Elza, a rainha que “nasceu música”, foi luta, palco e activismo

PorPaulo Lobo Linhares,6 fev 2022 8:35

​Elza Soares, o nome que – como no início da sua vida pessoal – se dividiu em vários facetas: foi mãe, trabalhadora incansável, activista, apaixonada, voz, música e rainha. Para mim foi Elza – uma das vozes de sempre, talvez concordando com a BBC quando a considerou ser: a Voz do Milénio…

Partiu depois de uma vida intensa e cheia de páginas. Umas menos boas…sofridas, outras de rainha, mas todas feitas de Elza.

Segundo a própria: cantou para não enlouquecer, hoje só quer viver para cantar…” o samba me chama e eu vou”!

Abelha rainha, gata de sete fôlegos, dura na queda, muito nome ganhou pelo seu percurso….

Foi mãe aos 12 anos e viúva aos 21. Por causa da doença de um dos filhos foi tentar ganhar dinheiro a cantar. Numa das primeiras actuações, Ary Barroso terá perguntado …de que planeta você veio? …ao que respondeu: do mesmo que o seu – o planeta fome.

Foi então que a flor-Elza começa a desabrochar até ser bouquet de espécie rara.

Voz rouca, malandra e de certa forma sincopada, nela parecia traduzir os vários momentos da sua vida. Sua tonalidade rara, tanto se adaptava quando subia o morro cantando ao carregar a água para espantar a dor, como mais tarde como crooner de orquestra, rainha dos palcos com músicos da sua geração, sambista, até chegar à nova geração.

Madrinha da selecção brasileira, conhece Louis Armstrong que, na minha opinião se revê nela… e não o contrário como muitos jornalistas fizeram crer, noticiando a influência de Louis em Elza. Ao ser perguntada por tal, terá respondido que não conhecia o nome de Armstrong, até porque nem tinha rádio em casa. Louis convida-a para seguir com ele para o país dos sonhos…, mas já foi tarde. Elza tinha já se apaixonado por Garrincha, um dos casais referências do Brasil.

Grava o seu primeiro disco “Se Acaso Você Chegasse” pela Odéon, label onde gravou a maioria das suas preciosidades, exceptuado o disco “Do Cóccix até o Pescoço” que grava pela label independente - Maianga, a qual Elza se junta por considerar que as multinacionais já lhe impunham rédeas. Para mim, é um dos maiores discos da Rainha da Bossa Negra.

Pegando aqui no termo “Bossa Negra”, somos um pouco transportados para uma das mais sérias e consistentes, … porém natural…característica de Elza – a Activista. Para além do precioso álbum “Bossa Negra” de 1960 ter sido uma das produções da Odéon, há quem lhe tivesse incutido o princípio da Bossa Negra, entendendo-se aqui a Bossa Negra quase que um tipo de movimento paralelo da então reinante Bossa Nova. Mais exemplos – discos como o primeiro de Jorge Benjor – “Samba Esquema Novo” de 1963, apesar de estar enquadrado nos discos que fizeram a Bossa Nova, é claramente algo diferente. Na Bossa Negra defende-se que o swing não se encosta tanto ao jazz, mas mais ao Funk num samba mais assente, facto que para mim é notável…

Elza também esteve muito presente nas lutas que enalteciam causas como a luta Feminina e a discriminação racial.

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Vi Elza duas vezes ao vivo. Já passava dos 70 anos. Confesso que raramente fui envolvido em tanta energia vinda do palco como nos dois espectáculos….

Assim, já não sendo possível vê-la em palco, proponho a quem ainda não a ouviu, percorrer o “Bossa Negra”, “Elza Pede Passagem” da época Odéon, e o fantástico “Do Cóccix até o Pescoço” onde se junta a outro nome-marco da música brasileira José Miguel Wisnik, neutras sonoridades…Aliás, outra característica da artista é o fato da própria defender que “o samba é demasiado grande e o necessário é cantar abrindo para todos os espaços”. Por isso ter-se-á relacionado com figuras que vão desde Ary Barroso ou Silvinha Telles, Zeca Pagodinho ou Jorge Aragão até gerações bem mais novas como Mano Brown, ou Yuka dos Rappa que diz admirar…ou ainda ter assumida outras paixões que a levaram a tocar Sax e apaixonar-se pela escrita de Florbela Espanca…

Ouçamos, pois, quase que em audição-causa, a que é na verdade uma das maiores mulheres da história da música – que amou a vida, seja ela qual fosse, mas que nunca perdeu, nem perderá a pose de rainha por mérito próprio…a eterna Rainha da Bossa Negra – Elza. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1053 de 2 de Fevereiro de 2022. 

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,6 fev 2022 8:35

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  7 fev 2022 9:28

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