeu ao Inspetor Chefe João Emílio Tavares, que deixou tal responsabilidade quando se ausentou por vários anos para ir viver no Brasil.

Importante dizer que a Casa Forte da Polícia Judiciária era, e espero que ainda o seja, organizada de forma que cada arma depositada ou levantada, ocorra na presença de mais do que uma pessoa, encontrando-se devidamente separadas as armas apreendidas, do armeiro da instituição.

O IC César Lopes é um funcionário sério, com uma carreira imaculada e dos mais diligentes funcionários que tive o privilégio de liderar na instituição. A disponibilidade para o caluniar da forma como está agora a acontecer, para servir propósitos cada vez mais óbvios e torpes é de uma gravidade extrema e espero que os seus colegas se unam a uma só voz para o defender veementemente de um ataque vil, mas que apenas espanta quem não conhece quem o desferiu.

Ao Inspetor Chefe César Lopes não foi pedido ou ordenado que conseguisse uma arma para colocar na cena do crime! O próprio não acataria tal pedido ou ordem, nem teria condições para o fazer!

É chegada a hora de questionar: o Inspetor Gerson Lima (arguido em sede de outro processo, e a que faço referência por ter sido notícia e é de conhecimento público) é testemunha credível para efeito de trazer esta versão dos fatos?

Não o é, por várias razões. Estamos a falar de um inspetor, que pese embora a sua já longa carreira, sempre foi visto com muita desconfiança relativamente à sua seriedade e probidade por vários colegas, principalmente pelas companhias com que sempre privou, muitas delas ligadas ao mundo do crime. Aliás, quando chego à Polícia Judiciária, em 2011, o referido Inspetor já tinha sido punido disciplinarmente por comportamentos que punham já em causa a imagem e reputação da instituição.

Este inspetor, relativamente ao qual corre a instrução de um processo em que se encontra indiciado de crimes de adesão e colaboração com associação criminosa para o tráfico de produtos estupefacientes, lavagem de capitais, corrupção e extorsão, que inclusivamente chegou a ser preso fora de flagrante delito por ordem do Ministério Público e que tem um processo disciplinar em andamento e que pode ditar a sua expulsão da PJ, surge agora com estas declarações quando, à data dos fatos, foi liminarmente excluído das equipas de investigação ligadas às ameaças que pairavam sobre magistrados e funcionários da Polícia Judiciária, ligados à investigação e julgamento do caso conhecido por Lancha Voadora.

Apesar de pessoalmente não ter tido, pelas funções que exercia, tarefas operacionais, o grau de ameaça e as implicações que tinha para a vida e integridade de várias pessoas, implicou que eu tivesse tomado determinadas decisões, com vista a garantir que ninguém mais seria alvo e/ou vítima de outro atentado.

Passo a relatar, sem poder nem dever entrar em demasiados pormenores, os acontecimentos que antecederam o incidente que levou ao confronto que culminou com a morte do já referido José Lopes Cabral.

Já após o assassinato da mãe da Coordenadora Kátia Tavares, a PJ recebeu a informação de que o Zezito, indivíduo referenciado como pistoleiro a soldo e suspeito do homicídio do Banda na Praia, estaria em Cabo Verde com o propósito de cometer atentados contra pessoal magistrado envolvido no processo da Lancha Voadora (Juízes e Procuradores), bem como pessoal da PJ e que o mesmo estaria no momento da denúncia na Cadeia Central de São Martinho para se encontrar com um dos líderes do grupo criminoso da Lancha Voadora, que ali se encontrava a cumprir pena.

A PJ de posse dessa informação, de imediato deslocou uma equipa à cadeia de São Martinho, tendo efetivamente constatado a saída do Zezito desse estabelecimento prisional, na companhia de outro indivíduo, conhecido também no mundo do crime.

Nos dias que se sucederam, a PJ pôde constatar a presença do Zezito em alguns locais da cidade da praia.

Das vezes em que foi sendo visto e dos locais em que se encontrava, resultou informação relevante e grande apreensão, que justificou que eu tivesse convocado alguns funcionários, para análise das informações disponíveis até o momento e medidas de proteção. Desta reunião participou o DNA na altura. Contudo, o Inspetor Gerson Lima não esteve nessa reunião.

Em função do perfil dos Procuradores e Juízes alvos da ameaça, e após articulação com o PGR Óscar Tavares, ficou decidido que a PJ deveria manter um estado de alerta total em relação ao Zezito e tudo garantir, através de dispositivos de vigilância e proteção dos magistrados, que nenhum deles pudesse ser atacado. Foram montadas equipas de vigilância, que se organizaram operacionalmente para acompanhar os movimentos do referido indivíduo, mas também para garantir que as zonas aonde residiam os magistrados que poderiam ser alvo de atentado estavam devidamente vigiadas.

É neste quadro que, ao se receber a informação de que o referido indivíduo já estaria na posse de uma arma, as equipas de vigilância que se encontravam no terreno decidem abordá-lo, com o fito de proceder a revista, procedimento feito milhares de vezes pela polícia, sem que ocorram confrontos ou troca de tiros. A revista, confirmando a detenção de arma, permitiria a detenção do referido indivíduo. Se tal não se confirmasse, não teria havido quaisquer outros problemas.

Por esta altura, as questões que devem ser colocadas têm que ver com que interesses que se movem para que tais acontecimentos estejam agora a ser deturpados, com intervenção direta da Direção Nacional da Polícia Judiciária.

As respostas estão ligadas a um afã de vingança, de gente que no passado manteve relações muito estranhas com o mundo do crime, nomeadamente do próprio narcotráfico e que, nesta altura, tentam voltar a servir interesses outros, muito distantes do Estado de Direito e da administração da Justiça. Efetivamente, e neste ponto também tenho toda a disponibilidade em prestar esclarecimentos a quem de Direito, sobre as relações a que faço aqui referência e sobre as motivações ilegítimas que movem estas pessoas que hoje pretendem assumir responsabilidades para as quais não têm, nem competência, nem idoneidade para o fazer.

Termino, voltando a frisar que, mais grave do que o ataque, já por si grave, a uma figura pública, da forma como tem acontecido, é o ataque feito, por essa via, à própria instituição, e a muitos dos seus melhores quadros.

Faço votos que o Ministério Público possa efetivamente avançar, de forma segura e isenta, com o esclarecimento que se impõe, do ocorrido.

N.R.: Carlos Alexandre Reis foi Director Nacional da Polícia Judiciária e Conselheiro Nacional de Segurança

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Autoria:Carlos Reis,6 jan 2022 15:28

Editado porAndre Amaral  em  8 jan 2022 8:15

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