Carta aberta da Comissão Cívica para a Valorização da Matiota à Ordem dos Arquitectos

PorAntónio Pedro Silva,28 fev 2022 11:29

Apelo ao posicionamento da OAC em relação à construção de vivendas de luxo na praia da Matiota dentro da Orla Marítima.

A 05/02/2022 enviamos uma carta em formato de correio electrónico (e-mail) à Ordem dos Arquitectos de Cabo Verde (secretaria executiva e com conhecimento a delegação em SV) mas até ao presente momento não tivemos qualquer reacção, sequer foi acusada a recepção dessa correspondência. Transcreve-se em baixo a referida carta, com ligeiras correcções /alterações.

“A praia da Matiota, inicialmente denominada de “STEP”, uma praia criada pelos ingleses há mais de um século em Mindelo, com significativas intervenções da sociedade civil nos anos 30 (daí passar—se a designar como “Praia dos Falcões”), é um verdadeiro património cultural e paisagístico de S. Vicente, constituindo um marco cívico e histórico de Mindelo e do país, pelo que urge a sua preservação e potencialização como espaço de fruição de toda a comunidade, quer na dimensão do lazer físico, espiritual, social e cultural.

A Comissão Cívica para Valorização da Matiota - CCVM, coloca à Ordem de Arquitectos de Cabo Verde para análise e posicionamento, o projecto que contempla a ocupação da maior parte dessa praia com a construção de condomínio fechado ou aparthotel de cinco vivendas de luxo e um espaço comercial. Esta colocação deve-se ao facto de o referido projecto situar-se dentro da orla marítima e junto à preamar, incluindo também, parte das ruínas das antigas instalações balneares da praia da Matiota, soterradas nos anos 80, aquando da construção dos Estaleiros Navais de Cabo Verde, CABNAVE. Realçamos aqui o facto de ser, até a altura do seu soterramento, a Matiota era a praia mais popular e emblemática de São Vicente.

É nesse contexto, que alertamos para os seguintes pontos desse projecto, que consideramos profundamente preocupantes:

1. Cria uma MURALHA DE BETÃO entre a estrada e o mar, tapando a vista do mar, aos milhares de munícipes que ainda utilizam essa praia popular, mesmo estando descuidada e abandonada pelas autoridades.

2. Retira a almejada DIGNIDADE que a arquitetura e urbanismo em Cabo Verde merecem, ao mesmo tempo que desprestigia e retira o mérito conquistado pela classe de Arquitectos, pela aberração que a mesma representa e, principalmente, pelo confrangedor silêncio e acomodação da classe perante o projeto.

3. Alimenta a EXCLUSÃO SOCIAL de milhares de munícipes com o único objetivo de beneficiar meia dúzia de pessoas de alto poder económico, o que representa um potencial risco de conflito social, com enormes consequências, algumas bem previsíveis e indesejáveis, em particular para os próprios promotores do projeto.

Parece ser evidente que esta exclusão social dos munícipes irá se desencadear em CONFLITOS SOCIAIS de consequências previsíveis e que não se limitarão a estas construção, o que é contrária aos princípios que devem gerir um urbanismo inteligente, socialmente sustentável e responsável.

4. Esta projectada construção das vivendas de luxo para cinco famílias ricas em detrimento de milhares de munícipes, boa parte oriundos de bairros deprimidos e de fraco poder económico, contraria frontalmente os ODS, Objectivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, as recomendações da Organização Mundial da Saúde para a urgência de Cidades Sustentáveis, as directrizes e orientações sobre os Smart Cities inclusive, adoptadas pela União Europeia e os EUA.

5. Na ordem interna, aponta-se que o processo parece ferido de ilegalidade pois contraria o preceituado pela Constituição da República, nomeadamente no tange ao afastamento da Orla Marítima entre outros, a que todos os eleitos e ocupantes de cargos políticos e públicos se devem submeter, o que implica que nem o Presidente da República, o Parlamento, os Governos Central e Municipal, devem trair a sua ESSÊNCIA, o seu ESPÍRITO, através de aparentes lacunas ou vazios regulamentares.

Apelamos ao posicionamento da OAC em relação a construção das referidas vivendas de luxo, em conformidade com os Valores de ÉTICA profissional, de RESPONSABILIDADE SOCIAL e AMBIENTAL a que a classe dos Arquitectos se vincula.

Fazemos questão que este assunto seja resolvido no âmbito interno e com as instituições nacionais, no diálogo, no respeito pelos Valores Superiores de Humanidade e Princípios da convivência e Justiça social, no respeito pela Carta Magna.

Isso evitaria o desconforto e o desprestígio nacional, de se recorrer a outras instâncias e instituições de países estrangeiros, os principais financiadores de Cabo Verde”.

Melhores cumprimentos,

António Pedro Silva

/Presidente/

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1056 de 23 de Fevereiro de 2022.

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Autoria:António Pedro Silva,28 fev 2022 11:29

Editado porDulcina Mendes  em  28 fev 2022 11:29

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